quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

A síndroma Brejnev de Putin por Pierre Bühler


Aconselho este artigo, de Pierre Bühler, publicado no Público, sobre a Rússia.

«O resultado das eleições legislativas russas de domingo já era esperado: venceu o partido Rússia Unida, liderado por Vladimir Putin. Da mesma forma, não há dúvida de que Putin irá ganhar as eleições presidenciais previstas para Março de 2012. Mas o entusiasmo do público que ratificou o governo de Putin durante uma década desapareceu, algo demonstrado pelo fraco desempenho do seu partido, Rússia Unida, nas recentes eleições à Duma.

Ao contrário da Europa, assolada por uma crise de dívida soberana, e dos Estados Unidos, cujos líderes discutem sobre a contenção do seu défice, a Rússia pode assemelhar-se a um oásis de estabilidade e continuidade. Mas essa continuidade lembra mais a zastoi, ou estagnação, da era Brejnev.

Os oito anos com um crescimento médio anual do PIB de 7%, durante o governo anterior de Putin (2000-2008), permitiram à Rússia pagar as suas dívidas, acumular quase 600 mil milhões de dólares em reservas de moeda estrangeira e juntar-se às principais economias emergentes. Uma década depois da crise de 1998 ter deixado a Rússia de rastos, os seus líderes gabaram-se de que o país poderia resistir à crise financeira de 2008.

Dados os fundamentos económicos da Rússia, a diminuição da popularidade de Putin pode parecer surpreendente. As previsões do Fundo Monetário Internacional, que apontam para 4% de crescimento em 2011 e nos anos subsequentes, posicionam a Rússia bem atrás da China e da Índia, mas muito à frente das taxas médias de crescimento nos países ricos do G-7. Além disso, o orçamento da Rússia estará equilibrado enquanto os preços do petróleo permanecem acima de 110 dólares por barril.

As tendências a longo prazo também melhoraram. O rápido declínio demográfico foi travado desde a viragem do século (uma época em que o número de caixões era superior ao número de berços, à proporção de 7 para 4), já que os subsídios generosos do governo para incentivar o nascimento do terceiro filho têm impulsionado a taxa de fertilidade, que cresceu de 1,16 filhos por mulher em 1999, para 1,58 em 2010. Este valor está ainda muito abaixo da taxa de reposição de 2,1, mas o aumento da taxa de fertilidade, em conjunto com medidas bem-sucedidas para reduzir a mortalidade masculina, reduziu o ritmo de diminuição da população.

No entanto, a Rússia continua a ser essencialmente um "Estado rendeiro" – isto é, um estado cuja principal fonte de receitas são as rendas – neste caso, de petróleo e gás – ao invés dos impostos, mantendo assim à distância as exigências de representação política. Em vez disso, o Estado é o alvo de empresários políticos que se empenham em conquistá-lo, a fim de conquistar as rendas que ele controla.

A Rússia tem a maioria das características habituais dos estados rendeiros: autocracia, instituições políticas e judiciais fracas, governo arbitrário, ausência de um Estado de direito, pouca transparência, restrições à liberdade de expressão, corrupção generalizada, clientelismo e nepotismo. Também comuns aos Estados rendeiros são os horizontes curtos de investimento, a vulnerabilidade à volatilidade dos preços dos produtos de base – ficando eufóricos com a sua subida e entrando em crise quando descem – e um sector industrial subdesenvolvido e pouco competitivo.

A Rússia de hoje é um reservatório gigante de matéria-prima e a sua economia depende em larga escala dos seus produtos primários – indústria mineira e perfuração petrolífera. A Rússia é o maior exportador mundial de petróleo e gás, possuindo mais de 25% do total das reservas comprovadas de gás. Estes produtos representam mais de dois terços das receitas de exportação do país e são a principal fonte de receita do Estado.

O impacto sobre a governança é demasiado previsível. Em 2011, a organização Transparência Internacional, na sua análise do índice de percepção de corrupção, posicionou a Rússia em 143.º lugar num total de 182 países, a par com a Nigéria, e em 182.º lugar, num total de 210, no que diz respeito ao "controlo da corrupção", um dos indicadores de governança a nível mundial do Banco Mundial. Em relação ao Estado de direito, houve apenas uma melhoria mínima, com a Rússia a situar-se na 156.ª posição.

Entretanto, a infra-estrutura está a desmoronar-se, até mesmo dentro da indústria extractiva vital, ao mesmo tempo que o fabrico não é competitivo a nível internacional. A indústria de armamento russa perdeu a forte posição que tinha junto da Índia e a da China, que outrora foram os seus dois principais clientes. Apesar da propaganda sobre a nanotecnologia e um "Vale do Silício russo" no Skolkovo, as despesas em I&D (Investigação e Desenvolvimento) representam apenas 1/15 do nível dos EUA e um quarto do da China. Como proporção do PIB, foram reduzidas para metade desde o início da década de 1990 e representam agora apenas 1% do PIB. Os cientistas e investigadores, que em tempos foram o orgulho da União Soviética, desapareceram, atraídos muitas vezes por oportunidades mais gratificantes, a nível nacional ou internacional.Com efeito, as universidades russas estão quase ausentes dos rankings mundiais: apenas duas figuram na lista Top-500 da Universidade de Xangai e, numa posição bastante baixa, entre as 400 classificadas pelo Times Higher Education Supplement. A Rússia também tem uma posição fraca – 63.º lugar – no Índice de Competitividade Global publicado pelo Fórum Económico Mundial (World Economic Forum), estando muito atrás de todos os países desenvolvidos e até mesmo de muitos países em desenvolvimento. O mesmo se aplica à capacidade de inovação e à tecnologia.

No entanto, há sinais de esperança. A Rússia já não está aquém do mundo desenvolvido no que diz respeito ao uso da Internet, que tem proporcionado espaço para o discurso não regulamentado, permitindo aos utilizadores contornar o órgão noticioso oficial que é esmagadoramente pró-Putin. Além disso, após longas negociações, a Rússia chegou recentemente um acordo para integrar a Organização Mundial do Comércio, o que implica a necessidade de cumprir todas as obrigações em matéria de transparência e regras de negociação.

Mas a transformação completa da economia da Rússia continua a ser duvidosa. Um dos principais economistas independentes da Rússia, Sergei Guriev, reitor da Escola da Nova Economia, em Moscovo, afirmou, em 2010, que "as reformas significativas são altamente improváveis – pela simples razão de que iriam colidir com os interesses das elites dominantes da Rússia. Em qualquer país rico em recursos e antidemocrático, a classe política e os interesses comerciais que o rodeiam têm pouco ou nenhum incentivo para apoiar direitos de propriedade mais fortes, Estado de direito e concorrência. Na verdade, essas mudanças estruturais iriam enfraquecer o domínio da elite no poder político e económico. O status quo – regras opacas, tomadas de decisão arbitrárias e défice de responsabilidade – permite o enriquecimento de quem está lá dentro, especialmente através da obtenção de uma percentagem das receitas da exportação de produtos".

Ao assinalar o vigésimo aniversário do colapso da União Soviética este Natal, a Rússia terá muito que comemorar. Infelizmente, o que não mudou vai dar-lhe muito com que se lamentar».

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