segunda-feira, 30 de abril de 2012

Direito Internacional e Terrorismo

“O dia 11 de Setembro de 2001 ficou marcado como um divisor de águas no Direito Internacional” (Marco, 2005). Desde logo, é importante ter em conta que a definição de terrorismo não é unanime na comunidade internacional. Ainda que muitas definições possam caber dentro deste conceito, como terrorismo de Estado, terrorismo cultural, entre outros, a Assembleia Geral da ONU acabou por definir terrorismo como “actos criminosos com o objectivo de ou calculados para provocar um estado de terror no público geral, um grupo de pessoas ou determinados indivíduos por razões políticas quaisquer que sejam as considerações de cunho político, filosófico, ideológico, racional, étnico, religioso ou outro que possam ser invocados para justificá-los” (Ruiz, 2005, p. 152).

Ao falar de terrorismo, será abordada a Responsabilidade Internacional de um Estado, que se traduz sobretudo “numa relação entre dois sujeitos de direito internacional, no qual o Estado prejudicado reclama a reparação ao Estado que causou o dano” (Wilebsky e Januário, 2003, p 23).

A responsabilidade no terrorismo implica desde logo o Estado atingido, que tem de responder por quem ou pelo que foi lesado pelo acto terrorista. Contudo, o reconhecimento da negligência dos funcionários de um país na culpa de actos terroristas tem sido pouco explorado.

Pelo contrário, a resposta a um acto desse género é sempre esperada. “Um Estado não pode manter-se indiferente, quando se tenham realizado actos terroristas que atentem contra a sua soberania, nomeadamente quando os mesmos tenham sido preparados noutro(s) Estado(s), tendo sido este(s) último(s) claramente negligente(s) na sua actividade preventiva” (Wilebsky e Januário, 2003, p. 43).

Neste caso específico, a falta de representação jurídica de organizações como a Al-Qaeda complicou a resposta dos EUA. Manuel de Almeida Ribeiro enquadra as organizações terroristas enquanto actores do Direito Internacional como “entidades marginais sem base territorial” (Ribeiro, 2005). Efectivamente, cada vez mais o terrorismo se assume como entidade transnacional que usa e abusa das potencialidades da Internet. Ainda assim, é sabido que os talibãs acolheram Osama bin Laden no Afeganistão depois de terem obtido a ajuda do líder da Al-Qaeda na guerra civil. O facto de o regime talibã ter-se recusado a entregar o chefe da rede terrorista foi motivo suficiente para os Estados Unidos encararem o Afeganistão como culpado. Com efeito, o Afeganistão podia ter, no sentido de tentar reparar o sucedido, expulsado a Al-Qaeda do seu território ou pedido desculpas por ter contribuído involuntariamente para o terror perpetrado, mas nada fez. À luz do Direito Internacional Público, “não existe qualquer diferença fundamental” entre responsabilidade directa do Estado – actos cometidos pelo governo de um Estado ou praticados com a sua autorização – e responsabilidade do Estado por “actos não autorizados praticados por agentes do Estado ou pelos seus nacionais e por estrangeiros que residam no território do Estado” (Brownlie, 1997, p. 460).

A resposta norte-americana ao 11/9 levou também a um alargamento do conceito de legítima defesa preventiva. A 28 de Setembro, poucos dias antes do início da intervenção no Afeganistão e menos de um mês após os atentados, a ONU aprovou a resolução 1373/2001, que obriga os seus actuais 190 membros da organização, entre os quais se encontra o Afeganistão. Esta resolução veio reafirmar o princípio de que “todos os Estados têm o dever de se abster de organizar, instigar, auxiliar ou participar em actos terroristas noutros Estados ou de aquiescer em actividades organizadas dentro do seu território que visem a prática de tais actos”. Esta resolução cita a 1368/2001, que inovou por a ONU autorizar a legítima defesa para responder a um ataque terrorista, o que constituiu um marco inédito no Ordenamento Jurídico Internacional (Lucena, 2003).
Fonte: Google Imagens
Importa, contudo, referir que os EUA já tinham invocado, em 1986, a legítima defesa preventiva em resposta a actos terroristas. O alvo da altura foi a Líbia, sob o argumento de que esta estava a proteger os responsáveis pelos atentados contra soldados americanos na região de Berlim Ocidental. Nessa ocasião, “alguns Estados do Conselho de Segurança, crentes da inocência da Líbia, evitaram questionar a licitude da legítima defesa” (Lucena, 2003).

Para atacar o Afeganistão, Washington invocou o artigo 51º da Carta das Nações Unidas que admite o recurso à força em legítima defesa, até que o “Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais”. O Conselho de Segurança não tomou qualquer atitude e nem atribuiu a responsabilidade – ainda que indirecta – dos atentados aos talibãs, grupo que nunca reconheceu como governo oficial afegão.

Contudo, o argumento em favor da legalidade da legítima defesa foi rejeitado pelo Conselho de Segurança ao condenar o “bombardeamento por aviões israelitas da sede da Organização para a Libertação da Palestina na Tunísia, alegadamente por este Estado ter dado guarida a terroristas que tinham atacado Israel, considerando-o como um acto de agressão armada contra o território tunisino em flagrante violação da Carta das Nações Unidas e do direito internacional” (Teles, 2003).

A intervenção no Afeganistão derrubou o regime talibã, mas não destruiu a Al-Qaeda e o país permanece em guerra. Nesta intervenção foi deu-se um “uso desproporcionado e excessivo da força, resultando num número elevado de vítimas civis” (Teles, 2003), num claro desrespeito pelo Direito Internacional Humanitário. Além disso, inúmeros talibãs foram feitos “prisioneiros e levados para os Estados Unidos sem que houvesse qualquer acusação prévia ou julgamento, em total desacordo com as próprias regras de um ordenamento jurídico inerente a uma sociedade democrática e civilizada”, frisa Fernanda Ruiz (Ruiz, 2005, p. 154).

Tem-se assistido recentemente a um tendência de criminalização internacional dos actos terroristas, sendo que os Estados devem extraditar ou punir os suspeitos de terrorismo em seu poder. Contudo, existem indefinições relativas ao terrorismo no Tribunal Penal Internacional, o que acaba também por dar maior espaço a arbitrariedades e à impunidade.

Mais do que advogar que no que diz respeito ao Direito Internacional Público é ainda a política e o poder de cada Estado que ditam as cartas - recorde-se que os Estados Unidos fazem parte do Conselho de Segurança – importa frisar que a luta contra o terrorismo que se começou a travar a partir do 11/9 representou uma viragem não só no relacionamento entre Estados – já para não falar entre civilizações -, mas também na forma jurídica de enquadrar a questão. Os Estados foram obrigados a assumir uma atitude mais activa na luta contra o terrorismo dentro das suas fronteiras, até mesmo pela necessidade de manterem relações amigáveis com os Estados Unidos, que fizeram um ultimato a todos eles: “Ou estão connosco ou estão com os terroristas”, disse George W. Bush a 21 de Setembro de 2001 (Público, 2001).

A importância que a luta contra o terrorismo assumiu nas relações internacionais, e consequentemente no Direito Internacional Público, permitiu ingerências no Afeganistão como a que se assistiu, sem qualquer julgamento internacional. O próprio homicídio de Osama bin Laden, perpetrado a 1 de Maio de 2011 por tropas norte-americanas, foi recebido com aplausos, quando o que se pedia era um julgamento. “Fez-se vingança, não justiça”, como escreveu Leonardo Boff (Boff, 2001), e as vozes que se levantaram em defesa de uma acção judicial contra os Estados Unidos por este assassinato tiveram uma expressão nula. “Depois de dez anos, duas guerras, 919.967 mortes e 1,188 trilhão de dólares, conseguimos matar uma pessoa”, ironiza Michael Moore (Monteiro, 2001).

A guerra no Afeganistão constitui, assim, uma evidência de que o terrorismo é um desafio para o Direito Internacional Público, porque muitas vezes é forçado responsabilizar um país – com as suas gentes e, na maioria dos casos, com a sua pobreza, pelos terroristas nele instalados – e, mais importante do que isso, os resultados dessa postura são os menos positivos. Já para não falar de quando o combate aos terroristas serve outros interesses.

Actos como a intervenção no Afeganistão são pois facilitados pela jurisdição internacional, a mesma jurisdição que se torna permissiva na hora de julgar o contra-terrorismo. Esta evidência põe em cheque toda a actual legislação internacional ao demonstrar que, quando estão Estados hegemónicos em causa não é o direito que dita a primeira palavra.

Bibliografia:

Almeida, Hugo Tiago (2011), “O Terrorismo e os Direitos Humanos”, in http://www.artigos.com/artigos/sociais/direito/o-terrorismo-e-os-direitos-humanos-17592/artigo/ (Consultado em Maio de 2011).

BOFF, Leonardo, “Fez-se vingança, não justiça”, in http://leonardoboff.wordpress.com/2011/05/05/fez-se-vinganca-nao-justica/ (Consultado em Maio de 2011).

BOOTH, Ken e DUNNE, Tim (2002), Mundos em colisão: terror e o futuro da ordem global, Nova Iorque, Palgrave Macmillan.

BROWNLIE, Ian (1197), Princípios de Direito Internacional Público, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian.

FONSECA, Francisco (2009), “Jus ad bellum e jus in bello”, in http://franciscofonseca.blogs.sapo.pt/8003.html (Consultado em Maio de 2011).

INNERARITY, Daniel (2004), A Sociedade Invisível, Lisboa, Teorema.

LUCENA, Gustavo Carvalho Lima de (2003). “A recepção da chamada "guerra ao terror" pelo ordenamento jurídico internacional”. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 168, in http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4676 (Consultado em Maio de 2011).

MARCO, Carla Fernanda de, “Os novos desafios do Direito Internacional face ao Terrorismo”, in http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=164 (Consultado em Maio de 2011).

Organização das Nações Unidas, in www.un.org (Consultado em Maio de 2011).

PUBLICO (2001),” Bush promete “longa luta” ao terrorismo e faz ultimato aos talibãs”, in http://www.publico.pt/Mundo/bush-promete-longa-luta-ao-terrorismo-e-faz-ultimato-aos-taliban_41094?p=2 (Consultado em Maio de 2011).

RIBEIRO, Manuel de Almeida (2005), “O Direito da Nova Ordem Internacional”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Joaquim Moreira da Silva Cunha, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra Editora.

RUIZ, Fernanda (2005), “O julgamento de actos de terrorismo pelo Tribunal Penal Internacional”, Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos, Bauru, nº. 44, p. 139-156.

WILENSKY, Alfredo Héctor e JANUÁRIO, Rui (2003), Direito internacional público contemporâneo: responsabilidade internacional do Estado; terrorismo internacional; direito internacional do ambiente; processo de integração Europeia e os Parlamentos Nacionais, Lisboa, Áreas Editora.

TELES, Patrícia Galvão (2003), “A intervenção estrangeira no Afeganistão e o Direito Internacional”, in http://www.janusonline.pt/2003/2003_2_3_1.html (Consultado em Maio de 2011).

Nota: Texto escrito em Junho de 2011.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

A Primavera Árabe das nações?


Em “a Primavera Árabe das nações”, que pode ler aqui, Shlomo Avineri[1], debruça-se sobre as recentes transformações verificadas no Médio Oriente e Magreb na sequência da tão proclamada Primavera Árabe.  
 
 
 
Avineri, sucintamente percorre os vários territórios afectados pelos “ventos de mudança”, realizando um paralelismo com o sucedido na antiga URSS e no seu desmembramento.
Para a história ficará o derrube de regimes e governantes autoritários através das sucessivas manifestações populares, exibidas com alguma perplexidade pelos meios de comunicação social. Apesar dessa perplexidade sentida, era certo que a médio ou longo prazo, aquelas populações revoltar-se-iam. Como li em tempos, «as ditaduras, por muito que durem, são um regime sem futuro».
 Nem todas as manifestações tiveram o fim pretendido. Alguns regimes conseguiram travar as repercussões da revolta popular, salvaguardando-se, são os casos de Marrocos, Jordânia, Arábia Saudita e alguns estados do Golfo Pérsico, com a excepção do Bahrein como refere o autor. Na sua maioria as monarquias não foram afectadas com a vaga da Primavera Árabe. Na opinião de Shlomo Avineri, tal se deve essencialmente a factores de ordem religiosa. Para além de apontar o petróleo e o lucro que dados estados detêm e que ajuda-os a manter a autocracia, outros porém apostam naquilo que denomina de ‘autoridade tradicional’, serem descendentes do Profeta ou possuírem a custódia dos lugares santos, Meca e Medina.
Outros porém, apesar de conseguirem derrubar o déspota, parece que perderam o rumo ao longo da revolução, como o próprio salienta, «(…) derrubar uma ditadura é uma coisa – um drama que dura algumas semanas – enquanto a transição para uma democracia consolidada é outra. Aqui, é necessário um processo moroso e o seu sucesso (…) depende de condições prévias importantes».
Sholmo Avineri, menciona quatro estados que tendem a não encaminhar-se rumo à democracia, são eles, Egipto, Líbia, Iémen e quiçá a Síria se porventura Bashar al-Assad cair do poder. Relativamente ao caso do Egipto, mais aprofundado pelo autor, os militares e a Irmandade Muçulmana muito provavelmente irão partilhar o poder. Uns (militares) porque há muito que se encontram no poder e não pretendem ficar sem as regalias que o mesmo proporcionou, e os outros (Irmandade Muçulmana) porque foram os grandes vencedores das eleições legislativas realizadas no país. Para Shlomo Avineri muito dificilmente o Egipto caminhará para a democracia, uma vez que a Irmandade Muçulmana detém uma visão de democracia maioritária e não liberal, como o próprio evidencia. O facto de terem ganho a eleição só contribuirá para governar de acordo com a sua visão, alheando-se da restante realidade como os direitos das minorias e afins. Alaa Al-Din Arafat, em “Hosni Mubarak and the future of democracy in Egypt”, vem ao encontro da tese defendida por Avineri. A dada altura é referido, «(…) the former Supreme Guide Mostafa Mashur said, “We accept the concept of pluralism for the time being; however, when we will have the Islamic rule we might then reject this concept or accept it.” The pragmatic conclusion is that MB [Muslim Brotherhood] will use the democratic system to achieve power, and then they will jettison it» (Arafat.2011:177).
Avineri salienta ainda para a possibilidade de desagregação, pois em determinados estados não existe unidade nacional. Vejamos o caso da Líbia, onde a região de Cirenaica, a 6 de Março, proclamou a criação de um Estado semi-autónomo. A mesma terá a sua capital, parlamento, tribunais mas ainda assim continuará a fazer parte da Líbia, mantendo a bandeira e o hino. Não se trata de uma separação mas de uma independência administrativa, menciona um comandante de milícia, Fadl-Allah Haroun. O CNT, no poder desde o derrube do regime de Khaddafi, afirmaria tratar-se de uma conspiração estimulada por alguns estados árabes. Relembro que Cirenaica é uma das regiões mais ricas da Líbia.
Por fim, Sholmo Avineri novamente numa analogia com a URSS exprime que «(…) não nos deveríamos surpreender se a democratização do mundo árabe, por muito difícil que seja, arrastar consigo uma redefinição de fronteiras. Resta saber se esse será um processo violento ou pacífico».
Assistimos a grandes alterações proporcionadas pelos ventos revolucionários da tão proclamada Primavera Árabe. E um dia assistiremos ao abrir das pequenas ‘caixas de Pandora’, que um pouco por toda a região afectada pela Primavera Árabe dimanaram. 

 

Referências Bibliográficas:  

ARAFAT, Alaa Al-Din (2011) “Hosni Mubarak and the Future of Democracy in Egypt”, Palgrave Macmillan, USA;


[1] Professor de Ciência Política, ex director-geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros Israelita;

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Tajiquistão, entre a dependência russa e as ameaças na região

O Tajiquistão é o estado mais pobre dos que resultaram do desmembramento da URSS e assume um especial destaque pelo facto de ter entrado numa guerra civil logo após a independência, pelo exemplo do Islão politizado e também pela proximidade com o Afeganistão.

O país tornou-se independente em 1991 e logo depois foi palco de uma guerra civil. Apesar do acordo de paz alcançado em 1997, permanecem divisões. 

Na opinião de Asmed Rashid, sobre os países da Ásia Central cai o perigo de seguirem o caminho do Afeganistão, com o colapso do Estado e o aumento do terrorismo, ou a alternativa de tirarem partido do envolvimento da comunidade internacional para reconstruir os seus países, assumindo assim uma postura contra o terrorismo e o extremismo islâmico e um compromisso de caminharem para a democracia (Rashid, 2003, p. 233).

Francisco Strazzari avisa, contudo, que “democracia e direitos humanos são dois objectivos difíceis de conseguir nestas paragens onde imperam o fundamentalismo religiosos de matriz islâmica, a hegemonia política de líderes tradicionais e a corrupção” (Strazzari, 2007).

 O país enfrenta ainda a ameaça terrorista, do Movimento Islâmico do Uzbequistão (MIU) um grupo ligado à Al-Qaeda, que ainda recentemente reivindicou a responsabilidade de uma emboscada contra um comboio militar em Setembro de 2010, que matou 28 soldados.

 O medo do regresso de uma situação como a vivida na guerra civil, que teve início logo no início da década de 90 e que vitimou milhares de pessoas, ainda está presente na memória de muitos. Por isso, segundo a Asia News, o Tajiquistão quer trazer de volta todos os seus alunos da Universidade Al-Azhar, no Cairo, Egipto, considerada como a maior universidade do mundo islâmico, por receio de que os estudantes recebam influências de grupos terroristas islâmicos.

 Neste âmbito, Pascoal Santos Pereira ainda para “os fortes interesses criminosos internos que floresceram com a economia de guerra e com a ausência de regulação jurídica e policial” e que “continuam ainda bem presentes na sociedade, frequentemente com importantes ligações políticas, e que não teriam nada a perder com o eventual ressurgir de um conflito armado no Tajiquistão” (Pereira, 2009, p.12).
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Por outro lado, Maria João Freire escreve que “o Tajiquistão é não só dependente da Rússia, como subserviente à sua influência, notória na definição das suas políticas a nível interno e externo” (Freire, 2010). Recorde-se que Moscovo conta com uma base militar no país.

Repare-se também que a “presença de armas nucleares na região dificulta a articulação autónoma” dos cinco países da Ásia Central, tendo em conta o “interesse russo em manter os laços de dependência e cooperação tanto na área militar como económica”. O temor de uma proliferação nuclear na região chama também a atenção dos “Estados Unidos que temem o uso deste arsenal por parte de grupos terroristas islâmicos que se concentram na região”, nota Robson Coelho Cardoch Valdez.

 O mesmo autor destaca que “enquanto os Estados Unidos, Europa, o Irão e a China procuram usufruir dos espaços deixados pela política externa da Rússia na região, a região centro-asiática do planeta vê esta movimentação das potências como forma de exercitar a sua pseudo-independência e

Para além das dificuldades derivadas da proximidade com o Afeganistão e o Paquistão, o Tajiquistão tem ainda problemas com Pequim, que reivindica cerca de 30 por cento da província oriental tajique de Gorno-Badaquechão, onde existem grandes depósitos de ouro (Rashid, 2003, p. 92).  

Pascoal Santos Pereira dá ainda conta de outras ameaças: para além de proximidade com o Afeganistão e de “alguma tensão” com o Quirguistão, “por questões de delimitações fronteiriça”, “a retenção da água nas barragens no Tajiquistão tem estado na origem de alguma tensão com o vizinho Uzbequistão, que daí faz condicionar o fornecimento de gás e energia ao seu vizinho” (Pereira, 2009, p.12).

Já Guillaume Hernard entende que no seio do regionalismo, resultante da facções determinadas essencialmente pela origem geográfica, é favorável a emergência de chefes de guerra locais que entrem em competição com grupos procedentes da mesma região (Hernard, 2000, p. 117).

Tatuado de várias formas pelo passado russo e ainda bebendo da sua tradição muçulmana, o país tem de facto enfrentado não raras vezes dificuldades para conciliar estas duas heranças, sobretudo quando existe pouca união entre as pessoas que o compõem, por causa da geografia montanhosa do país, mais propícia à ligação aos clãs do que a um sentimento nacional.

Podemos então dizer que numa altura em que a região assume uma importância estratégica a nível mundial, especialmente no âmbito do combate ao terrorismo, são muitas as oportunidades, designadamente económicas e de segurança, que o país tem pela frente. Contudo, alicerçados a esta crescente importância estão também perigos, quer assumidos, como a proximidade ao Paquistão, quer invisíveis, como a crescente procura de domínio na região por parte dos Estados Unidos e da Rússia.

Referências bibliográficas:

FREIRE, Maria João (2010), “Ásia Central: o regresso do Eurasianismo às políticas russas”, in http://utopico.blogs.sapo.pt/105441.html

HERNARD, Guillaume (2000), Geopolítica do Tajiquistão: o novo grande jogo na Ásia Central, Paris, Ellipses.

PEREIRA, Pascoal Santos (2009), “Tajiquistão: cruzamento da dimensão económica de reconstrução e prevenção”, in http://cabodostrabalhos.ces.uc.pt/n3/ensaios.php

RASHID, Ahmed (2003), Jihad – Ascensão do Islão militante na Ásia Central, Lisboa, Terramar.

STRAZZARI, Francisco (2007), “Ásia Central: Cinco Nações, Muitos Desafios”, in http://www.alem-mar.org/cgi-bin/quickregister/scripts/redirect.cgi?redirect=EEyZlElZlkCCEoswGW

VALDEZ, Robson Coelho Cardoch, “Geopolítica na Ásia Central: a constante influência externa”, in http://mundorama.net/2010/06/02/geopolitica-na-asia-central-a-constante-influencia-externa-por-robson-coelho-cardoch-valdez/#more-6115

Nota: Parte de um trabalho académico realizado em Janeiro de 2011.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Asma trava o teu marido

Enquanto observadores da ONU encontram-se na Síria a monitorizar o suposto cessar-fogo, na sequência do plano de paz de Kofi Annan, uma campanha foi lançada ainda esta semana com intuito de travar Assad.

Criada pela entidade colectiva Women of the World, composta apenas por mulheres, diplomatas ou esposas de diplomatas, dirigem a sua petição à mulher do Presidente Bashar al-Assad, Asma al-Assad.


Nos cerca de 5 minutos do vídeo da campanha, podemos vislumbrar um paralelismo entre a figura inerte de Asma face à violência que percorre o Estado sírio.

Relembro que a revolta dura há mais de um ano. A 26 de Janeiro de 2011 irrompiam os primeiros protestos, na sequência da Primavera Árabe. Vários eram os objectivos, desde a renúncia de Assad, a mudança de regime, o fim do estado de emergência (existente desde 1962), e outros. A revolta tomaria outras proporções, rapidamente transformou-se numa guerra civil. Mais de 11 mil pessoas foram vítimas do conflito armado entre as forças leais a Assad e a oposição. Milhares de sírios tornam-se refugiados, partindo para os países vizinhos, como Turquia, Líbano, Jordânia e Iraque. Na Turquia cerca de 24 564 refugiados encontram-se no território, no Líbano o número era de 20 mil, na Jordânia cerca de 7 mil e no Iraque cerca de 800 sírios. Saliento que estes números se referem apenas aos refugiados registados. A ONU estima que os números tendem a aumentar no curto prazo e já trabalha em planos de apoio para com os vários países. Face aos vetos da Rússia e China no Conselho de Segurança, a postura do Ocidente pautou-se por variadas sanções.

A crítica à postura de Asma face aos acontecimentos é patente ao longo do vídeo. Ainda assim o apelo é feito, «(…) defende a paz, Asma. Fala agora. Pelo bem das pessoas. Detém o teu marido e os seus apoiantes. Pára de ser uma espectadora. (…)»

Ironicamente depois de tentar aniquilar do mapa a cidade de Homs, o casal Assad surge esta semana, a realizar voluntariado num centro de ajuda e distribuição de bens, que serão posteriormente distribuídos pelas famílias daquela cidade. Esta manobra de marketing foi noticiada ao pormenor pela televisão estatal síria, divulgando imagens de um Presidente preocupado e solidário com a sua população.


Para Assad, é prioridade deter a qualquer custo aqueles que denomina de “terroristas” e que colocam em causa o seu governo, vejamos por exemplo os acontecimentos de Homs, Hama ou Idlib.

Ainda assim, Asma, numa carta enviada a um jornal britânico referia que apenas o seu marido era o homem ideal para liderar a Síria. Contrapondo a opinião de esposa, Bashar al-Assad foi classificado, “desprezível” (rogue), na lista das 100 pessoas mais influentes do mundo da revista Time, ao lado de Kim Jong Un e dos terroristas Mullah Mohammed Omar e Sheik Moktar Ali Zubeyr. Segundo Chua-Eoan (director da revista Time), «(…) Bashar intends to prove he is the player in Syria to be placated — if only because he can kill most efficiently».



terça-feira, 17 de abril de 2012

Günter Grass persona non grata


Günter Grass, escritor alemão e vencedor do prémio Nobel da Literatura em 1999, recentemente lançou-se numa gravíssima polémica com o Estado israelita, tudo na sequência de um poema publicado num jornal alemão, Süddeutsche Zeitung, a 4 de Abril, intitulado “Was gesagt werden muss” (o que tem de ser dito).

No referido poema, Grass, critica a postura israelita face ao Irão e ao seu programa nuclear. Chega até a afirmar que o Estado de Israel coloca em causa a paz mundial.

“(…)

Por que motivo só agora digo,

já velho e com a minha última tinta,

que Israel, potência nuclear, coloca em perigo

uma paz mundial já de si frágil?

Porque deve ser dito

aquilo que amanhã poderá ser demasiado tarde [a dizer],

(…)”

Face a tais acusações, Israel, através do ministro do Interior, Eli Yishai, declarava Grass persona non grata o que equivale a proibir o acesso daquele ao território israelita. As críticas, não só israelitas mas também alemães, sucederam-se à velocidade da luz. A animosidade instalou-se, chegando ao ponto de advogarem à retirada do prémio Nobel da Literatura atribuído a Grass, dada a sua postura imoral. A Academia Sueca negou veemente, uma vez que o prémio fora atribuído pelo seu mérito literário.

Para além das críticas, o passado de Grass fora analisado, especialmente a sua juventude, aquando dos seus 17 anos quando serviu nas SS-Waffen. Por este facto seria acusado de anti-semitismo. Outros ainda mencionariam a idade de Grass, quiçá procurando algum vestígio de senilidade, para justificar a produção do provocatório poema.

Apesar da quantidade de acusações vários foram aqueles que vieram em defesa do escritor alemão, indicando que este criticava apenas a política do governo de Benjamin Netanyahu, algo que mais tarde Grass afirmou, e não Israel no todo.

A polémica tenderá a permanecer, uma vez que diversas foram os assuntos levantados após a divulgação do poema de Grass. Desde a questão do holocausto, do anti-semitismo, anti-sionismo, a tensão Israel e Irão, a política de Netanyahu e outros continuarão a contribuir para variadas discussões e reflexões.


NOTA: Abaixo podem ler a versão traduzida de “Was gesagt werden muss” de Günter Grass


O que deve ser dito

“Porque guardo silêncio há demasiado tempo

sobre o que é manifesto

e se utilizava em jogos de guerra

em que no fim, nós sobreviventes,

acabamos como meras notas de rodapé.

É o suposto direito a um ataque preventivo,

que poderá exterminar o povo iraniano,

conduzido ao júbilo

e organizado por um fanfarrão,

porque na sua jurisdição se suspeita

do fabrico de uma bomba atômica.

Mas por que me proibiram de falar

sobre esse outro país [Israel], onde há anos

- ainda que mantido em segredo –

se dispõe de um crescente potencial nuclear,

que não está sujeito a nenhum controle,

pois é inacessível a inspeções?

O silêncio geral sobre esse fato,

a que se sujeitou o meu próprio silêncio,

sinto-o como uma gravosa mentira

e coação que ameaça castigar

quando não é respeitada:

“antissemitismo” se chama a condenação.

Agora, contudo, porque o meu país,

acusado uma e outra vez, rotineiramente,

de crimes muito próprios,

sem quaisquer precedentes,

vai entregar a Israel outro submarino

cuja especialidade é dirigir ogivas aniquiladoras

para onde não ficou provada

a existência de uma única bomba,

se bem que se queira instituir o medo como prova… digo o que deve ser dito.

Por que me calei até agora?

Porque acreditava que a minha origem,

marcada por um estigma inapagável,

me impedia de atribuir esse fato, como evidente,

ao país de Israel, ao qual estou unido

e quero continuar a estar.

Por que motivo só agora digo,

já velho e com a minha última tinta,

que Israel, potência nuclear, coloca em perigo

uma paz mundial já de si frágil?

Porque deve ser dito

aquilo que amanhã poderá ser demasiado tarde [a dizer],

e porque – já suficientemente incriminados como alemães –

poderíamos ser cúmplices de um crime

que é previsível,

pelo que a nossa cota-parte de culpa

não poderia extinguir-se

com nenhuma das desculpas habituais.

Admito-o: não vou continuar a calar-me

porque estou farto

da hipocrisia do Ocidente;

é de esperar, além disso,

que muitos se libertem do silêncio,

exijam ao causador desse perigo visível

que renuncie ao uso da força

e insistam também para que os governos

de ambos os países permitam

o controle permanente e sem entraves,

por parte de uma instância internacional,

do potencial nuclear israelense

e das instalações nucleares iranianas.

Só assim poderemos ajudar todos,

israelenses e palestinos,

mas também todos os seres humanos

que nessa região ocupada pela demência

vivem em conflito lado a lado,

odiando-se mutuamente,

e decididamente ajudar-nos também.”

segunda-feira, 16 de abril de 2012

"Suavização das relações entre a Índia e o Paquistão?"




Shashi Tharoor[1], em “Suavização das relações entre a Índia e o Paquistão”, que pode ler aqui, remete-nos para a relação conflituosa entre os dois referidos Estados. A tensão é patente entre o Estado indiano e o paquistanês.

Impera salientar que em 1947 a Índia Britânica, se dividia em dois domínios soberanos, a União da Índia e o Domínio do Paquistão, que mais tarde dariam origem respectivamente à República da Índia (1950) e à República Islâmica do Paquistão (1956). A separação não significou o surgimento de uma relação amistosa entre as duas regiões. Assistiu-se a violência entre hindus, sikhs e muçulmanos nomeadamente no território indiano, uma vez que a separação não teve em consideração as especificidades étnicas, culturais e religiosas. A separação deu ainda origem a tensão que resultou em vários conflitos armados ao longo dos anos, na sua maioria devido a Caxemira, região disputada pelos dois Estados. A permanente animosidade culminou numa corrida ao armamento. Actualmente ambos, Índia e Paquistão, são detentores de armamento nuclear e não são signatários do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP).

Inicialmente o autor aborda os vários problemas que assolavam aquela região, nomeadamente o extremismo e o terrorismo, e as consequências dos mesmos para a estabilidade quer regional quer nacional. A dada altura é referido «um país vizinho [Paquistão] repleto de jovens desesperados, sem esperança ou perspectivas, liderado por um militar mal-intencionado e que se auto-engrandece, é uma ameaça permanente para a Índia».

Face a tal, Tharoor, menciona várias estratégias que o Estado indiano deveria adoptar com intuito de minimizar a conflitualidade entre os dois territórios, numa perspectiva de defesa nacional, e assim «ao adoptar uma posição de acolhimento, sensibilidade e generosidade pragmática, a Índia poderá ser capaz de alterar uma relação bilateral que conta com 65 anos de uma lógica de hostilidades intratável».



[1] Ex-ministro de Estado indiano para os Assuntos Externos e subsecretário geral das Nações Unidas;

sexta-feira, 13 de abril de 2012

«Discurso Civilizacional uma Tentação a Evitar»

«No início da década de 1990, delegações franco-alemães compostas por politólogos e políticos tinham por hábito aterrar no subcontinente indiano a dar lições de política e moral. O final da Segunda Guerra Mundial coincidiu sensivelmente com a divisão da Índia. Numa altura em que alemães e franceses faziam progressos no sentido da reconciliação, construindo uma nova Europa, indianos e paquistaneses pareciam determinados na hostilidade mútua e guerras sucessivas. Incentivados pelos acontecimentos que se seguiram à queda do Muro, os europeus tinham, na época, grande confiança no seu projeto político e no futuro.

Vinte anos depois, no contexto de uma União Europeia (UE) composta por 27 Estados e cerca de 500 milhões de pessoas, a questão que se coloca é outra: em vez de darem lições, terão os europeus lições a aprender com o velho subcontinente indiano e a sua história?

No mundo do início do século XXI, existem cinco Estados federais de tamanho suficiente para servir de modelo à UE. Entre eles, contam-se os Estados Unidos (311,7 milhões de habitantes e cerca de 50 estados) e o Brasil (196,7 milhões de habitantes e cerca de 26 estados), cujas histórias apresentam vários pontos de semelhança, ainda que muito diferentes da Europa. Esses Estados são o produto de um processo de conquista e colonização, acompanhado por uma diminuição (ou mesmo dizimação) da população indígena. No essencial, há uma única língua dominante. Existe alguma diversidade racial, mas pouco significativa de um ponto de vista religioso e cultural.

Os outros três casos são mais interessantes para uma perspectiva europeia: China, Índia e Indonésia. Entre eles, o caso chinês é o mais distante do europeu: Estado muito autoritário e muito pouco federalizado, com uma relação muito desigual entre maioria étnica dominante e as minorias acantonadas em regiões específicas. Os outros dois Estados suscitam naturalmente uma maior atenção, sendo ambos democráticos e dotados de sistemas políticos em que o federalismo desempenha um certo papel.

Os processos históricos que deram origem a esses dois Estados têm um elemento em comum: a Indonésia foi essencialmente construída a partir dos territórios das Índias Orientais Holandesas; também a Índia resultou dos resquícios da Índia Britânica. Mas registam também algumas diferenças marcantes. A independência da Indonésia não foi acompanhada – apesar de várias tentativas – por cisões territoriais e o sistema político surgido após 1950 permanece marcado pela dominação de uma região, Java. No plano ideológico, provou ser impossível construir a nação com base numa espécie de “javanidade”ou num discurso do tipo “civilizacional”. No caso indiano, as tentações eram de outro tipo e desde 1947 que tem havido uma luta constante entre a visão de uma Índia multicultural e secular e uma noção de Índia reduzida a uma manifestação de “civilização hindu” (implicando a expulsão da sua população muçulmana).

O nascimento da modernidade na Europa foi ele próprio definido por expulsões: dos muçulmanos e judeus, proscritos da Península Ibérica, mas não só. Quando Cristóvão Colombo e Hernán Cortés chegaram às Américas e Vasco da Gama à Índia, assombravam-nos os pavores gerados por estas expulsões. No início do século XXI, a noção de EU não se constrói contra os judeus. Mas quando a acorrentam a um discurso “civilizacional”, cai – tal como o nacionalismo hindu – na ideia de uma Europa para e de cristãos contra os muçulmanos. Volto, pois, à minha pergunta: uma Europa, para quê?

Uma primeira razão emerge da realpolitik: para contrabalançar o poder esmagador dos EUA – um país que surge como um “tigre de papel” – e da China. Outra tem que ver com a noção de missão civilizadora: colonizar e, por meio da colonização, desenvolver – como os japoneses fizeram na Coreia e na Formosa, no final do século XIX – os países vizinhos (também eles cristãos) a sul e a leste. Mas há ainda uma terceira razão, muito do apreço de alguns intelectuais: defender a preciosa herança do Iluminismo contra os “lobos maus muçulmanos”. Apesar das aparências, este discurso situa-se nos antípodas do secularismo e serviu, por exemplo, para mobilizar contra a integração da Turquia na UE. A Europa pode ter futuro, mas tem de o basear no pragmatismo. A questão dos seus limites geográficos e das suas modalidades de funcionamento não é nem moral nem “civilizacional”. A Europa, tal como a Índia, faria melhor em evitar qualquer referência a uma construção política baseada na noção de “civilização”. »

Nota: O texto acima exposto foi transcrito da Courrier Internacional, do mês de Abril, número 194, página 98, e é da autoria de Sanjay Subrahmanyam, historiador e professor da Universidade da Califórnia.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Alternativas para enfrentar o terrorismo

Nota inicial: Texto escrito no seguimento do artigo sobre Limitações na luta contra o terrorismo:

Ao definir uma estratégia de segurança global é importantíssimo ter como ponto de partida que uma das formas de mudar a realidade é através do poder estrutural que consiste na autoridade para “determinar as regras do jogo e determinar a forma como os outros jogarão o jogo” (Holsti, 1995, p. 126 citado por Victor Marques dos Santos em Introdução à Teoria das Relações Internacionais).

Em primeiro lugar, a luta contra o terrorismo deve ser combatida pelo maior número de actores internacionais possível, entre os quais se destaca a sociedade civil, representada, por exemplo, por organizações não governamentais. Nesta união de esforços, faz também sentido que organismos policiais e serviços de inteligência trabalhem juntos, partilhando informações, e ainda “unir a globalização económica a uma política cosmopolita”, como defende Souaid (Júnior, 2011, p. 92), pois o terrorismo contemporâneo explora as falhas da civilização ocidental. No mesmo tom, Stanley Hoffmann critica os países que encaram os problemas da globalização com indiferença. Por agora, “Washington tem sido demasiado reticente a pôr recursos à disposição do desenvolvimento económico e continua a mostrar hostilidade em relação a organismos que supervisionam e regulam o mercado global” (Hoffmann, 2002).

Apesar de considerar útil, como estratégia de dissuasão, represálias directas contra qualquer país que apoie acções de terrorismo, Iturriaga Barco opina que é necessário “ir às frentes de apoio dos grupos terroristas e de fornecimento de armas de destruição maciça e proceder à eliminação do poder militar-tecnológico considerado como potencial inimigo” (Barco, p. 119).

Ainda no âmbito da cooperação, deve-se afinar os processos de extradição, já que muitas decisões tomadas nesse campo são questionáveis. “Devido à globalização e à necessidade de elaboração de jurisdições constitucionais multinacionais face à violência, a extradição de terroristas ganha um importante destaque, numa visão sistémica de pensar globalmente os direitos humanos e de agir localmente no âmbito da jurisprudência”, escreve Gustavo Pamplona Silva (Silva, p. 6827).

Na opinião de Hermes Moreira Júnior, este fenómeno só pode ser combatido “com base nas normas do Direito Internacional e, a partir de soluções multilaterais, por meio de uma acção conjunta, na moldura da democracia e dos direitos humanos” (Júnior, 2011, p. 87),  o que vai muito além de meras soluções militares e de segurança, que, como se viu, podem revelar-se  contraproducentes, alimentando um sentimento anti-ocidental e a defesa da ideia de que nem sempre os fins justificam os meios. Nesta matéria, é preciso não esquecer a “responsabilidade de proteger”, algo que deve ser tido em conta na hora de definir uma estratégia antiterrorista, sobretudo quando estão em cima da mesa intervenções militares noutros países.

Na demonstração de que o Ocidente é feito de democracias efectivas e justas, importa ainda pôr fim a situações que “proporcionem o surgimento de outras pessoas dispostas a morrer matando” (Júnior, 2011 p. 93). Por outras palavras, urge combater as causas do terrorismo, como a marginalização de pessoas pela sua etnia, religião ou situação social, e a desigual distribuição de recursos e da pobreza, entre outras.

Na mesma óptica, Luís Tomé defende, numa visão mais optimista, que “deslegitimando todas as suas formas”, o terrorismo perderá poder de reivindicação política e poder de decisão. “É esse o objectivo ultimo da comunidade internacional e é nessa direcção que aponta a estratégia global contra o terrorismo – reduzir o atractivo que o terrorismo possa ter. Alguns grupos, aliás, integrados no campo dos 'terrorismos tradicionais', começam entretanto a abandonar as actividades terroristas e a reconverter-se em movimentos/partidos políticos”, acrescenta (AAVV, 2007, p. 55).

Num sentido mais abrangente, Mihaly Simai avisa que, apesar de o conceito de segurança comum ter sido aceite, tem ainda de levar à “transformação necessária nos valores e nos processos das estruturas políticas nacionais e internacionais” (Simai, 1994, p. 348).

Ao olhar para o futuro, Mihaly Simai considera que os “países precisam de entender completamente as implicações positivas da sua interconectividade e interdependência e a necessidade de incorporar nas suas políticas normas éticas como previsibilidade, responsabilidade e solidariedade” (1994, p 348).

Por outras palavras, se o terrorismo se assume hoje global exige uma resposta à escala global que passe, por exemplo, pela prevenção, por acções verdadeiramente premeditadas e pelo respeito pelos direitos humanos dos prisioneiros suspeitos de terrorismo, encarando a globalização humanitária e a diminuição das desigualdades entre sociedades como prioridades. Só dessa forma – que poderá exigir que alguns países desçam do topo da hierarquia mundial onde se colocaram - será possível garantir a manutenção e a estabilidade de uma ordem que se quer verdadeiramente global e justa.


Referências bibliográficas:

AAVV (2007), Religiões e Política Mundial, Lisboa, Público e Universidade Autónoma de Lisboa.

BARCO, Diego Iturriaga (2010), “Entre o 11-S e o 11-M, o terrorismo fundamentalista nos princípios do século XXI: actas del II congresso internacional de história do nosso tempo", Loroño, Univerisdae de la Rioja, p. 97 a 112.

HOFFMANN, Stanley (2002), “Choque de globalizações”, Foreign Affairs em Espanhol, Outono-Interno de 2002.

JÚNIOR, Hermes Moreira (2011), “A Compreensão e o Combate ao Terrorismo Internacional Contemporâneo: Um Estudo das Propostas do Club de Madrid”, in Revista de Geopolítica, Ponta Grossa - PR, v. 2, n¼ 1, p. 77 – 98, jan./jun. 2011.

SIMAI, Mihaly (1994), "O futuro da governação global: gestão de risco e mudança no sistema internacional", Washington, United States Institute of Peace.

domingo, 8 de abril de 2012

Limitações na luta contra o terrorismo

A história ensina-nos que a luta contra o terrorismo é longa e difícil mesmo quando os terroristas operam a nível nacional e estão, por isso, mais vulneráveis à acção das autoridades.

Um erro da luta antiterrorista prende-se com respostas aparentemente pouco premeditadas que levam países paradigmáticos da liberdade e da justiça a retrocederem. A crescente procura de segurança nas sociedades ocidentais, onde as populações 'cegam' perante uma 'nuvem' de medo, parece permitir que os governantes “adoptem práticas arbitrárias em prol da promoção da segurança” (Rodriguez, 2009, p. 95). Ignacio Ramonet exemplifica que alguns norte-americanos chegaram a “propor que certos acusados fossem extraditados para países amigos, de regime ditatorial”, para que a polícia local os pudesse interrogar com métodos “violentos, expeditos e eficazes” (Ramonet, 2002, p. 56). Isso não aconteceu, mas o presidente norte-americano revogou uma decisão de 1974 que proibia a CIA de assassinar dirigentes estrangeiros para que a polícia norte-americana pudesse matar os chefes da Al-Qaeda, esquecendo as normas internacionais relativas ao Direito Humanitário Internacional, alerta o mesmo autor (Ramonet, 2002, p. 57), segundo o qual, nesta guerra contra o terrorismo, outros países, como o Reino Unido, a Alemanha ou a França, também reforçaram as suas legislações repressivas.

Mais grave do que a “detenção em condições desumanas de centenas de prisioneiros de guerra (Ribeiro, 2005) e o facto de as autoridades norte-americanas pedirem 'a cabeça' de terroristas, é a falta de questionamento por parte da comunidade internacional perante situações como esta. Ainda recentemente, a morte do líder da Al-Qaeda, a 1 de Maio de 2011, levada a cabo por tropas norte-americanas, foi recebida com elogios, quando o que se pedia era um julgamento. Note-se que as vozes que se levantaram em defesa de uma acção judicial contra os EUA por este assassinato tiveram uma expressão nula.

Noam Chomsky ironiza que “ninguém tem o direito de se defender de um ataque terrorista norte-americano”, porque os EUA são “um Estado terrorista por direito” (Chomsky, 2003, p. 187).

A facilitar este caminho está o facto de o terrorismo ainda não se encontrar incluído no estatuto do Tribunal Penal Internacional (TPI), nem autonomamente, nem integrando a noção de crimes contra a humanidade. Tal evitaria a “impunidade ao terror” (Ruiz, 2005, p. 156). A própria “reacção violenta da única superpotência dos nossos dias” face ao TPI reflecte “a necessidade por vezes desesperada de manutenção de status quo de um modelo que pretende conservar os estados como os actores dominantes das relações internacionais” (Escarameia, 2003, p. 239).

Tribunal Penal Internacional, em Haia. Créditos: http://in2eastafrica.net
Jean-Louis Bruguière alerta ainda para as diferenças entre as legislações dos países que se unem na luta antiterrorista e para a falta de partilha de informações operacionais dos Estados, apesar de os grandes países ocidentais terem “bons serviços de informações” (Bruguière, 2002, p. 42). “A vontade de cooperar com outros Estados resulta complicada já que nenhum país está disposto a ceder informação que possa ser útil para a salvaguarda dos seus interesses nacionais”, reforça Julia Pulido Gragera (Gragera, 2005, p. 288).

Cindy C. Combs entende que a lei internacional, como ferramenta para combater o terrorismo, parece um pouco dúbia (Combs, 2003). Enquanto a justiça penal internacional continua a ser um “recurso último” e “irregular”, os poderes da ONU permanecem “limitados e frequentemente de alcance meramente técnico” (Hoffmann, 2002).

Ainda assim, talvez o facto de alguns Estados estarem mais preocupados em manter a sua soberania do que em submetê-la a mandatos internacionais para um bem comum continue a ser o maior desafio a uma cooperação efectiva no campo da segurança.

Para Stanley Hoffmann, Washington não compreendeu que é perigoso cair no unilateralismo, pensando que o poder é suficiente. As obrigações internacionais oferecem melhores oportunidades de liderança do que as atitudes de desprezo em relação aos pontos de vista dos outros, acrescenta (Hoffmann, 2002).

Com efeito, se houve um sentimento de solidariedade por parte de toda a comunidade internacional logo após o 11/9, num segundo momento, notou-se que alguns países passaram a apresentar certas ressalvas, algo que não incomodou a postura dos norte-americanos na sua luta antiterrorista. A cooperação existente mostrou assim a sua fragilidade.

Efectivamente, os EUA, virando as costas a uma solução da comunidade internacional ou legal, apostaram na sua “política militar unilateral”, com o objectivo último de manter a sua “hegemonia mundial” (Ferreira, Mocito e Mendes, 2000, p. 102). Importa ainda dizer que a intervenção no Afeganistão serviu também os interesses geopolíticos norte-americanos e da indústria militar do país.

As “falhas na construção de um mecanismo transnacional para suprimir o terrorismo internacional podem resultar em respostas unilaterais dos estados vitimas” que acabam por usar métodos iguais aos que denunciam por faltar efectivas de medidas de sanção (Higgins e Flory, 1997, p. 33). Os antiterroristas podem, assim, tornar-se “hipócritas em relação” à sua causa (tal como os islamistas) e arriscarem-se “a apagar a distinção entre guerreiros e não combatentes” (Ken e Dunne, 2002, p. 13).

Além das medidas antiterroristas que têm sido tomadas, note-se que a luta contra o terrorismo é per si potencialmente desastrosa para o desenvolvimento económico e para a globalização porque limita a mobilidade e os fluxos financeiros. Stanley Hoffmann escreve que medidas enquadradas no antiterrorismo podem “abrir caminho a uma reacção antiglobalização só comparável à multiplicação de nacionalismos na década de 1930” (Hoffmann, 2002).

Quando o interesse político dita o interesse nacional

Numa confusão entre interesse nacional e interesse político, o antiterrorismo por vezes serve também o propósito de desviar as atenções de outros temas, já que em questões que aparecem na opinião pública como de interesse nacional e de defesa, quem mostrar divergências políticas tem de apresentar um bom motivo.

Por vezes, em acções movidas pela sede de vingança da população, pela procura de desviar as atenções ou por agir sem premeditar, acaba por ser a população vítima de novos ataques terroristas.

Ao falar de política, é ainda de ter em atenção que os políticos pensam em resolver os problemas num curto prazo. Deste modo, por exemplo, enquanto uma vitória numa guerra ajuda a conseguir um bom resultado nas eleições, a manutenção de tropas num país onde se presume existirem terroristas para além do tempo estipulado inicialmente e com muitas vidas perdidas, desgasta a confiança da sociedade no governo.

A agravar a situação política e de segurança nesta luta contra o terrorismo, e sobretudo depois do 11/9, cada vez mais os políticos alimentaram o sentimento anti-ocidental ao tomarem medidas discriminatórias em relação a estrangeiros. Um relatório da Open Society Institute, apresentado em Dezembro de 2009, deu conta que a discriminação contra muçulmanos está a aumentar na Europa, uma situação que só potencia novos ataques terroristas de origem islamista.

Em suma, a luta contra o terrorismo tem sido condicionada por “impulsos da necessidade do momento”, por isso, pode ser caracterizada de “reactiva” e não de estratégica (Díaz, 2007, p. 8).

Referências bibliográficas:

BOOTH, Ken e DUNNE, Tim (2002), Mundos em colisão: terror e o futuro da ordem global, Nova Iorque, Palgrave Macmillan.

BRUGUIÉRE, Jean-Louis (2002), “O desafio da ameaça islamita no limiar do século XXI: riscos e processo de reacção”,  CEJ, Brasília, n. 18, p. 38-42.

CHOMSKY, Noam (2003), Piratas e imperadores velhos e novos: terrorismo internacional no mundo real, Lisboa, Europa-América.

COMBS, Cindy C. (2003), “Terrorismo no século XXI", Upper Saddle River, NJ:, Prentice-Hall.

DÍAZ, José Enrique (2007), “Cooperação e colaboração internacional na luta contra o terrorismo”,  Real Instituto Elcano, ARI Nº 29/2007, 5/03/2007.

ESCARAMEIA, Paula (2003), O direito internacional público nos princípios do século XXI, Coimbra, Almedina.

HIGGINS, Rosalyn e FLORY Maurice (1997), Terrorismo e lei internacional, Londres, Routledge.

FERREIRA, Álvaro, MOCITO, Filipe e MENDES, Nuno (2000), "A legitimidade dos Estados Unidos da América nas relações internacionais", Alpiarça, Garrido-Artes Gráficas.

GRAGERA, Julia Pulido (2005), “A cooperação internacional entre serviços”, in  http://arbor.revistas.csic.es/index.php/arbor

HIGGINS, Rosalyn e FLORY Maurice (1997), Terrorismo e lei internacional, Londres, Routledge.

HOFFMANN, Stanley (2002), “Choque de globalizações”, Foreign Affairs em Espanhol, Outono-Interno de 2002.

RAMONET, Ignacio (2002), Guerras do século XXI: novos medos, novas ameaças, Porto, Campo das Letras.

RIBEIRO, Manuel de Almeida (2005), “O Direito da Nova Ordem Internacional”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Joaquim Moreira da Silva Cunha, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra Editora.

RODRIGUEZ, Júlio César Cossio (2009), “Cooperação de segurança transatlântica: as relações entre os EUA e a UE após o 11 de Setembro de 2001”, Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

RUIZ, Fernanda (2005), “O julgamento de actos de terrorismo pelo Tribunal Penal Internacional”, in Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos, Bauru, nº. 44, p. 139-156.

Nota: Texto escrito em Junho de 2011.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

"Israel Loves Iran"

Recentemente foi iniciada uma campanha que passou um tanto despercebida nos meios de comunicação, contrariamente à tão mediática “Kony 2012”. Lamentavelmente não teve a devida exposição relativamente à dimensão do problema.

A tensão existente entre Israel e Irão é perceptível. O Irão insiste em (re) afirmar que o seu programa nuclear tem fins pacíficos, e que tudo aquilo de que é acusado é mera especulação. Em contrapartida, o Ocidente crê que Teerão caminha a largos passos para a construção de uma bomba nuclear. Tal acontecimento colocaria em causa o equilíbrio de poder na região, daí o desconforto com a potência regional, Israel.

Importa reter que o programa nuclear iraniano foi lançado na década de 50 do século XX, com auxílio norte-americano, aquando do governo do Shah Pahlavi.

Desde o relançamento do programa nuclear por Teerão, no decorrer da década de 90, temos assistido a sucessivas estratégias com fim de travar os intentos iranianos. Desde pressões a nível diplomático e económico.

O mundo parece escandalizar-se perante um Irão nuclear, e não com Israel. Impera salientar vários aspectos. O Irão membro do Tratado de Não-Proliferação (TPN), pode desenvolver um programa nuclear legalmente. Tendo assinado o TPN, é alvo de inspecções por parte da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA). Recorde-se que no relatório da AIEA de 2011, podíamos ler «o Irão tem realizado actividades relevantes para o desenvolvimento de um dispositivo nuclear» (Prashad.2012:48). Tal é algo que não ultrapassa aquilo que é estipulado no TPN. Relativamente ao Estado israelita, este já detém cerca de 200 ogivas nucleares, recusa-se a assinar o TPN, evitando assim os inspectores da AIEA.

Curiosamente o Ocidente parece temer um Irão nuclear e não um Paquistão nuclear, um território instável e fornecedor de terroristas.

Uma “guerra de baixo nível”, como li num artigo na Courrier Internacional, parece estar instalada. O Irão nos últimos tempos tem sido confrontado com sabotagem cibernética, violação do seu espaço aéreo, assassínio de cientistas nucleares e ainda explosões de instalações militares. Suspeita-se que por detrás destes ataques esteja Israel.

A crise está instalada! E parece que teima em não disseminar.

Face às sucessivas ameaças israelitas de um ataque preventivo contra as instalações nucleares iranianas, dois israelitas, Ronny Edry e Michal Tamir, designers gráficos, decidiram através das redes sociais lançar a campanha “Israel loves Iran”. Logo alastrou-se além fronteiras e no Irão surgia “Iran loves Israel”.

Este movimento pacífico evidencia o desejo quer de israelitas quer de iranianos para uma solução que não passe pelo confronto. Após o lançamento da campanha, vários protestos decorreram nas ruas de Telavive, contra as diversas ameaças bélicas de Benjamin Netanyahu.

Ainda assim segundo uma sondagem realizada pelo Centro de Jerusalém para os Assuntos Públicos, revela que 65% dos inquiridos estão de acordo com um eventual ataque a Teerão. Acreditam que as consequências de um ataque preventivo serão menores do que viver com um Irão nuclear. Uma outra pesquisa realizada pelo jornal Há´aretz revela que não existe consenso no seio da população israelita. Nesse mesmo estudo cerca de 58% dos entrevistados é contra qualquer ataque.

Um tanto curioso o contra-senso destes dados. Penso que nem israelitas nem iranianos, pretendem um conflito entre as duas potências regionais. As consequências seriam devastadoras na região e apenas contribuiriam para atrasar o programa nuclear. No panorama internacional teriam certamente graves repercussões.

É essencial que a postura a adoptar para com o Irão não incorra nos mesmos parâmetros que levaram aos erros cometidos noutros palcos, como no Afeganistão ou no Iraque.

Referências Bibliográficas:

CONESA, Pierre; COVILLE, Thierry (2012) “Até onde pode levar a lógica beligerante anti-Irão?”, Courrier Internacional, nº. 193, p. 51;

NADER, Ralph (2012) “Uma repetição do Iraque?”, Courrier Internacional, nº. 193, p. 49-50;

PRASHAD, Vijay (2012) “Ansiosos por nova invasão”, Courrier Interncional, nº. 193, p. 46-48;

Cooperação na luta contra o terrorismo

A cooperação internacional nasce pouco associada à ideia de solidariedade, mas sobretudo decorrente de um medo comum e de uma tomada de consciência de que há lutas que só podem ser travadas em grupo. Eliti Sato exemplifica que diante da “recente crise financeira internacional, a primeira reacção dos governantes foi a de procurar o entendimento no plano internacional”, para depois concluir que “a cooperação como prática nas relações internacionais não é produto da disseminação de sentimentos altruístas, muito embora esse tipo de sentimento possa existir” (Sato, 2010, p. 50).

Apesar de algumas vezes a cooperação funcionar e estender-se a outras áreas, uma relação de cooperação constrói-se frequentemente para resolver um problema específico (Santos, 2009, p. 145).  Victor Marques dos Santos chama ainda a atenção para o facto de a interdependência constituir “necessariamente, uma restrição à autonomia e a independência dos Estados” (Santos, 2009, p. 90).

Para enfrentar algum problema – mesmo fora do quadro da jurisprudência – facilita que o seu âmbito seja delimitado ao máximo. Contudo, só recentemente é que o terrorismo foi definido pela assembleia-geral da ONU como “actos criminosos com o objectivo de ou calculados para provocar um estado de terror no público geral, um grupo de pessoas ou determinados indivíduos por razões políticas quaisquer que sejam as considerações de cunho político, filosófico, ideológico, racional, étnico, religioso ou outro que possam ser invocados para justificá-los” (Ruiz, 2005, p. 152). Ainda assim, as dúvidas sobre o alcance do conceito persistem, com teóricos a falarem em terrorismo económico ou ambiental, por exemplo.

Quando se fala em condenação de terroristas, importa lembrar que são “entidades marginais sem base territorial” (Ribeiro, 2005). Torna-se, desta forma, difícil julgá-los sob a lei específica de um país pela transnacionalidade das organizações.

Além do mais, mesmo que fosse fácil reunir com uma organização terrorista, quando se fala de cooperação, os terroristas não costumam ter espaço (ainda que não raras vezes as autoridades espanholas tenham oferecido diálogo à ETA se a organização separatista anuísse em baixar as armas). É, aliás, moralmente condenável perante a opinião pública tentar qualquer espécie de conversações perante atentados como os de 11/9. “A opinião pública comove-se com as brutalidades ocasionadas” (e toma o partido das vitimas) e, neste contexto, os governos dos estados soberanos “dificilmente podem justificar a negociação com os grupos terroristas” (Wilensky e Januário, 2003, p. 159).

Contudo, perante a sensação de medo que o terrorismo espalha por todo o planeta, os políticos vêem-se impelidos a fazer algo, sobretudo algo que responda à sede de vingança da população, sirva para unir os cidadãos e ainda legitimar a autoridade do governo perante uma crise. Após o 11/9, essa necessidade foi realizada pela via militar, atacando os talibãs que acolheram a Al-Qaeda no Afeganistão, perante a dificuldade de encontrar o rosto e/ou o terreno do inimigo. “Um Estado não pode manter-se indiferente, quando se tenham realizado actos terroristas que atentem contra a sua soberania, nomeadamente quando os mesmos tenham sido preparados noutro(s) Estado(s), tendo sido este(s) último(s) claramente negligente(s) na sua actividade preventiva” (Wilebsky e Januário, 2003, p. 43).

A 28 de Setembro, poucos dias antes do início da intervenção no Afeganistão, a ONU aprovou a resolução 1373/2001, que obriga os actuais 190 membros da organização, entre os quais o Afeganistão. Esta resolução veio reafirmar o princípio, consagrado na resolução 2625, de 1970, de que “todos os Estados têm o dever de se abster de organizar, instigar, auxiliar ou participar em actos terroristas noutros Estados ou de aquiescer em actividades organizadas dentro do seu território que visem a prática de tais actos”. Esta resolução cita a 1368/2001, que inovou por a ONU autorizar a legítima defesa para responder a um ataque terrorista, o que constituiu um marco inédito no Ordenamento Jurídico Internacional (Lucena, 2003). Manuel de Almeida Ribeiro frisa que o 11 de Setembro trouxe uma “alteração no sentido do alargamento do conceito de legitima defesa preventiva”, para além de implicar mudanças nas “políticas externas de grande parte dos Estados” (Ribeiro, 2005).

Recorde-se que na luta contra o terrorismo, lançada logo após o 11/9, os EUA assumiram uma atitude implacável e fizeram um ultimato aos restantes países: “Ou estão connosco ou com os terroristas”, disse o presidente de então. “A partir deste dia, cada nação que continuar a apoiar ou a proteger o terrorismo será vista pelos Estados Unidos como um regime hostil, acrescentou George W. Bush (Adventistas, 2001).  Desde logo, os Estados foram obrigados a assumir uma atitude mais activa na luta contra o terrorismo dentro das suas fronteiras, até mesmo pela necessidade de manterem relações amigáveis com Washington.

Outra medida anunciada pelo presidente americano neste discurso, no Congresso, foi a criação de um órgão de segurança interna. Bush disse que os esforços antiterrorismo de diversas agências governamentais deviam passar a ser conduzidos ao mais alto nível e nomeou o governador da Pensilvânia, Tom Ridge, para o cargo.

Paralelamente, a União Europeia, por exemplo, reforçou a integração na sua política de segurança, em especial na área da prevenção. Em 2003, Javier Solana, então Alto Representante para a Política Exterior e Segurança Comum da UE, defendia que a luta contra o terrorismo requer “uma mistura de meios de inteligência, políticos, militares e outros” (Solana, 2003, p. 12). Maria do Céu Pinto lembra que a UE pôs em prática um programa de contra-terrorismo, adoptando “imediatamente actividades militares, financeiras, legais, policiais, de informação e de investigação, juntamente com uma campanha de prevenção para erradicar as causas do terrorismo”, apostando sobretudo em tentar uma solução pacífica para o conflito israelo-palestiniano. Ao contrário desta estratégia abrangente, frisou, a política da administração Bush centrou-se, “em primeiro lugar, nos sintomas e manifestações do terrorismo” (Encontro Eurodefende de Jovens Europeus, 2004, p. 30).

Importa ainda referir que a NATO tem sido palco de desacordos quanto à importância que a luta contra o terrorismo deve ocupar na sua agenda.

Já na assembleia-geral da ONU de 30 de Agosto de 2002, foi exposto que o terrorismo só pode ser combatido com um esforço global de toda a comunidade internacional, “sob os auspícios das Nações Unidas” (Nogueira, 2004, p. 243).

Contudo, esta cooperação está longe de acontecer, numa altura em que o próprio temor do terrorismo decresceu junto das sociedades, deixando consequentemente de ser uma das prioridades dos governantes.

Referências bibliográficas:
  • ADVENTISTAS (2001), “Bush aponta três inimigos: Bin Laden, Talibã e quem ficar contra os EUA”, in http://www.adventistas.com/setembro2001/not200901.htm
  • ENCONTRO EURODEFENDE DE JOVENS EUROPEUS (2004), Segurança e defesa europeia: um desafio do presente, Lisboa, Eurodefense.
  • LUCENA, Gustavo Carvalho Lima de (2003). “A recepção da chamada "guerra ao terror" pelo ordenamento jurídico internacional”. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 168, in http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4676 (Consultado em Maio de 2011).
  • NOGUEIRA, Patrícia (2004), “O terrorismo transnacional e as suas implicações no cenário internacional, Universitas - Relações Int., Brasília, v. 2, n.2, p. 221-244, jul./dez. 2004
  • RIBEIRO, Manuel de Almeida (2005), “O Direito da Nova Ordem Internacional”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Joaquim Moreira da Silva Cunha, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra Editora.
  • RUIZ, Fernanda (2005), “O julgamento de actos de terrorismo pelo Tribunal Penal Internacional”, Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos, Bauru, nº. 44, p. 139-156.
  • SANTOS, Victor Marques dos (2009), Teoria das Relações Internacionais - Cooperação e Conflito na Sociedade Internacional, Lisboa, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.
  • SATO, Eliti (2010), “Cooperação internacional: uma componente essencial das relações internacionais”, R. Eletc. De Com. Inf. Inov. Saúde, Rio de Janeiro, v.4, n.1, p.46-57, mar., 2010 [www.reciis.cict.fiocruz.br]
  • WILENSKY, Alfredo Héctor e JANUÁRIO, Rui (2003), Direito internacional público contemporâneo: responsabilidade internacional do Estado; terrorismo internacional; direito internacional do ambiente; processo de integração Europeia e os Parlamentos Nacionais, Lisboa, Áreas Editora.