terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Economic Intelligence, uma estratégia para lá da crise

O livro Estudos de Intelligence, coordenado por Pedro Borges Graça, oferece aos leitores uma visão abrangente da Intelligence em várias vertentes, como militar, económica e civil, incidindo sobretudo na situação portuguesa e recorrendo não raras vezes a elementos de comparação do exterior. É um manual ideal para alunos e cidadãos em geral interessados na temática. Entre tantos pontos de interessante abordagem, vamos focar-nos na Intelligence aplicada à economia, por ser das áreas mais recentes e onde se perspectiva um maior crescimento.

“No actual processo de globalização económica em curso, estamos num momento de passagem da Era da Informação para a Era da Intelligence e no mundo dos negócios os custos da ignorância saem muito mais caros que os custos do conhecimento” (Graça, 2011, p. 178). É com esta frase que Pedro Borges Graça fecha o livro, mas a obra podia ter sido iniciada com ela, já que encerra em si a justificação da Intelligence não só económica, mas em todos as suas aplicações.

Apesar de a relevância do conhecimento que levou ao nascimento da Era da Informação não ser de pôr de parte, a verdade é que vivemos numa época com excesso de informação, algo que acaba por ser contraproducente, não só para a divulgação de ideias – dado que as pessoas tendem a dispersar-se e muitas vezes a desligarem perante tanta informação -, mas também para o encontro com a informação realmente importante. Um excesso de informação pode, efectivamente, servir para desviar os outros do essencial.

Num mundo cada vez mais complexo e interligado, caracterizado por uma nova ordem mundial em que surgem novos actores e em que os Estados perdem cada vez mais campo de acção para outros grupos, como organizações regionais, organizações não governamentais, grupos terroristas e grandes grupos económicos, é compreensível que as empresas assumam competências que antes estavam confinadas ao Estado, como por exemplo a defesa de objectivos económicos, e que todos estes actores, entre outros, invistam cada vez mais em Intelligence. Por exemplo, o Hezbollah possui uma “rede de Intelligence espalhada um pouco por todo o mundo, servindo-se dos seus apoiantes pare recolher informações”, de acordo com Bruno Almeida Marques (Graça, 2011, p. 78). O facto de o Hezbollah ter conseguido desmascarar agentes da CIA no Líbano, em Novembro deste ano, demonstra a dimensão desta realidade e a urgência de os Estados e de outros actores investirem verdadeiramente em Intelligence.


Ao abordar este assunto, António Rebelo de Sousa, presidente da Sociedade para o Financiamento do Desenvolvimento, realça que, apesar dos riscos ligados ao crime organizado e ao terrorismo, já não é essa a maior preocupação na Intelligence económica, mas sim a importância de estar na linha da frente em tecnologia, a relação com a concorrência directos e a necessidade de evitar riscos.

António Rebelo de Sousa fala no papel do Estado, que pode assumir a responsabilidade pela Intelligence, congregando interesses de várias empresas sob a mesma estratégia. Cada vez mais se vêem casos de interferência dos governos - acompanhando assim uma tendência de divórcio relativamente ao liberalismo puro e às suas consequências – sobretudo devido à falta de recursos financeiros por parte das empresas para investirem em Intelligence.

Destaque também para os benefícios de trocas de informações entre vários actores ou serviços, o que se torna mais eficaz quando os objectivos tendem a aproximar-se. Pedro Borges Graça sublinha que, “sendo a globalização em curso um fenómeno com uma forte componente económica e que influencia hoje marcadamente o comportamento dos Estados e tem um impacto directo nas soberanias nacionais, a actividade das empresas é portanto de facto estratégica” (Graça, 2006). Duncan Campbell, ao distinguir a Inteligência Competitiva ou Inteligência Micro-económica, da Inteligência Macro-económica (que visa conhecer as estratégias económicas de outros países), diz que a Intelligence económica, seja ela de que tipo for, “pode funcionar em forte ligação com outras formas de recolha de Intelligence”, como por exemplo dando conta de venda de armamento (Campbell, 2001, p. 97). O mesmo autor dá o exemplo das nações “párias”, como a Coreia do Norte, relativamente às quais conhecer as informações das suas empresas serve mais para “aferir as condições políticas e de estabilidade” do que propriamente conhecer as vantagens comerciais (Ibidem). No sentido inverso, Duncan Campbell diz que no início dos anos 90, a CIA terá fornecido informações às empresas norte-americanas “com o fito de que estas provocassem danos económicos” nas empresas europeias (Campbell, 2001, p. 134).

            
Nesta ligação entre Estado e empresas, António Rebelo de Sousa insiste na criação de mais instrumentos de intervenção, para além da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), com a responsabilidade de apoiar as empresas e implementar junto delas a estratégia traçada para a economia do país. Parece ser, efectivamente, esse o caminho seguido pelas empresas portuguesas, onde são praticamente inexistentes departamentos de Intelligence. As autoridades têm, assim, assumido a liderança em Intelligence económica, não só com a expansão de representações da AICEP, mas também com viagens de Estado onde predominam empresários de sectores estratégicos.

Interessa mais ter mecanismos institucionais especializados do que propriamente embaixadas quando é a economia que mais importa. Por exemplo, a AICEP estabeleceu-se em Singapura em 1997 e só dois anos depois é que foi aberta uma embaixada naquele local.

O distanciamento da Intelligence em relação à diplomacia é referido por vários autores do livro e em várias temáticas, sendo ponto assente que os serviços de informações prestam, pela sua natureza, um trabalho mais objectivo. Em realidade, também na área económica os serviços de informações são um instrumento privilegiado em países com os quais não se tem relações políticas próximas.

Também o modus operandi entre serviços de informações civis e empresariais é semelhante, ainda que as informações recolhidas para as empresas sejam distribuídas por mais destinatários, enquanto as informações civis se destinam, commumente, aos chefes de Governo ou de Estado. Importa ainda dizer que, ao contrário dos serviços de informações estatais (onde a desconfiança interna também deve existir), existe uma espécie de esquizofrenia relativamente à possibilidade de elementos da própria empresa fornecerem informações aos concorrentes.

Por outro lado, num mundo globalizado e com ameaças cada vez mais imprevisíveis, são necessárias respostas velozes e uma constante revisão do planeamento estratégico (Graça, 2011, p. 178), não existindo receitas mágicas. O essencial será actuar sobretudo, como defendem vários autores do livro “Estudos de Intelligence”, com pragmatismo, um dos “Sete Pilares da Sabedoria” indicados por T. E. Lawrence.

É por tudo isto que faz sentido Pedro Borges Graça dizer que mais do que o conhecimento, o importante nesta “Era da Intelligence” é evitar os “custos da ignorância” (Graça, 2011, p. 178).

O mesmo autor considera que a resposta, no caso específico português, tem de passar invariavelmente pelo crescimento do “patriotismo económico” (Graça, 2006), por uma “cultura exclusiva”, como a espanhola, a alemã ou a norte-americana – o que se nota por exemplo no língua, com os portugueses, por xebofolia, a disponibilizarem-se para falar a língua dos outros até mesmo em Portugal, quando a língua portuguesa tem tanta força, sendo a sexta língua com mais falantes em todo o mundo - em detrimento de uma “cultura inclusiva”, e por um crescimento do “pensamento estratégico autonomamente português” (Graça, 2006).

Urge entender, em Portugal e não só, que a Intelligence económica tem de dar passos largos, sobretudo nesta altura de crise e num mercado global. Por outras palavras, é importante perceber que chegou a Era da Intelligence, mas sobretudo encarar essa prática como uma forma mais segura de responder aos desafios económicos actuais. Não tem de ser apenas em chinês que a palavra crise significa oportunidade. Esta é a melhor altura para arriscar novas formas de pensar, novas estratégicas e, sobretudo, para um reencontro com o que nos torna únicos e que deve ser valorizado e explorado. Vários autores do livro “Estudos de Intelligence” falam na importância de não descurar o investimento em Intelligence, mas para tal, e acima de tudo, é essencial uma mudança de mentalidades.

Notas bibliográficas:
- CAMPBELL, Duncan (2001) “O mundo sob escuta: as capacidades de intercepção no século XXI”, Lisboa, Frenesi
.- GRAÇA, Pedro Borges (2006), “O tratamento da Informação Estratégica em Portugal: novos desafios na Era da Informação” in http://sites.google.com/site/pbgraca/texto7.
- GRAÇA, Pedro Borges (coord.) (2011), Estudos de Intelligence, Lisboa, Centro de Administração e Políticas Públicas do ISCSP.

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