sábado, 11 de fevereiro de 2012

Diferenças entre Diplomacia e Serviços de Informações Estratégicas

     Já na década de 60 do século passado, ainda muito antes de se falar em globalização, Robert Rossow advertia que quando pessoas de diferentes origens culturais entram em “contacto frequente e significativo, a possibilidade de incompreensão e de conflito é óbvia” (Rossow, 1962, p. 563). É precisamente para contornar essa realidade que a Diplomacia é essencial, sobretudo numa época em que cada vez mais as fronteiras se esbatem e povos longínquos, com diferentes culturas e formas de pensar, se aproximam. A palavra é o maior instrumento do diplomata e ninguém, no âmbito da Política Externa, a saberá - pelo menos idealmente - usar melhor do que ele.
    Como a História vem provando, os Serviços de Informações Estratégicas têm ditado o posicionamento entre o sucesso e o fracasso, entre a segurança e a insegurança, entre a estabilidade e a incerteza.
    Antes de fazer qualquer comparação, é preciso ter em conta a natureza de cada actividade, em concreto o facto de as embaixadas representarem o Governo e auxiliarem os cidadãos. Por exemplo, para analisarem uma situação e saberem dar respostas, os diplomatas devem ter conhecimento de todas as políticas tomadas nos países que representam, o que exige muito tempo e apoio, como salienta Harry R. Rudin (Rudin, 1956, p. 162).
    Por outro lado, a Intelligence vive apenas das informações e destaca-se por ter meios únicos para as conseguir, não só tecnológicos, mas também humanos, como fontes cobertas, que podem ser locais, ou seja, pessoas que fazem parte do grupo onde está o problema. Christopher Andrew destaca que “a maior conquista da nova tecnologia em Intelligence foi tornar possível o controle da corrida ao armamento”, algo em que a “diplomacia falhou” (Andrew, 1977, p. 392). A Intelligence é sempre importante para a tomada de decisões, mas o seu aspecto mais importante é ajudar um país a “evitar ser surpreendido”, ressalva Derek Croxton, frisando que uma falha desse nível “quase sempre resulta em derrota” (Croxton, 2000, p. 986).
    Desde logo, tanto a Diplomacia como os Serviços de Informações estão preocupados com o Interesse Nacional,  uma definição onde cabem imensos objectivos, uns mais facilmente alcançáveis através da actividade diplomática e outros só conseguidos com informações obtidas por agentes encobertos. Há informações que só podem ser obtidas pelos diplomatas, como em cerimónias oficiais, encontros culturais, científicos, militares, entre outros, reuniões sociais, no contacto com personalidades destacadas e organismos do Estado, na relação com outras embaixadas e consulados locais e ainda em “viagens de informação, planeadas de modo a cobrir todas as áreas críticas, nos países em que tal for permitido” (Cardoso, 2004, p. 240).
    Perante situações de crise, as diplomacias também realizam análises imediatas e prospectivas, tal como os Serviços de Informações, ainda que acabem por ser mais subjectivas e abordem sobretudo a política e a opinião pública.
    Importa ainda referir que há muitas actividades que auxiliam a diplomacia e o fornecimento de informações no estrangeiro, como jornalistas, empresários ou associações de cidadãos.
    Pedro Cardoso aponta que a complementariedade entre Diplomacia e Serviços de Informações Estratégicos é incontornável sobretudo quando os dados obtidos pelo “trabalho diplomático normal” precisam de ser confirmados através de uma “pesquisa encoberta” (Cardoso, 2004, p. 209), até porque a Intelligence trabalha com métodos que visam tornar a informação obtida o mais fiel à realidade possível, evitando qualquer ponta de subjectividade, algo que é permitido aos diplomatas. A este propósito, Roger Hilsman alerta que se os funcionários de Intelligence “sintonizarem as suas mentes em questões políticas, eles não podem ser objectivos” (Hilsman, 1952, p. 8).
    Pedro Borges Graça salienta que desde os ataques de 11 de Setembro, “os Serviços de Informações têm vindo, gradualmente, a ganhar proeminência em relação” à diplomacia, dando o exemplo do Reino Unido que agora gasta bastante mais em Intelligence do que em actividades diplomáticas (Graça, 2011, p. 23).  Isto pode criar algum distanciamento entre os dois serviços, com os diplomatas a frisarem que fazem tudo às claras e a acusarem os agentes de Intelligence de usarem métodos menos ortodoxos e os funcionários dos Serviços de Informações a dizerem que as suas análises são mais fiáveis.
    Pedro Cardoso chama a atenção precisamente para o perigo do crescimento do  distanciamento entre os dois serviços, o que leva, por vezes, os analistas de Intelligence a desprezar as análises elaboradas por diplomatas (Cardoso, 2004, p. 210).
    Outro motivo de distanciamento tem a ver com a intercepção de mensagens diplomáticas, algo estritamente proibido em várias convenções internacionais, mas realizado em Intelligence, como por exemplo pela norte-americana Agência de Segurança Nacional (NSA) (Andrew, 1977, p. 401).
    Apesar dos distanciamentos, é evidente que as duas actividades devem andar de mãos dadas, quando o que se quer são vantagens competitivas do Estado nas Relações Internacionais.

Referências bibliográficas:


ANDREW, Christopher (1977), “Whitehall, Washington and the Intelligence Services”, International Affairs (Royal Institute of International Affairs 1944-), Vol. 53, No. 3 (Jul., 1977), pp. 390-404.
CARDOSO, Pedro (2004), As informações em Portugal, Lisboa, Gradiva.
CROXTON, Derek (2000), "The Prosperity of Arms Is Never Continual": Military Intelligence, Surprise, and Diplomacy in 1640s Germany”, in The Journal of Military History, Vol. 64, No. 4 (Oct., 2000), pp. 981-1003.
GRAÇA, Pedro Borges (Coord.) (2011), Estudos de Intelligence, Lisboa, ISCSP.
HILSMAN, Roger (1952), “Intelligence and Policy-Making in Foreign Affairs”, in World Politics, Vol. 5, No. 1 (Oct., 1952), pp. 1-45.
ROSSOW, Robert (1962), “The Professionalization of the New Diplomacy”, in World Politics, Vol. 14, No. 4 (Jul., 1962), p. 561-575.
RUDIN, Harry R. (1956), “Diplomacy, Democracy, Security: Two Centuries in Contrast”, in Political Science Quarterly, Vol. 71, No. 2 (Jun., 1956), pp. 161-181.

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