quarta-feira, 27 de junho de 2012

Morsi, Presidente

Com 51,7% dos votos, Mohammed Morsi é o novo Presidente do Egipto. No seu primeiro discurso perante a nação prometeu ser o "líder de todos os egípcios".
O cenário não é promissor. O Conselho Supremo das Forças Armadas continua a governar o país e dá mostras de não abandonar o poder tão cedo. O Parlamento egípcio foi dissolvido ainda este mês pelo Tribunal Constitucional do Egipto, uma vez que este considera que cerca de um terço da assembleia fora eleita ilegalmente. E a Constituição ainda não foi redigida. 
Mohammed Morsi encontra um país totalmente dividido e perdido da revolução que depôs Mubarak em Fevereiro de 2011. 
Morsi não terá trabalho fácil, mais ainda se quiser que a Irmandade Muçulmana mantenha posição relevante no parlamento egípcio nas próximas legislativas.


quarta-feira, 20 de junho de 2012

"O Egito e as eleições com dois vencedores"


Ainda sobre as eleições presidenciais no Egipto aconselho a leitura do texto "o Egipto e as eleições com dois vencedores" que podem encontrar aqui
A autora debruça-se sobre os recentes acontecimentos que assolaram aquela região e o impasse em que se encontra. 
Para uma grande maioria egípcia a revolução perdeu o seu rumo, ora vejamos os sucessivos protestos desde a queda de Hosni Mubarak em Fevereiro de 2011. No Cairo, um correspondente da euronews evidencia o mesmo, "“os resultados das eleições estão próximas, pouco importa quem ganha, elas confirmam que o povo egípcio está dividido, um ano e meio após a revolução, mas a praça Tahrir, mantém-se o lugar por excelência dos protestos que vão perdendo vigor”.  
Qualquer que seja o resultado destas eleições certamente não cessaram os protestos.

Boa leitura!

domingo, 17 de junho de 2012

Egipto e as presidenciais

 "If you speak you die. If you stay silent, you die. So speak, and die"
Tahar Djaout

Hoje é dia decisivo no Egipto!
As presidenciais decorrem durante este fim de semana na região e irão ditar o rumo daquele país. 
Após intensa polémica e a retirada de alguns candidatos por não cumprirem todos os 'requisitos', a corrida ao cargo é disputada por Ahmed Shafik, militar que desempenhou altos cargos durante o regime de Mubarak e que foi o último primeiro-ministro, e por Mohammed Morsy, islâmico e representante da Irmandade Muçulmana. A presença de Shafik nas presidenciais gerou contestação uma vez que temem um retrocesso ao antigo regime. Por sua vez, a candidatura de Morsy provocou polémica visto que receiam o estabelecimento do fundamentalismo islâmico.
Saliento que apesar de estar a decorrer as eleições presidenciais, os poderes do futuro chefe de estado ainda não são do conhecimento da população. O processo constitucional que deveria realizar a nova constituição foi interrompido, pois o Conselho Militar após decisão do Tribunal Constitucional dissolveu o parlamento egípcio.
O cenário continua em totalmente em aberto. Para muitos egípcios a revolução perdeu o seu rumo... Qualquer que seja o resultado destas presidenciais, o mais certo é a contestação regressar às ruas.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Basel Shehade o cineasta

A escalada do terror continua na Síria e parece não ter fim. Ao fim de 15 meses de violência cerca de 13 mil pessoas morreram. «Os números dizem pouco. Já morreram sírios de todas as idades e em todos os lugares. Já morreram muitos sírios que podiam estar longe da Síria». Sejam sírios, estrangeiros, homens, mulheres ou crianças...  pessoas morrem todos os dias!
Os  sucessivos vetos russo e chinês  no Conselho de Segurança impedem qualquer iniciativa militar apenas contribuem para que o terror continue naquela região.
Enquanto uns discutem se o conflito pode ser considerado "guerra civil" ou se ainda estamos perante uma "insurreição", massacres ocorrerem. Após o intenso combate em Homs, Hama, e outras cidades, agora é vez de Houla e Haffe. Segundo um relatório da ONU, crianças estão a ser usadas como "escudos humanos". Radhika Coomaraswamy, representante especial da ONU para as crianças e para os conflitos armados, afirma que crianças estão a ser detidas, torturadas e assassinadas.
Relembro que desde Abril um cessar-fogo está estipulado pelo plano de paz do enviado especial Kofi Annan, mas na prática não resultou em qualquer mudança. Integrado nesse mesmo plano de paz cerca de 300 observadores da ONU encontram-se no território, mas apesar dos esforços a violência perdura. Para escapar ao terror milhares de pessoas refugiam-se nos estados vizinhos nomeadamente Turquia, Iraque, Líbano e Jordânia.

Hoje impera falar daqueles que rumam ao conflito para dar a conhecer ao mundo os horrores e assim contar a história de todos aqueles que  seriam esquecidos.
Há uma semana morreu Basel Shehade! Mais um sírio, mais um civil para a longa lista de mortes desde o início da revolta há 15 meses. Shehade, cineasta, percorria o território sírio a gravar imagens da violência. Não é o primeiro a morrer ao relatar os terrores vividos na região. Relembro que como Shehade, Marie Colvin, repórter de guerra, e Rémi Ochlik, fotojornalista, viriam a falecer debaixo do intenso bombardeamento do exército sírio. No seu curto percurso Shehade incutiu nos outros a necessidade de fazer o que realizava, documentar os horrores do conflito para que não fossem esquecidos e muito menos negados, como é usual ao Homem.

Abaixo podem encontrar um dos seus trabalhos mais recentes, "Singing to Freedom", onde reúne entrevistas a activistas sírios.







segunda-feira, 11 de junho de 2012

"Maghreb/Machrek, olhares luso-marroquinos sobre a primavera árabe"

Hoje deixo uma sugestão de leitura, para todos aqueles que se interessam pelo mundo árabe. "Maghreb/Machrek, olhares luso-marroquinos sobre a primavera árabe", blogue de Raúl M. Braga Pires e Fanou Adjana Souag, que pode encontrar aqui, debruça-se essencialmente sobre a tão proclamada "Primavera Árabe" e os seus efeitos desde o Maghreb ao Machrek.
No referido blogue podem encontrar textos sobre a actual situação nos vários Estados, nomeadamente, Tunísia, Egipto, Líbia e afins. Como acima referi, apesar de naquele espaço de exposição encontrar maioritariamente dados sobre a "Primavera Árabe", podem também deparar-se com informações sobre outros assuntos, ainda que relacionados com o mundo árabe e/ou islâmico.
Aconselho o acompanhamento deste espaço de opinião. 
Boas leituras!

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Jihad, uma palavra entre tantos significados

Jihad é um conceito pilar do Islamismo, uma religião com cerca de 1,2 bilhões de seguidores, o que representa um quinto da população mundial. Os muçulmanos governam ainda 50 países do mundo. Com efeito, quem crê nas palavras de Maomé adopta não uma religião, como é commumente entendido, mas um modo de vida que inclui instruções relacionadas com todos os aspectos da actividade humana, como políticos, sociais, económicos, legais e militares.

A raiz linguística de Jihad, vem de Jihd (esforço) ou do verbo Jihad (esforço constante), mas a palavra, como tantas outras, tem mais um significado simbólico do que linguistico, o que dá azo a diversas interpretações.

A Jihad é encarada como uma luta, resultante de uma vontade pessoal, em busca da fé perfeita. Esse caminho pode ser feito pela luta do homem consigo mesmo através da ascese e de exercícios de piedade, a Jihad Maior, ou pelo esforço no sentido de converter os outros ao Islamismo e de mobilizar uma luta política e social, a Jihad Menor.

Apesar de a Jihad não integrar os cinco pilares do Islão – a recitação e aceitação da crença, orar cinco vezes por dia, dar esmolas, cumprir o jejum no Ramadão e fazer uma peregrinação a Meca se a pessoa tiver condições físicas e económicas – a verdade é que o termo aparece referido várias vezes no Alcorão. Helder Santos Costa refere que a doutrina muçulmana clássica aponta a existência de dois mundos, o Mundo do Islão e o Mundo da Guerra ou Mundo dos Infiéis, estando este último destinado a desaparecer (Costa, 2003, p 35).

O termo Jihad foi utilizado por Maomé com o significado de "guerra sagrada", simbolizando a luta pela conversão do maior número de pessoas ao Islão. De acordo com Ahmed Rashid, “os muçulmanos veneram a vida do profeta Maomé, porque exemplificou tanto a grande como a pequena Jihad”, lutando ao longo da vida para “melhorar como muçulmano, tanto para dar o exemplo aos que O rodeavam como para demonstrar o Seu completo compromisso com Deus”, mas também “combateu a corrupta sociedade árabe em que vivia e serviu-se de todos os meios – incluindo meios militares, mas não exclusivamente – para a transformar” (Rashid, 2003, p. 16). Segundo as formas comuns do Islão, se uma pessoa morre em Jihad, é enviada directamente para o paraíso, sem quaisquer punições pelos seus pecados.
   
No Ocidente, a Jihad e normalmente traduzida para Guerra Santa, o que parece irritar os muçulmanos. Contudo, no Alcorão lê-se: “Matai-os até que a perseguição não exista e esteja no seu lugar a religião de Deus. Se eles se converterem, não haverá mais hostilidade” (cf. Cruz, 2002, p. 67). De acordo com Alcino Cruz, a Guerra Santa encontra-se estatuída no versículo 89: “os hipócritas quereriam que renegásseis como eles renegaram e que fosseis todos iguais”. “Não Tomeis chefes entre eles até que se afastem pela causa de Alá que conduz ao combate: se voltarem costas, apanhai-os e matai-os onde quer que os encontreis” (Cruz, 2002, p. 60). Porém, José Marín Reveros faz uma forte distinção entre as duas palavras, ao escrever que “a Jihad muçulmana, entendida como o esforço no caminho de Alá, pode chegar a constituir-se numa Guerra Santa, partilhando certos elementos com o Cristianismo” (Riveros, p. 7).
   
Neste âmbito, importa ressalvar que existe uma diferença entre as várias culturas islâmicas e a ideologia islamista, que congrega pessoas que defendem ou recorrem ao uso das armas, por oposição aos muçulmanos, que são simplesmente crentes na fé islâmica (Foi tomada a opção de distinguir islamistas e islamitas da seguinte forma: enquanto os primeiros usam o Islão como arma política e de terrorismo, os segundos são meros crentes no Islão). Henrique Raposo diz que “a primeira característica dos islamistas é o seu ódio às diferentes culturas islâmicas” e frisa que o bombista suicida “ameaça em igual medida os ocidentais e a maioria dos muçulmanos” (Raposo, 2009, p. 5).
   
Para além da forma agressiva da Jihad, que já abordámos enquanto Jihad Menor, existe uma vertente defensiva. Os que defendem esta ideia, só utilizam a Jihad em casos semelhantes às batalhas que Maomé travou, após ter sido agredido. “Mesmo que na ocasião tenha usado a força, fê-lo, segundo os muçulmanos, só depois de ter recebido permissão divina”, escreve Silas Tostes (Tostes, 19). Esta opção defensiva “tem a vantagem de ter consenso com o artigo 51 da Carta da Nações Unidas (auto-defesa), e com a opinião do Vaticano”, destaca o mesmo autor (Tostes, p. 25).
   
Note-se que existe ainda discordância quanto ao recurso à Jihad agressiva, com alguns autores a defenderem que o seu uso não é obrigatório mas deve ser feito em situações de inesperado ataque à comunidade islâmica. Por outro lado, muçulmanos islamistas como o ex-líder da Al-Qaeda, Osama bin Laden, entendem que este uso é obrigatório.
   
A esta ideia presente no Ocidente de que existe uma guerra violenta destinada a transformar as pessoas em muçulmanos à força resulta em grande parte de diversos atentados terroristas, como os de 11 de Setembro de 2001, levados a cabo pela Al-Qaeda.
   
Há ainda alguns grupos que entendem que a Jihad passa também pela reclamação de terra que em tempos pertenceu a muçulmanos ou pela protecção do Islão contra aquilo que eles encaram como influências que "corrompem" a vida muçulmana.

Bassam Tibi, sociólogo sírio-alemão especialista no Islão e muçulmano sunita, entende que o fenómeno do fundamentalismo islâmico desvirtua o Islão tornando-o num factor de acção política em proveito próprio.
   
Por outro lado, repare-se que na visão de Ustaz Haji Ali Haji Mohamed, o ser humano, sem ter noção disso, está num estado constante de Jihad, já que se esforça sem esperar formas de gratificação e evitando coisas que são proibidas (Mohamed, p. 7).

Referências bibliográficas:


- COSTA, Helder Santos (2003), O Martírio no Islão, Lisboa, ISCSP.
- CRUZ, Alcino (2002), O pensamento e a humilhação das mulheres da fé islâmica, Lisboa, Campo Grande Editora.
- MOHAMED, Ustaz Haji Ali Haji, “Understand Jihad”, in www.rrg.sg/edisi/data/Understanding_jihad.pdf  (Consultado em Dezembro de 2010).
- RAPOSO, Henrique (2009), “O islamismo nas sociedades europeias – os mitos da comunidade muçulmana, do diálogo de civilizações e do Islão moderado”, in www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/ri/n22/n22a06.pdf  (Consultado em Dezembro de 2010).
- RASHID, Ahmed (2003), Jihad – Ascensão do Islão militante na Ásia Central, Lisboa, Terramar.
- RIVEROS, José Marín, “Islão, Guerra e Jihad”, in http://www.google.pt/url?sa=t&source=web&cd=1&ved=0CBcQFjAA&url=http%3A%2F%2Farpa.ucv.cl%2Farchivum4%2Fhistoria%2520medieval%2Fislam.%2520guerra%2520y%2520jihad...jm.riveros.pdf&ei=b9QITe1XxfOyBsDhwJQD&usg=AFQjCNHHunkvjTAlcMdETirK-yDbB7RjNw&sig2=iI5CL7oMjewy_rb0dDj8AQ (Consultado em Dezembro de 2010).
- TOSTES, Silas, “Jihad e o Reino de Deus”, in instituto.antropos.com.br/downloads/Jihad.pdf (Consultado em Dezembro de 2010).

Nota: Trabalho realizado em Dezembro de 2010.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Fundamentalismo ecológico

No âmbito do trabalho académico sobre fundamentalismos enquanto problemas sociais, e depois de ter falado de fundamentalismo religioso, fundamentalismo étnico e fundamentalismo de mercado, cabe-me finalmente abordar o fundamentalismo ecológico. Obrigada por me terem acompanhado.

Muitos fundamentalismos partem de posturas positivas. Não só é positivo para os homens serem religiosos, como também o é defenderem o ambiente. O problema surge quando essas crenças se tornam demasiado fechadas, uma questão que é tão mais evidente quando se fala sobre um tema baseado numa realidade mutante, mais do que em escritos antigos. É o que acontece com o fundamentalismo ecológico, que acaba por prejudicar as causas que defende.

Jennifer Marohasy alerta que “as políticas públicas de ambiente estão a ser conduzidas mais por crenças determinadas do que pela ciência” e apela a uma abertura mental perante evidências (Marohasy, 2004, p. 41). Ao falar de fundamentalismo, este ambientalista dá o exemplo dos governos que baniram as colheitas de organismos geneticamente modificados, lembrando que esta alimentação é considerada de qualidade e segura. “Respeito os direitos daqueles que não querem comer alimentos geneticamente modificados, da mesma forma que respeito os direitos dos muçulmanos de não comerem carne de porco, mas as campanhas contra os alimentos geneticamente modificados não parecem aceitar o meu direito de escolha”, realça, frisando que este tipo de organismos têm benefícios, como a redução do uso de pesticidas e a potencialidade de alimentar uma população mundial cada vez maior (Marohasy, 2004, p. 45).

Kátia Abreu também se mostra defensora do “conhecimento científico” aplicado ao ambiente em substituição daquilo a que chama de 'fanatismo', algo que leva uns poucos que se autodenominam 'defensores da natureza' a “definir o bem e o mal e lançar sentenças arbitrárias”. “O que decidem passa em julgado, sem apelação” e a “sociedade, perplexa e generosa, preocupada com a qualidade de vida, as mudanças climáticas e a própria sobrevivência do planeta, submete-se a toda sorte de exageros”, critica. A mesma autora aponta ainda o dedo a leis ambientais que “revelam generosidade e ignorância, pois, na sua maioria, não têm nenhuma base científica e experimental”. (Abreu, 2010).

Este activismo exagerado alimenta-se do medo das pessoas da mesma forma que o fazem os fundamentalistas religiosos, sendo que enquanto os primeiros jogam com o temor de uma vida sem palco ou mesmo de uma morte provocada por questões ambientais, os segundos servem-se do medo de uma vida tenebrosa depois da morte.

Thomas Gale Moore reforça esta ideia ao defender que os ecologistas zelosos substituíram uma fé em Deus por uma adoração do ambiente. Este fanatismo, combinado com histeria, uma ciência questionável e grupos especiais de interesse está a comandar políticas governamentais sem consideração pelos incentivos de mercado, riscos, ou custos, defende. Um exemplo disso são as medidas de controlo de poluição mal projectadas que impuseram custos demasiado elevados e em grande parte desnecessários, exemplifica o mesmo autor (Moore, 1992).

No mesmo sentido, falando da realidade brasileira, Kátia Abreu considera que os paradigmas que querem impor ao país reflectem “o remorso, a hipocrisia e, principalmente, o poder económico dos povos até agora ditos desenvolvidos e que através de milénios de História desobstruíram as suas paisagens e não têm mais condições de recompô-las” (Abreu, 2010).

Efectivamente ao representar, em muitos casos, um entrave à industrialização, o fundamentalismo ambiental constitui um problema social, já que pode gerar falta de produtos, danos económicos e desemprego. Neste âmbito, o Estado assume aqui um papel importante, no sentido de identificar o fundamentalismo e distingui-lo de posições em defesa do ambiente mais moderadas e assentes em estudos científicos.

Além disso, António de Almeida Santos alerta que “é a visão fundamentalista da problemática ecológica que exalta a harmonia natural contra a agressão das civilizações” (Santos, 1998, p. 59).

Importa ressalvar que os meios de comunicação social, como agente de socialização, jogam um papel importantíssimo na definição das opiniões públicas e, logo, no que a população exige dos governos. Numa lógica de mercado, muitos meios de comunicação social optam por 'vender' posições alarmistas, descurando a sua responsabilidade. Pablo Ariel Pellegrini dá o exemplo das controvérsias ambientais sobre a relação entre furacões e aquecimento global, uma questão pouco consensual no meio cientifico, para dizer que um artigo publicado na revista Philosophical Transactions of the Royal Society of London em Julho de 1997, no qual “cientistas asseguravam que o aquecimento global tinha um enorme impacto na formação de furacões”, foi citado pelos meios de comunicação “umas 79 vezes”, enquanto um artigo publicado em Dezembro do mesmo ano na revista Nature, onde era sugerida uma posição contrária, foi citado nos grandes meios de informação “sete vezes” (Pellegrini, p. 13 e 14). Além disso, nota-se que mais do que cientistas ou governantes, os meios de comunicação social ouvem sobretudo activistas quando se fala de ambiente, até pela dependência destes em relação aos 'media' para disseminarem as suas ideias.

Referências bibliográficas:

ABREU, Kátia (2010), “Verdade ambientalista versus fundamentalismo”, in http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100322/not_imp527458,0.php (Consultado em Janeiro de 2011).

MAROHASY, Jennifer (2004), “Environmental Fundamentalism”, in Policy, Vol. 20, nr. 3.

MOORE, Thomas Gale (1992), Environmental fundamentalism, California, Hoover Institution on War, Revolution, and Peace, Stanford University.

PELLEGRINI, Pablo Ariel, “Trangénicos e indústria do papel: quando o discurso científico perde autoridade. O papel da ciência nas controversias ambientais”, Argentina, Instituto de Estudos sobre a Ciência e a Tecnologia da Universidade Nacional de Quilmes.

SANTOS, António de Almeida (1998), Por favor, preocupem-se!, Lisboa, Editorial Notícias.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Fundamentalismo de mercado

Como prometido, no âmbito do trabalho que apresentei sobre fundamentalismos enquanto problemas sociais, e depois de falar de fundamentalismo religioso e fundamentalismo étnico, fica aqui um texto sobre fundamentalismo de mercado, um problema que interessa abordar nesta altura de crise.

O fundamentalismo de mercado, resultante da globalização, refere-se a uma crença exagerada de que mercados livres são o melhor caminho para a equidade, para o sucesso e para resolver todos os problemas sociais, considerando que os interesses da sociedade são atingidos quando os participantes podem perseguir os seus próprios interesses. Fundamentalistas de mercado possuem ideias inabaláveis como por exemplo que mercados livres têm um equilíbrio natural, maximizam a liberdade individual e são o único meio de promover o crescimento económico.

Os fundamentalistas de livre mercado, como todos os outros, são possuidores de certezas absolutas e encaram os críticos das suas ideias como falsos economistas. Murray Rothbard, considerado um fundamentalista de mercado, escreveu num artigo intitulado “O desejo de morte dos anarco-comunistas”: Não é nenhum crime ser ignorante sobre economia, que é, afinal de contas, uma disciplina especializada que a maioria de pessoas considera uma 'ciência sombria'. Mas é totalmente irresponsável ter uma opinião vociferante em assuntos económicos ao permanecer neste estado de ignorância” (Carden e Hammock, 2009, p. 93).

Chris Knight entende que, à luz dos fundamentalistas de mercado, a solução para quase todos os problemas sociais é deixar morrer à fome o sector público na esperança de reduzir os postos burocráticos corruptos e influentes.

Apesar de este tipo de fundamentalismo ter muitos defensores no mundo ocidental, a verdade é que muito recentemente, em 2008, uma crise económica veio soltar alguns vozes dissidentes.

Depois da contaminação da crise mundial motivada pela queda do Lehman Brothers, o executivo norte-americano, tal como outros, foi obrigado a intervir para salvar a economia. Nessa altura, o governo norte-americano “tornou claro que não acredita que os mercados podem mesmo funcionar por si mesmos” (Stiglitz, 2009).

“Tal como a queda do Muro de Berlim marcou o fim do Comunismo, o 15 de Setembro de 2008 marcou o fim do fundamentalismo de mercado, ainda que a fraqueza dos dois sistemas fosse evidente muito antes”, disse Joseph Stiglitz, Prémio Nobel da Economia em 2001, para quem o fundamentalismo de mercado se trata de uma “religião, já que não se baseia em nenhuma ciência económica nem em nenhuma evidência histórica”. Como resultado deste fundamentalismo, o economista aponta “um grande desfasamento entre os lucros privados e os retornos sociais” (Stiglitz, 2009).

George Soros reforçou a posição do Nobel da Economia ao afirmar que a concepção defendida pelos fundamentalistas é “obviamente errónea porque foi a intervenção nos mercados, não a acção livre dos mercados, que evitou que os sistemas financeiros entrassem em colapso” (Soros, 2009).

Este género de fundamentalismo, apesar de ser dos mais recentes, provocou desde logo efeitos na sociedade, ao traduzir-se em cortes nas medidas sociais, como redução ou eliminação total de creches e a criação de impostos regressivos. Chris Knight considera que o fundamentalismo de mercado “infectou” o debate sobre as alterações climáticas.

Taniguchi Shok chama a atenção para outro problema decorrente da aplicação do fundamentalismo de mercado: o aumento do suicídio entre gerentes de pequenas e médias empresas. Repare-se que estas companhias têm dificuldades em, por exemplo, obter crédito, ao passo que grandes empresas são grandemente ajudadas pelos bancos e contam ainda com outros benefícios. No mesmo sentido, Henry C K Liu diz que os “mercados não regulados resultam naturalmente no surgimento de empresas monopolistas” e denuncia que o fundamentalismo de mercado coloca uma “máscara sorridente” para a exploração económica” (Liu, 2002).

Assim, desde logo se entende que o fundamentalismo de mercado, para além de não permitir a existência de outros sistemas económicos e de aniquilar progressivamente as pequenas empresas,  resulta numa má distribuição de riqueza e em desemprego, que se traduz inúmeras vezes em criminalidade, doenças mentais e suicídio. O fundamentalismo de mercado configura um problema social também na medida em que diminui o espaço para apoios financeiros a sectores como a Saúde e a Solidariedade Social, já que se baseia numa lógica em que impera mais o indivíduo do que a sociedade.

Com o intuito de combater os efeitos deste fundamentalismo, os líderes mundiais devem tentar encontrar a medida certa entre a economia de livre mercado e as várias situações sociais que não dependem de uma lógica meramente economicista.

Referências bibliográficas:

CARDEN, Art e HAMMOCK, Mike (2009), “São os economistas 'fundamentalistas de mercado'?”, Oxford, Institute of Economic Affairs, Blackwell.
LIU, Henry C K (2002), “Comércio, desenvolvimento e mercados 'monstruosos'” in http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:9PzEQaPAiKkJ:www.atimes.com/global-econ/DF20Dj01.html+%22market+fundamentalism%22+%2B+%22Social+problem%22&cd=9&hl=pt-PT&ct=clnk&gl=pt&client=firefox-a (Consultado em Janeiro de 2011).
STIGLITZ, Joseph (2009), “Caminhando do fundamentalismo de marcado para uma economia mais equilibrada”, in Annals of Public and Cooperative Economics, p. 345 a 360.