terça-feira, 31 de julho de 2012

Alemanha: Cidadãos espiões na luta anti-terrorismo

O estado alemão da Baixa Saxónia publicou um guia prático para ajudar os cidadãos a identificarem sinais de extremismo entre os muçulmanos, uma decisão que já levou a comunidade islâmica a falar em “alarmismo” e a oposição do Partido Social-Democrata (SPD) numa medida "absurda" e "ultrajante".

O documento de 54 páginas traça um quadro preocupante da ameaça do islamismo radical no pais, apontando que as autoridades de segurança alemãs estimam que cerca de 1140 indivíduos a viver na Alemanha constituem um risco elevado de se tornarem terroristas.

A inquietação é justificada. Embora organizações terroristas como a Al-Qaeda estejam a perder peso na Europa, o islamismo radical tem vindo a crescer, ainda que não seja a olhos vistos. Actualmente o radicalismo dá passinhos de lã, o novelo é longo e emaranhado e desenrola-se sobretudo noutro espaço, o virtual.

Muitos autores acreditam que a Europa passou a ser o alvo principal dos terroristas islâmicos, mais de uma década depois de o ódio de Bin Laden aos Estados Unidos ter sido corroborado por muçulmanos de todo o mundo, inclusive moderados.

Enquanto nos Estados Unidos a comunidade islâmica vem fazendo um trabalho estóico contra o extremismo, a Europa tem-se tornado no terreno ideal para aliciar futuros terroristas e até conseguir apoios para actos dessa natureza.

Os chamados “muçulmanos sociológicos”, que cresceram na Europa, onde se sentem discriminados e sem perspectivas de beber do “sonho europeu” (muito menos agora com a região em profunda crise), acabam por se tornar num alvo fácil para as mensagens do islamismo radical.

Ao indicar aos cidadãos 26 possíveis características do processo de radicalização, como aulas particulares de idiomas, preocupação com a vida após a morte, mudanças na situação financeira e realização de longas viagens a países com populações de maioria muçulmana, as autoridades estão a discriminar ainda mais os muçulmanos no seu todo, o que configura o cenário perfeito para os defensores do islamismo radical conseguirem mais apoio.

Se olharmos para as 26 características às quais o cidadão comum deve estar atento, provavelmente será difícil encontrar um único muçulmano que não seja um potencial terrorista. 

Mas pior do que isso: este género de “citizen intelligence” lembra práticas levadas a cabo em regimes ditatoriais, como alguns métodos da PIDE em Portugal. Ora convém referir que no mesmo documento as autoridades da Baixa Saxónia realçam que o objectivo estratégico de longo prazo das organizações islâmicas é destruir a democracia.

Para além do aumento das clivagens que isto poderá provocar na sociedade, levará também a um recurso maior à “taqiyya” (dissimulação) por parte dos islamistas radicais, apostando sobretudo em encontros em apartamentos privados e em disfarces com roupas e estilos de vida ocidentais boémios, o que causará maiores problemas aos espiões dos serviços de informações, cujo trabalho assenta num estudo exaustivo, na discrição e na cautela, cuidados que os cidadãos não vão ter.

Se é certo que a Intelligence tem sido uma das armas mais eficazes no combate ao islamismo radical – ainda que não seja necessariamente a melhor – e se até podemos concordar com algumas vantagens do envolvimento dos cidadãos no trabalho dos serviços secretos, esta medida torna-se demasiado perniciosa quando solicitada a uma população de uma região onde o Islão não é a religião dominante.

Ou se trata de uma decisão desesperada de quem já não sabe lidar com um fenómeno sem rosto, feito cada vez mais de “lobos solitários” e de “franshing” e não de organizações estruturadas, ou resulta de uma estratégia eleitoralista da conversadora CDU.  Em todos os casos, é uma medida incalculada com resultados imprevisíveis.

sábado, 28 de julho de 2012

Políticas Públicas, uma nova forma de governar

Os Estados têm vindo a responder em função da forma como estão organizados a mais e novas necessidades dos cidadãos num sistema em que estes pagam impostos e exigem, em troca, alguns serviços acordados pelos governantes, como um sistema nacional de saúde, educação gratuita e estruturas de segurança e defesa, algo que em regimes democráticos deve ser decidido com base em acordos entre partidos e com os parceiros de várias áreas, como sindicatos e empresas, sem fugir à legislação e a princípios éticos.

Vale a pena recordar o conceito de Welfare State ou Estado Providência, que tem origem no pensamento keynesiano e que começou a ganhar expressão sobretudo a partir da Grande Depressão de 1929 e da II Guerra Mundial como resposta à crise. Muito em voga durante toda a segunda metade do século XX, este sistema surgiu na sequência de uma crescente consistência democrática e das disparidades decorrentes do capitalismo após a Revolução Industrial. Trata-se de uma “transformação do próprio Estado a partir das suas estruturas, funções e legitimidade” e de “uma resposta à demanda por serviços de segurança sócio-económica” (Wieczynski, p. 1) por parte dos cidadãos, visando a sobrevivência das sociedades e alguma equidade.

Associado a este conceito está o de serviço público, que, para Marcello Caetano (citado em Bilhim, 2000, p. 789) corresponde ao modo de actuar da autoridade pública a fim de “facultar, por modo regular e contínuo, a quantos deles careçam, os meios idóneos para satisfação de uma necessidade individualmente sentida”. Um serviço que, segundo João Bilhim (ibidem), tem esbarrado nas regras de concorrência aliadas a uma economia de mercado.

Com o Estado a assumir a organização da sociedade e da economia, sob uma postura paternalista benigna, os cidadãos habituaram-se a depender dele em muitos domínios da sua vida e a culpar os governantes por todas as coisas que lhes faltavam, algo que continua ainda a ocorrer em vários países, como Portugal, onde a cidadania é ainda antónimo de agir em prol do bem comum. Enquanto, por exemplo, nos Estados Unidos há organizações de moradores que tratam de realizar mudanças nos bairros onde vivem, em Portugal faz-se um requerimento junto da junta da freguesia ou lançam-se críticas contra o poder político que nada faz.

Desde os anos 70 do século XX que o Welfare State começou a tornar-se incomportável devido, especialmente, à crise petrolífera. A situação piorou anos mais tarde, por causa do “aumento das despesas dos serviços públicos num período de estagnação económica” (Fonseca, 2010, p. 22). Diante da falência iminente deste sistema, criaram-se novos modelos de administração, com a chamada reforma administrativa, que passou a ser um assunto obrigatório na agenda política a partir dos anos 80.

Surgiram assim as chamadas políticas públicas, ou seja, um conjunto de acções com vista ao bem colectivo desencadeadas pelo Estado a vários níveis (central, regional e local) em parceria com outro tipo de entidades, como organizações não governamentais ou empresas privadas, envolvendo cada vez mais o cidadão. Em causa estão áreas tão diversas como segurança, justiça, saúde, educação, economia ou cultura. Segundo Barbara Nelson, o conceito de políticas públicas desenvolveu-se nos Estados Unidos por lá existirem “duas condições indispensáveis”, designadamente, “estabilidade política e estabilidade democrática, aliada à existência de grupos de opinião independentes que avaliação a acção do governo”, (Bilhim, 2008, p. 100), enquanto na Europa a inovação tardou devido à sua “tradição administrativa e à sua cultura legalista”, denota João Bilhim (ibidem).

De acordo com o mesmo autor, “a crescente complexidade que a vida moderna revelou levou a considerar o poder político institucionalizado como uma rede de poder”, responsável pelo “processo de negociação e de troca” e “onde governar assenta, sobretudo, num processo de ajustamento entre grupos, sendo equivalente a um modo dinâmico de gerir crises (Bilhim, 2008, p. 101). Assim, cabe ao Estado propor acções de prevenção perante situações de risco à sociedade através de políticas públicas, sendo que neste processo de decisão a sociedade não é só chamada a agir, mas também a decidir. Desvaloriza-se o carácter empreendedor do governo, enquanto a cidadania activa aparece como a 'chave mestra'. O cidadão é aquele que ora governa ora é governado, deixando de assumir o papel de súbdito, frisa Adelino Maltez (citado em Bilhim, 2008, p. 102).

Nota: Este texto faz parte de um trabalho académico sobre Políticas Públicas de Segurança e Mass Media realizado em Janeiro de 2012. Em futuros posts colocarei a continuação deste trabalho. Obrigada por acompanharem.

Referências bibliográficas:

BILHIM, João (2000), Ciência da Administração, Lisboa, Universidade Aberta.

BILHIM, João (2008), “Políticas públicas e agenda política”, in Revista de ciências sociais e políticas, nº 2(Jan.-Abr. 2008), p. 99-121.

FONSECA, Francisco José Seixas (2010), “A evolução das políticas públicas de segurança interna em Portugal, na era da globalização”, Lisboa, ISCSP.

WIECZYNSKI, Marineide, “Considerações teórica sobre o surgimento do Welfare State e suas implicações nas políticas sociais: uma versão preliminar”, in www.portalsocial.ufsc.br/publicacao/consideracoes.pdf (Consultado a 12 de Janeiro de 2012).

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Terrorismo na Europa, um problema de segurança

A Europa conta actualmente com cerca de 20 milhões de pessoas que professam o Islão (segundo uma estimativa apontada por Sandra Liliana Costa), sem ter em conta a população russa da Europa. Esta população tem crescido rapidamente e a média de idades dentro do grupo é mais jovem do que a da restante população europeia.

Henrique Raposo chama a atenção para o facto de um muçulmano na Europa ser associado ao conceito comunitário e religioso da comunidade muçulmana e não ao conceito individual e legal de cidadão (Raposo, p. 1). “O jihadismo é uma realidade que marca os muçulmanos de hoje; o jihadismo terrorista existe entre os muçulmanos. Se é desonesto ligar o radicalismo ao Islão por inteiro (como fazem os defensores do choque civilizacional), também é desonesto fingir que o islamismo é o resultado da opressão que o sistema ocidental lança sobre os muçulmanos (tal como fazem os defensores das teses multiculturalistas”, escreve o mesmo autor (Raposo, p. 4).

Sandra Liliana Costa explica que perante a divisão do movimento, sem uma base de apoio consolidada, os islamistas foram obrigados a repensar as suas estratégias e redefiniram um novo inimigo para manter acesa a chama revolucionária. Eles “podiam calcular que ao atingirem países ocidentais, estes ripostariam, o que iria abalar as consciências muçulmanas, pois ao sentirem-se atacados uma vez mais os muçulmanos acabariam por apoiar a luta dos jihadistas”. (Costa, p. 39). Além disso, consideravam a luta contra os governos ocidentais, cuja influência tanto se fazia sentir nos países muçulmanos, uma maneira de enfraquecer os governantes locais, escreve a mesma autora (Costa, p. 39).

Sandra Liliana Costa fala numa segunda geração do movimento. “Com um controlo mais apertado por parte das autoridades e com as próprias comunidades muçulmanas mais alerta para o problema da radicalização”, os adeptos da ideologia jihadista encontram formas alternativas de conseguir treino necessário para entrar em acção (Costa, p. 39). “Não raras vezes, assistiu-se nos últimos anos ao fenómeno da criação de células jihadistas formadas através da autoradicalização, auto-recrutamento e treino auto-didacta, por exemplo, com base em documentos e recursos obtidos via Internet, a qual funciona como um campo de treino virtual”, explica a mesma autora (Costa, p. 39).

Actualmente, a Europa está na vanguarda islamista, quer ao nível doutrinário, quer ao nível da operacionalidade no terreno. É considerada por Walter Laqueur, citado por Henrique Raposo, como a base principal para grupos terroristas (Raposo, 2009, p. 9). “Neste momento, está a ocorrer uma exportação da Jihad para a Europa. E, atenção, essa exportação é feita com base em apoiantes locais da Jihad global e não em voluntários oriundos do coração do mundo árabe”, alerta Reuven Paz, igualmente citado por Henrique Raposo (Raposo, 2009, p. 9). Muitos radicais, expulsos do Médio Oriente, encontram nas mesquistas europeias o local perfeito para centros islamistas vanguardistas e mesmo armazéns, daí Londres ser considerada a capital intelectual do radicalismo islamiata. Alguns radicais como Abu Qatada, Osmar Bakri Mohammed, Abu Hamza e Mohammed al-Massari obtiveram autorização para entrar no Reino Unido, para pregar a violência contra o Ocidente, angariar dinheiro e recrutar jovens para a Jihad. Daí, nota Henrique Raposo, não é de estranhar que o ataque de 7 de Julho em Londres tenha sido levado a cabo por indivíduos que nasceram no Reino Unido.

Com efeito, Sandra Liliana Costa realça que muitos dos jovens descendentes muçulmanos cresceram em sociedades europeias preconceituosas, o que resultou na sua marginalização e alienação. Esta realidade levou muitos deles a procurar uma “identidade alternativa e auto-estima numa suposta vanguarda islâmica global e no cumprimento de um dever honroso”, escreve a autora (Costa, p. 41).  Recorde-se que os autores do atentado de Londres a 7 de Julho de 2005 eram jovens da classe média formados em universidades, que aparentemente até estavam bem integrados na sociedade.

Perante esta realidade, várias pessoas demonstram pessimismo relativamente à presença de radicais islamistas na Europa. O Ocidente poderá apenas conter e não derrotar grupos militares como a Al-Qaeda, entende o chefe das forças armadas britânicas, para quem o extremismo islâmico, enquanto ideia, não é passível de erradicação. O general Sir David Richards, um antigo comandante da NATO no Afeganistão, acrescentou que a militância islamista será uma ameaça ao Reino Unido por, pelo menos, 30 anos (BBC, 2010).

Importa também dizer que a economia ocidental é, há 15 anos, um alvo da Al-Qaeda, mas, desde a crise financeira de 2008, os partidários da rede terrorista compreenderam que esta é muito mais vulnerável e intensificaram os ataques para arruinar os inimigos. “É a estratégia de ferir para levar à falência", afirmou o director do centro de estudos da radicalização terrorista na Fundação pela Defesa das Democracias, um centro de reflexão de Washington. Citado pela AFP, o americano Daveed Gartenstein-Ross acrescentou que "Bin Laden pensa sinceramente que participou na ruína da União Soviética no Afeganistão e o seu objectivo é fazer o mesmo com os Estados Unidos”, já que as guerras do Iraque e do Afeganistão são extremamente caras (AFP, 2010). Os extremistas têm ainda a noção que forçar o Ocidente a instalar dispositivos de segurança eficazes para detectar os artefactos explosivos dos extremistas é uma carga pesada adicional em economias já debilitadas.

Esta estratégia e os efeitos da mesma levam algumas pessoas a prever o pior. Por exemplo, Bernard Lewis, um reputado especialista em questões do Médio Oriente, afirma que a Europa está prestes a ser tomada pelos muçulmanos porque os europeus “estão a perder a lealdade a si mesmos, a sua auto-confiança” e “não têm respeito pela própria cultura”. Para este professor, em breve, o Islão tomará conta de toda a Europa devido à promoção do “multi-culturalismo” e do “politicamente correcto” entre os povos do Velho Continente.

Adelino Torres alerta ainda que o islamismo político parece especialmente perigoso, não só por causa do “terrorismo em si, que poderia ser ou não circunstancial, mas porque aquilo que pressupõe no plano gnosiológico aponta para um retrocesso histórico”. “É uma concepção teológica redutora das relações entre os homens, uma metafísica estreita que perverte o pensamento, contribui para um empobrecimento brutal da criatividade e para a anulação do espírito crítico”, avisa (Torres, p. 9).

Referências bibliográficas:


- AFP (2010), “Al-Qaeda ataca o calcanhar de Aquiles do Ocidente: a economia”, in http://br.noticias.yahoo.com/s/afp/101201/mundo/alqaeda_economia_conflito_transporte&printer=1 (Consultado em Dezembro de 2010).
- BBC Online (2010), “Ocidente não consegue derrotar a Al-Qaeda, diz chefe das forças armadas britânicas”, in http://www.bbc.co.uk/news/world-middle-east-11751888 (Consultado em Dezembro de 2010).
- COSTA, Sandra Liliana, “As várias manifestações do Islamismo na Europa”, in
http://www.google.pt/url?sa=t&source=web&cd=1&ved=0CBcQFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww1.eeg.uminho.pt%2Friap%2Fcp%2Fceupinto%2FProjectoFCT%2FWorking%2520Paper%2520Projecto%2520SC.pdf&rct=j&q=Working%20Paper%20Projecto%20SC%20Sandra%20Liliana%20Costa%20islao%20an%20europa&ei=pq0ITdyKE8a38QPTkKwb&usg=AFQjCNGQxqeo8E3vsma99VhOvlJ6e-4Pzw&sig2=akkeyVMVQxYXtSM_exfg1A (Consultado em Dezembro de 2010).
- RAPOSO, Henrique (2009), “O islamismo nas sociedades europeias – os mitos da comunidade muçulmana, do diálogo de civilizações e do Islão moderado”, in www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/ri/n22/n22a06.pdf  (Consultado em Dezembro de 2010).
- TORRES, Adelino (2005), “Racismo, Islamismo político e modernidade”, in António Custódio Gonçalves (Coordenação de), “O racismo, ontem e hoje”, Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2005, p. 23-39.

Nota: Texto escrito em Dezembro de 2010.

sábado, 14 de julho de 2012

Martírio e oportunismo entre os islamistas

O fenómeno dos mártires do Islão não pode ser dissociado do fundamentalismo islâmico, que encara o Islão não apenas como uma religião, mas também como um sistema que governa os sectores políticos, económicos, culturais e sociais do estado, indo contra o paradigma de estados laicos. Um desses casos é a Jihad Islâmica, que tem como objectivo destruir o Estado de Israel.

Asmed Rashid destaca que movimentos globais, como a Al-Qaeda, que tem por base a ideologia do fundamentalismo islâmico, ignoram a grande Jihad e apontam a pequena Jihad como “filosofia política e social completa”. “É essa perversão da Jihad – como justificação para matar o inocente - que em parte define o novo fundamentalismo radical dos movimentos islâmicos mais extremistas de hoje”, acrescenta (Rashid, 2003, p. 16).

Sandra Liliana Costa escreve que os  jihadistas, ao contrário de outros islamitas, não fornecem qualquer projecto intelectual para a ordem islâmica que almejam. “O seu objectivo resume-se à captura e islamização do Estado e à imposição do seu programa islâmico a toda a sociedade”, denota, acrescentando que “muitos autores defendem que é precisamente esta pobreza em ideias originais que explica a predilecção especial que os islamistas jihadistas têm pelo recurso ao conflito” (Costa, p. 32).

A Jihad agressiva actual luta sobretudo contra o Ocidente, opondo-se a governos islâmicos que estejam associados a países ocidentais. O objectivo final é unificar todo o mundo islâmico, sob a liderança de um Califa, como nos primórdios da história da religião. Os governos dos países muçulmanos considerados corrompidos pela influência ocidental devem ser varridos do mapa na perspectiva do líder da Al-Qaeda. "Chegará o tempo em que vocês desempenharão um papel decisivo no mundo, de forma que a palavra de Alá seja suprema e as palavras dos infiéis sejam subjugadas", prometeu ele aos seus seguidores no texto “A Bomba Nuclear do Islão”. Silas Tostes destaca que “devido as várias concepções de Jihad, mas principalmente entre a versão defensiva e agressiva, há muita tensão no mundo islâmico” (Tostes, p. 46). O historiador francês Marc Ferro, citado por Jaime Oliva, fala mesmo numa guerra civil que está a ser travada no interior do mundo árabe-muçulmano, entre “os que querem modernizar o Islão, e os que querem islamizar a modernidade” (Oliva, 2008).

A Al-Qaeda fomenta o terrorismo em diversos países, nomeadamente onde existem interesses norte-americanos e, devido à sua independência financeira – suportada pelos milhares de seguidores de Obama bin Ladein espalhados por todo o mundo -, tem bastante influência em outros grupos terroristas, o que leva estes últimos a partilharem um sentimento anti-americano. Alcino Cruz escreve que “todos os países ocidentais podem ter a certeza de que não terão descanso, em virtude das acções terroristas serem perpetradas sobre várias formas até que os propósitos do Islão sejam concretizados”, isto é, até que se convertam à religião de Maomé (Cruz, 2002, p. 34).

Referências bibliográficas:


- COSTA, Sandra Liliana, “As várias manifestações do Islamismo na Europa”, in
http://www.google.pt/url?sa=t&source=web&cd=1&ved=0CBcQFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww1.eeg.uminho.pt%2Friap%2Fcp%2Fceupinto%2FProjectoFCT%2FWorking%2520Paper%2520Projecto%2520SC.pdf&rct=j&q=Working%20Paper%20Projecto%20SC%20Sandra%20Liliana%20Costa%20islao%20an%20europa&ei=pq0ITdyKE8a38QPTkKwb&usg=AFQjCNGQxqeo8E3vsma99VhOvlJ6e-4Pzw&sig2=akkeyVMVQxYXtSM_exfg1A (Consultado em Dezembro de 2010).
- CRUZ, Alcino (2002), O pensamento e a humilhação das mulheres da fé islâmica, Lisboa, Campo Grande Editora.
- OLIVA, Jaime (2008), “Paquistão: entre modernizar o Islão ou islamizar a modernidade”, in http://jaimeoliva.blogspot.com (Consultado em Dezembro de 2010).
- RASHID, Ahmed (2003), Jihad – Ascensão do Islão militante na Ásia Central, Lisboa, Terramar.
- TOSTES, Silas, “Jihad e o Reino de Deus”, in instituto.antropos.com.br/downloads/Jihad.pdf  (Consultado em Dezembro de 2010).

Nota:
Texto escrito em Dezembro de 2010.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Mártires do Islão

Um mártir é alguém que morre pela sua fé religiosa, pelo simples facto de professar uma determinada religião ou por agir de acordo com essa mesma religião, daí se poder dizer que Jesus Cristo, por exemplo, foi um mártir. É importante ressalvar que mártir pode ainda ser aquele que morre patrioticamente pela liberdade, a independência ou a autonomia de um povo, por um ideal social ou político ou num conflito.

As primeiras referências a mártires entre muçulmanos remontam ao Imâm Husain, neto de Maomé, que numa batalha em 680 afirmou: “O Profeta disse que aquele que vê um governante exercer a tirania, infringir a lei divina, violar as Ordens de Deus, ir contra o modo de vida do Profeta e governar o povo através da crueldade e do pecado e não se lhe opõe pelas palavras ou pelos actos não será abençoado por Deus (…) Perante este estado de coisas, compete-me substituir o seu Reino pelo Reino da verdade e da justiça ... Anseio morrer como mártir. Viver no meio dos fracos é, já de si, um crime”, escreve Salman Ghaffari, citado por Helder Santos Costa (Costa, 2003, p. 76).

O autor português lembra que em múltiplas passagens do Alcorão encontram-se alusões ao paraíso definido como a “Estância dos bem-aventurados e das delícias”, que são “frutos da obediência a Deus (Costa, 2003, p. 63). Helder Santos Costa frisa ainda que “o voluntário para o martírio tem de estar fortemente motivado para o ingresso no Paraíso”, sendo essa motivação ideológica, religiosa e patriótica (Costa, 2003, p. 67). A organização radical Jihad Islâmica organiza cerimónias aos voluntários para o martírio onde se proclama a sua vitória sobre a morte. Segundo Helder Santos Costa, “existe a crença de que mal a primeira gota de sangue é derramada” por um mártir, “todos os seus pecados são perdoados” (Costa, 2003, p. 67).

De acordo com o mesmo autor, alguns “radicais cultivam a ideologia da morte e até chegam a ser partidários do niilismo até a um dado momento sincrónico, o da sua própria morte, que procuram ver recompensada no Além”. Alguns extremistas pautam o seu modo de estar pelo maniqueísmo, considerando que “o Mundo dos Crentes deverá combater sempre o Mundo dos Não Crentes, até à consumação da vitória final”, acrescenta. Neste sentido, muitos extremistas subscrevem algumas máximas” de Bin Laden, tais como “o amor a este mundo é errado, deveis amar o outro mundo” ou “nós amamos a morte, os norte-americanos amam a vida” (Costa, 2003, p. 26).

Várias associações que aplaudem actos suicidas são não raras vezes as mesmas que constroem esses actos suicidas. Alcino Cruz chama a atenção que “as organizações terroristas estão interligadas nas suas acções” e têm chefes supremos à cabeça para converterem alguns muçulmanos a tornarem-se suicidas, sendo que muitas vezes estes últimos são instruídos desde crianças a tornarem-se mártires contra os governos ou contra aqueles que não são muçulmanos (Cruz, 2002, p. 35). O mesmo autor reforça, num livro bastante crítico, que jovens muçulmanos são persuadidos pelos seus correligionários directos a tornarem-se mártires, “devido, provavelmente, ao obscurantismo, superstição e ignorância que têm, em virtude de aprenderem, desde crianças, só a recitar versículos do Alcorão, sem, portanto, aprenderem outro conhecimento crítico” (Cruz, 2002, p. 7).

Seja qual for a motivação, a maioria do suicidas em ataques terroristas são recordados com grande respeito e admiração, sendo inclusive ídolos de futuros mártires pela mesma causa.

Referências bibliográficas:


COSTA, Helder Santos (2003), O Martírio no Islão, Lisboa, ISCSP.

CRUZ, Alcino (2002), O pensamento e a humilhação das mulheres da fé islâmica, Lisboa, Campo Grande Editora.

Nota: Texto escrito em Dezembro de 2010.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Jihad desde Maomé à Al-Qaeda

Para entender as diferentes interpretações de Jahid é preciso dar longos passos atrás na história. Na verdade, o conceito tem-se modificado ao longo de 14 séculos, de Maomé a Obama bin Laden.
Os Hadith, uma compilação de relatos das acções e ensinamentos de Maomé, esclarecem detalhes do Alcorão, facilitando indicações precisas quanto a tratados, espólios, prisioneiros, tácticas e muito mais. A partir desses preceitos, os juristas muçulmanos criaram mais tarde um conjunto de leis. Com efeito, o processo iniciado pelo Maomé teve um sucesso tão grande que, após oito anos de pregação e combate, o profeta conseguiu a submissão de Meca, no ano 630. Durante os anos que esteve no poder, Maomé travou, em média, nove batalhas militares por ano, por isso pode dizer-se que a Jihad ajudou a definir o perfil do Islão desde o princípio. O exemplo de Maomé e o califado dos seus quatro sucessores representam um período de referência para todos aqueles que regem a sua vida pelos ditos do Alcorão. “Os muçulmanos entendem que foi graças ao Alcorão que acabaram por realizar tantas e tão gloriosas conquistas” no passado, pegando desde logo nos exemplos de vida dos companheiros do profeta que sacrificaram as suas vidas pela fé islâmica (Costa, 2003, p. 23).

Com o fim das conquistas, altura em que dominou uma Jihad agressiva e expansiva, os não-muçulmanos deixaram de representar uma ameaça e ganhou espaço a Jihad Maior.
Entretanto, as Cruzadas - o esforço militar europeu para controlar a Terra Santa, na altura sob domínio dos muçulmanos turcos - deram à Jihad Menor, em concreto defensiva, uma nova urgência. No século XII, as invasões mongólicas subjugaram grande parte do mundo islâmico e alguns pensadores chegaram a fazer uma distinção entre falsos e verdadeiros muçulmanos e a conferir à Jihad uma nova importância, julgando a fé de uma pessoa pela sua determinação em lutar.

No século XIX, as Jihads chamadas “purificadoras” voltaram-se contra os próprios muçulmanos em algumas regiões, como na Arábia. Entretanto, o imperialismo europeu também inspirou os esforços de resistência jihadista em locais como a Índia, o Cáucaso, a Somália e Marrocos, mas todos fracassaram.

“O novo pensamento islamista surgiu no Egipto e na Índia nos anos 20, mas a Jihad só tomou a forma de uma guerra ofensiva radical com o pensador egípcio Sayyid Qutb, morto em 1966. Qutb retomou a distinção de Ibn Taymiya entre falsos e verdadeiros muçulmanos para acusar os não-islamistas de não serem muçulmanos e, assim, declarar uma Jihad contra eles. Então, o grupo que assassinou Anwar El-Sadat em 1981 acrescentou a ideia de Jihad como o caminho para a dominação mundial”, escreve Daniel Pipes (Pipes, 2005). Prémio Nobel da Paz em 1978 e presidente do Egipto entre 1970 e 1981, Muhammad Anwar Al Sadat foi assassinado por membros da Jihad Islâmica Egípcia infiltrados no exército e que se opunham às negociações com Israel.

Surgiu, entretanto, uma nova tendência dentro do Islamismo, que marca o crescimento do secularismo entre os muçulmanos, como na Turquia. A par deste crescimento, virou-se mais uma página em direcção à dominação mundial por parte dos muçulmanos, em concreto na guerra contra os soviéticos no Afeganistão, já que, pela primeira vez, jihadistas do mundo inteiro reuniram-se num país para lutar em nome do Islão. “Um palestino, Abdullah Azzam, tornou-se o teórico da Jihad global na década de 80 atribuindo-lhe um papel central sem precedentes, julgando cada muçulmano exclusivamente por sua contribuição à Jihad e fazendo desta a salvação dos fiéis e do Islão. O terrorismo suicida e Bin Laden não tardaram a surgir” (Pires, 2005). Entre a década de 90 e a actualidade, este sentimento tem crescido através da Al-Qaeda e de grupos semelhantes, que formam uma complexa rede mundial.

Referências bibliográficas:


COSTA, Helder Santos (2003), O Martírio no Islão, Lisboa, ISCSP.
PIPES, Daniel (2005), “A Jihad através da História”, in New York Sun (Consultado em http://pt.danielpipes.org/ em Dezembro de 2010).

Nota: Texto escrito em Dezembro de 2010.