domingo, 23 de outubro de 2011

20 de Outubro de 2011: um dia auspicioso ou hospicioso?

Muammar Kadhafi faleceu e o dia 20 de Outubro de 2011 fica na história como uma data feliz, a borbulhar de esperanças e happy endings.

Um homem morreu – provavelmente apedrejado – e o mundo festejou. Milénios passaram, milhares de leis sobre os direitos humanos nasceram e sociedades transformaram-se em civilizações (mais ou menos civilizadas), mas o espectro de Jesus Cristo continua actual. Quando se trata de vingar, não há espaço para o julgar ou para o altar.

Barack Obama leu a notícia da morte do líder líbio deposto como o “fim de um capítulo longo e doloroso”. Já David Cameron aproveitou a ocasião “para recordar vítimas” e Angela Merkel viu no assassinato de Kadhafi o início do “caminho para a paz”.

Contudo, a jornada acabou rápido e o amanhecer trouxe a luz a uma colecção de volte-faces. O primeiro foi mais uma espécie de volte-face múltiplo, tantas que foram as versões sobre a morte do ex-líder líbio. A primeira informação, avançada por um comandante do Conselho Nacional de Transição (CNT), dava conta de ferimentos nas duas pernas e de um transporte urgente para o hospital. Depois surgiram imagens que mostram Muammar Kadhafi coberto de sangue com um buraco de bala na cabeça. Foi ainda divulgado um vídeo em que rebeldes líbios festejam enquanto lançam pedras e batem em Kadhafi, apesar de este pedir repetidamente “misericórdia”.


Imagens que mostram que o homem que governou a Líbia durante 42 anos foi capturado e só depois morto, algo que choca com o mais elementar nos campos da segurança e dos direitos humanos. De acordo com médicos ouvidos pela Al Arabiya sexta-feira de manhã, a autopsia apontou como causa de morte um tiro disparado no estômago. Durante a tarde, o primeiro ministro interino falou num tiro fatal na cabeça. Se é verdade que nestes casos basta a mentira razoável do poder, tantas contradições são descredibilizantes e auguram um futuro nada unificado no país.

A morte foi assim atribuída ao CNT, o mesmo que queria julgar Kadhafi em solo líbio, antes de o Tribunal Penal Internacional o fazer em Haia. A Rússia, desde o início contra a ingerência da Aliança Atlântica, aproveitou para criticar a morte de Kadhafi, invocando a Convenção de Genebra.

Já a ONU, pela voz do Alto Comissário para os Direitos Humanos, só falou num inquérito às circunstâncias da morte de Kadhafi quando confrontada com um pedido da viúva. Isto horas depois de Ban Ki-moon ter dito que a morte de Kadhafi representava uma “transição histórica”.

Por seu lado, a NATO demitiu-se do assunto, afirmando que bombardeou a coluna onde seguia o antigo governante sem saber que ele lá estava. Ainda assim, logo após a morte de Kadhafi, a Aliança Atlântica, triunfalista, deu a missão como cumprida e prepara-se para sair já a 31 de Outubro, com receio de ficar 'presa' a um novo Afeganistão.

Também a comunidade internacional assumiu um volte-face. Afinal, os ataques indiscriminados das antigas forças do regime contra os rebeldes, que motivaram a ingerência humanitária da NATO, terão sido muito semelhantes ao perpetrado contra Kadhafi.

Mais uma vez, o direito internacional não será aplicado (ou, quando muito, serão cumpridas as ordens de prisão de Saif al-Islam, filho de Kadhafi, e de Abdullah al-Senussi, antigo chefe de espionagem) e as críticas de alguns líderes e organizações terão pouca expressão.

Resta saber que ventos continuarão a soprar de países como a Síria, quantas mais ingerências humanitárias serão decididas e quantas mais mortes serão necessárias para a maioria dos eleitores pôr em causa até o assassinato de Osama bin Laden.

1 comentário:

  1. As imagens são de um terror... Qualquer pessoa tem o direito a um julgamento a uma defesa. Sim ele era um ditador! Mas não merecia uma morte assim. Chega a ser um paradoxo quando afirmam que a Líbia está a iniciar "um caminho para a paz"... bons ventos não se adivinham... Bom texto Andreia!(:

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