segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Mente aberta, o segredo da Intelligence

    O simples facto de esta recensão começar com um título e tentar seguir o estabelecido na academia torna-a aceitável entre os pares, mas não inovadora. É esta a ideia que Richards Heuer pretende passar no capítulo “Open your mind”, do livro “Psychology of Intelligenc Analisys”, que começa da seguinte forma: “Mentes são como pára-quedas: só funcionam quando estão abertas” (Heuer, 1999, p. 65). O livro – que reúne artigos escritos entre 1978 e 1986, embora com  aplicabilidade em diferentes épocas e actividades - oferece técnicas para desconstruir processos no sentido de 'fintar' e de tentar prever os passos do outro, numa altura em que a Intelligence ganha espaço na cena internacional (em detrimento da diplomacia, mais política e menos objectiva), devido em boa parte a novas ameaças, como o terrorismo. Com efeito, depois da Guerra Fria, altura em que os métodos de comando e controlo eram “previsíveis” (Lange, p. 126), “as ameaças que agora pairam sobre os Estados são mais dissimuladas e, consequentemente, mais imprevisíveis” e os desafios à Intelligence “crescem exponencialmente em variedade, volume e velocidade” (Lange, p. 127).
   Em tom desafiante mas de braço dado com o leitor, este veterano da CIA – várias vezes galardoado pela inovação metodológica que trouxe à Intelligence – alerta para processos mentais inconscientes e muitas vezes colectivos, conferindo-lhes tanta ou mais importância do que às informações per si. Apesar de o passado ser imprescindível para olhar o futuro, tal deve ser feito através de técnicas que promovam o distanciamento e a objectividade, colocando-se o ser humano na posição de 'tábua rasa' e o analista dentro de si no papel de um cientista mais empenhado em fazer combinações novas do que em provar que as conhecidas se aplicam a outros casos. Para defender a importância da temática vale a pena recordar Robert C. North, que adverte que a percepção inicial de uma ameaça “pode não ser precisa ou justificada”. “Muitos conflitos emergem a partir do que as partes pensam que está a acontecer – das suas ansiedades, preconceitos, medos e incertezas – e não de qualquer fenómeno que seja, de facto ameaçador”, acrescenta (citado em Santos, 2009, p. 176). Na verdade, o medo leva muitas vezes a pensar o pior quando o desconhecimento é grande. Exemplo disso foi o que se passou quando Portugal, numa altura em os Serviços de Informações lusos ainda era muito limitados, comprou mísseis aéreos para enfrentar a Guiné, sendo que “o adversário não tinha meios aéreos nem condições de os vir a ter”, recorda Pedro Serradas Duarte (Graça, 2011, p. 50).
    Em todo o capítulo “Open your mind” está latente a ideia de que o analista deve sair da zona de conforto e das respostas comuns para fazer a diferença, ainda que o autor reconheça que é preciso coragem para tal. Importa recordar Galileu Galilei, um entre tantos que mudaram o mundo com as suas ideias e que acabaram condenados por isso. Questionar os nossos pressupostos, arranjando alternativas e assumindo o lugar do outro, dar mais importância a pequenas surpresas do que a ideias feitas, multiplicar interpretações do mesmo facto e conjugá-las de diferente forma, separar ideias soltas da apreciação das mesmas contornando a auto-censura, discutir o assunto com pessoas fora da análise são apenas algumas das técnicas sugeridas pelo autor, que insiste na necessidade de usar a criatividade e a imaginação para alcançar a inovação. Destaque para a eficácia da técnica de vestir a pele do outro, mas também para o perigo da mesma, sobretudo quando o estudo da realidade do outro e a capacidade de ter a mente aberta não são as melhores. Ter uma real noção do comportamento do outro e, simultaneamente, despir a roupagem que nos foi definindo é essencial para, por exemplo, entender que as autoridades de um Estado ao tomarem uma certa atitude na cena internacional podem não procurar o expansionismo ou alargar o seu poder funcional, mas simplesmente obter ganhos eleitorais ou desviar as atenções. Isso aconteceu em algumas vezes que Hugo Chávez assumiu o papel de mediador na questão das FARC na Colômbia. Para exemplificar a importância de alargar o espectro de técnicas e ideias em Intelligence basta diferenciar uma pessoa que nunca saiu do seu país e que encara comportamentos culturais como naturais de outra que viajou pelo mundo e que consegue não só perceber o que lhe foi inculcado pela sociedade, como também analisar objectivamente as diferenças. Contudo, nas técnicas que sugere, Richards Heuer aponta o ambiente organizacional como a chave principal. Citando dados empíricos, o autor defende que a criatividade inata é pouco relevante se o ambiente for avesso à mudança, ainda que esteja ciente de que por vezes novas técnicas, como o “advogado do diabo”, são evitadas nas organizações, porque podem trazer à luz problemas internos, como brechas na defesa, e até derrubar a estrutura organizacional vigente. Csikszentmihalyi (citado em Alencar e Martínez, 1998) alerta que “estudar a criatividade focalizando apenas o indivíduo é como tentar compreender como uma macieira produz frutos, olhando apenas a árvore e ignorando o sol e o solo que possibilitam a vida”.
    Faltou ao autor, talvez, dar maior relevo à ansiedade - ou melhor, a técnicas para contornar essa ansiedade - gerada pela necessidade de conseguir respostas e de envolver-se numa certa competitividade, que pode levar os analistas a seguir por atalhos conhecidos em vez de arriscar um caminho novo. Imagine-se um grupo de analistas debruçados sobre um mesmo assunto: tender-se-á, devido à natureza humana e, em boa parte, a práticas enraizadas em Serviços de Informações pouco apostados no incentivo à mudança, a assistir-se a um atropelar de ideias já usadas (das mais para as menos conhecidas) à medida que o silêncio vai ensurdecendo. Muitas vezes é nesse silêncio, que devia ser preenchido com outras actividades para estimular a criatividade sob pena de a pressão toldar a visão, que se joga o sucesso de uma resposta na cena internacional. É essencial, como Richards Heuer defende, um ambiente que recompense o pensamento crítico. O autor sugere mesmo que os Serviços de Informações invistam em novas ferramentas para avaliar as informações.

Referências bibliográficas:

- ALENCAR, E. M. L. S. e MARTÍNEZ, A. M. (1998), “Barreiras à expressão da criatividade entre profissionais brasileiros, cubanos e portugueses”, in www.scielo.br/pdf/pee/v2n1/v2n1a03.pdf
- GRAÇA, Pedro Borges (Coord.) (2011), Estudos de Intelligence, Lisboa, ISCSP.
- HEUER, Richards (1999), Psichology of Intelligence Analysis, Center of the Study of Intelligence.
- LANGE, Wellington da Costa (2007), “A actividade de Inteligência e a sua actuação no âmbito das Relações Internacionais”, in http://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/index.php/relacoesinternacionais/article/view/314/508
- SANTOS, Victor Marques dos (2009), Teoria das Relações Internacionais - Cooperação e Conflito na Sociedade Internacional, Lisboa, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.

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