terça-feira, 29 de maio de 2012

"A Vergonha da Europa"

Gunter Grass, após ter sido considerado "persona non grata" causa novamente polémica. 
A partir de um poema, crítica a Europa, especialmente a Alemanha e a atitude da chanceler Angela Merkel, que advoga a austeridade como única solução para a Grécia sair da crise. 
No poema intitulado "a vergonha da Europa",  recorre à história evidenciando os feitos gregos, que permitiram o surgimento do pensamento europeu, contrapondo com a sua situação actual, «(...) à pobreza condenada (...)».
As críticas cedo surgiram. Saliento as declarações de Gunther Krichbaum, presidente da comissão de assuntos europeus do Bundestag (parlamento alemão), onde afirma que o poema de Grass ignora a realidade, acrescentando que a Grécia foi grandemente ajudada por todos os cidadãos europeus. 

Abaixo encontram o poema traduzido. Leiam e retirem as vossas próprias conclusões.

«À beira do caos porque fora da razão dos mercados, 
Tu estás longe da terra que te serviu de berço.

O que buscou a Tua alma e encontrou
rejeita-lo Tu agora, vale menos do que sucata.

Nua com o devedor no pelourinho sofre aquela terra
a quem dizer que devias era para Ti tão natural como falar.

À pobreza condenada a terra da sofisticação
e do requinte que adornam os museus: espólio que está à Tua cura.

Os que com a força das armas arrasam o país de ilhas
abençoado levavam com a farda Holderlin da mochila.

País a custo tolerados cujos coronéis
toleraste outrora na Tua Aliança.

Terra sem direitos a que o poder
do dogma aperta o cinto mais e mais.

Trajada de negro. Antígona desafia-te e no país inteiro
o povo cujo hóspede foste veste-se de luto.

Contudo os sósias de Creso foram em procissão entesourar
fora de portas tudo o que tem a luz de ouro.

Bebe duma vez, bebe! grita a claque dos comissários, 
mas Sócrates devolve-Te, irado, a taça cheia até à borda.

Os deuses amaldiçoarão em coro quem és e o que tens
se a Tua vontade exige a venda do Olimpo.

Sem a terra cujo espírito Te concebeu, Europa, 
murcharás estupidamente[1]». 


[1] Retirado do seguinte endereço electrónico http://aventar.eu/2012/05/28/a-vergonha-da-europa-2/, consultado a 28 de Maio de 2012;

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Fundamentalismo étnico

No âmbito do trabalho académico que fiz sobre fundamentalismos, já expliquei aqui porque é que os fundamentalismos são problemas sociais e abordei o fundamentalismo religioso. Em próximos posts falarei ainda de fundamentalismo de mercado e fundamentalismo ecológico. Por agora, deixo umas linhas sobre fundamentalismo étnico. Obrigada por acompanharem.

É necessário desde logo referir que para além de traços físicos semelhantes que os unem, os elementos de um grupo étnico reivindicam uma estrutura social, política e um território.
Este tipo de fundamentalismo, que chega a assumir pretensões separatistas e a levar os seus defensores a ocuparem lugares políticos em parlamentos, propõe um regresso ao conjunto de características tradicionais de um grupo que acabou por 'perder-se' dentro de um aglomerado maior, que se impôs pela diversidade cultural, social e económica. Neste sentido, como explica Lynn Freeman, os fundamentalistas étnicos vêem-se como parte de uma “comunidade em perigo”, por isso envolvem-se em activismos e projectos políticos, sendo orientados de uma forma pragmática para o futuro, mais do que pela espiritualidade (Freeman, 1996, p. 57).

Carlos Diogo Moreira esclarece  que “a questão étnica reaparece constantemente como problema antropológico cada vez que os homens se socorrem, para seu reconhecimento, da sua identidade cultural”, sendo que “nestas ocasiões os grupos humanos insistem nas suas particularidades e tornam-nas relevantes no contacto com outras identidades” (Moreira, p. 6 e 7).

Ao falar de fundamentalismo étnico, recorde-se que os problemas sociais são vistos como resultado de “uma quebra das regras e do controlo social (...) causados sobretudo pelo processo de migração e mudança social rápida (Ritzer, 2007, p. 4498).

Francisco Fernández-Buey dá conta de uma realidade psicológica que ainda agrava mais todo o tipo de fundamentalismos: “pretendemos caracterizar a todos os membros de uma cultura que não a nossa com um só traço negativo” e “reservamos as matizes, o reconhecimento de ambivalências e ambiguidades para quando falamos dos 'nossos'” (Fernández-Buey, p. 3). Não é, portanto, de estranhar que o fundamentalismo negue o pluralismo.

Hélder Santos Costa chama a atenção que quando o fundamentalismo chega ao aparelho estatal, o Estado passa a organizar-se com base num suporte ideológico, neste caso a defesa de uma étnica, dando o exemplo do Nazismo, na Alemanha, e do “Apartheid”, na África do Sul, (Costa, 2006, p. 250 e 251).

O Partido Nazista associava o conceito de identidade nacional à raça ariana do povo germânico, considerando-a superior, através do princípio da unidade étnica, com o objectivo de elevar o moral e o orgulho do povo alemão, humilhado pela derrota na I Guerra Mundial. Com o intuito de destacar a raça ariana, o executivo de Adolfo Hitler entendia que devia conquistar mais território e perseguir os povos não arianos - vistos como inimigos -, para além de apostar na natalidade. Este fundamentalismo étnico, provavelmente o mais flagrante, traduziu-se num dos mais graves problemas sociais, já que levou a um dos maiores genocídios da História.

Já o “Apartheid”, aplicado por um governo de maioria branca que privou os negros da sua cidadania sul-africana e forneceu-lhes serviços públicos de pior qualidade, gerou bastante violência.  Além deste problema social, provocou ainda danos económicos, com alguns países a aplicarem um embargo comercial contra a África do Sul.

São inúmeros os exemplos de fundamentalismos étnicos na História, que, não raras vezes, estão ligados a fundamentalistas religiosos, como acontece no 'eterno' conflito na Faixa de Gaza, entre israelitas e palestinianos.

Joyce A. Green nota que o fundamentalismo leva a processos políticos rígidos susceptíveis de transgredir os direitos humanos (Green, 2003, p 1), como o provou o Nazismo, que cometeu vários crimes contra a humanidade. A mesma autora faz a ligação entre o fundamentalismo étnico e fundamentalismo nacionalista, que se torna problemático em estados com múltiplas nações (Green, 2003, p. 5).

Com efeito, o Estado, que deveria colocar um travão em problemas sociais, como os fundamentalismos de toda a ordem, é muitas vezes responsável pelos mesmos, seja como actor ou como espectador passivo. Josep Ramoneda, citado por Marilena Chauí, fala num “empenho para construir um novo inimigo, porque o medo é sempre uma ajuda para o governante”, que consegue assim coesão nacional e, consequentemente, que o povo seja menos exigente quanto às medidas aplicadas dentro do país.

Veja-se que aliados ao fundamentalismo étnico estão, invariavelmente, outros situações de origem ideológica, como preconceito, racismo ou segregação, que separam a população e motivam problemas sociais de outra ordem, normalmente mais graves.

António de Almeida Santos alerta que, por exemplo, na União Europeia, “onde uma unificação de mercados esteve na base da erradicação de conflitos armados entre os respectivos Estados-membros, renascem conflitos étnicos e religiosos que fazem de novo apelo à violência armada”, frisando que a “limpeza étnica” estava “apenas adormecida”. “O Holocausto nazi não foi necessariamente o último”, avisa (Santos, 1998, p 181).

Urge assim aos Estados assumirem um papel essencial no sentido de unir etnias diferentes dentro de um território, respeitando a diferença de cada uma delas e encarando o multiculturalismo como um enriquecimento.


Referências bibliográficas:

- CHAUÍ, Marilena, “Fundamentalismo religioso: a questão do poder teológico-político”, in http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/secret/filopolconbr/Chaui.pdf  (Consultado em Janeiro de 2011).
- COSTA, Helder Santos (2006), Temas e problemas das ciências sociais: introdução às ciências sociais”, Lisboa, ISCSP.
- FERNÁNDEZ-BUEY, Francisco, “Emigrações e interculturalidade”, in http://www.google.pt/url?sa=t&source=web&cd=1&ved=0CBkQFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww.equintanilla.com%2Fweb_nueva%2Fprivado%2Fimagenes%2Femigraciones_e_interculturalidad.pdf&ei=4F0wTeiRC5Tw4gbzx7GMCg&usg=AFQjCNHmbAvlwBybNgyuuwZ9v5PFfeJEwA&sig2=UixP_7fF--kaeSRCTjtrjA (Consultado em Janeiro de 2011).
- FREEDMAN, Lynn P, (1996), “O desafio do fundamentalismo”, in Reproductive Health Matters, n.º 8, p. 55-69.
- GREEN, Joyce A. (2003), “Fundamentalismo étnico e cultural: o potencial da mistura de identidade, libertação e opressão”, Canadá, Instituto de Política Pública de Shaskatchewan da Universidade de Regina.
- MOREIRA, Carlos Diogo, “O fenómeno étnico e as relações interculturais”, Lisboa, Boletim da Academia Internacional da Cultura Portuguesa, nº 19., p. 5-23.
- RITZER, George (ed.) (2007), The Blackwell Encyclopedia of Sociology, Wiley-Blackwell.
- SANTOS, António de Almeida (1998), Por favor, preocupem-se!, Lisboa, Editorial Notícias.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

"Presidenciais Egípcias. Uma dúzia de candidatos."


No Egipto decorrem as eleições presidenciais. Iniciadas ontem, quarta-feira (23 de Maio), marcam história uma vez que são as primeiras eleições livres naquele território.
Dos doze candidatos, destacam-se Abdel Moneim Aboul Fotouh, Mohamed Morsy, Amr Moussa e Ahmed Shafik. No artigo de opinião de Raúl M. Braga Pires, "Presidenciais Egípcias. Uma dúzia de candidatos", que pode ler aqui, é exposto de forma sucinta as características de cada um dos referidos quatro candidatos. No seu entender a segunda volta das presidenciais, que decorrerão em Junho, entre o dia 16 e 17, serão disputadas muito provavelmente entre Abdel Moneim Aboul Fotouh e Amr Moussa.
De acordo com as várias reportagens jornalísticas publicadas, tem quem acredite que a vitória de Amr Moussa ou de Ahmed Shafik, conotados com o antigo regime, possa contribuir para uma nova revolução. Apesar de tal, as sondagens apontam para uma luta entre aqueles, perspectivando que o novo presidente egípcio seja um dos homens do antigo regime.
Para o autor de "Presidenciais Egípcias. Uma dúzia de candidatos", o novo presidente do Egipto terá que garantir ao Conselho Supremo das Forças Armadas (CSFA), a manutenção da paz com Israel, que futuras privatizações não interfiram com os interesses pessoais e corporativos dos militares e ainda que o Processo de Paz Israelo-Palestiniano continue a ser gerido pelo Serviço Geral de Inteligência do Egipto.
Impera salientar que o novo presidente não conhecerá os seus poderes, uma vez que a Constituição egípcia não foi  ainda revista. Relativamente aos militares que prometeram abandonar o poder após as eleições presidenciais, a população não acredita que tal venha a suceder. Alguns advogam que os militares deverão emendar a Constituição de forma a perpetuarem-se no poder, aumentando a sua autoridade e diminuindo os poderes do presidente. 
 Colocadas de parte todas as "suposições" o certo é que será a primeira vez que um civil torna-se presidente desde 1952.


Fundamentalismo religioso

Os fundamentalistas são os seguidores mais conservadores de uma religião, chegando, por vezes, a desenvolverem-se de forma militar, considerando que a sua causa – da maior importância – justifica os meios utilizados. Esta realidade é bem antiga. Fundamentalistas estiveram na base das Cruzadas, movimentos militares de inspiração cristã que pretendiam conquistar a cidade de Jerusalém entre os séculos XI e XIII.

Enquanto no Cristianismo, o fundamentalismo foi uma reacção ao modernismo que começava a espalhar-se nas igrejas norte-americanas e uma defesa das doutrinas fundamentais do Evangelho, que os teólogos modernistas já não consideravam verdadeiras, no Judaísmo, este movimento nasceu entre os judeus Haredi, que se consideram os "verdadeiros judeus da Torah" e que vivem estritamente no modo religioso. Existem realidades equivalentes no hinduísmo e noutras religiões mundiais.

Devido à conotação negativa que a palavra adquiriu – muito por culpa de acções terroristas -, variados grupos de fundamentalistas rejeitam ser considerados ao abrigo deste termo. Entre os cristãos, o termo começou a ser rejeitado, em concreto na década de 1980,  durante os conflitos no Líbano, quando o Hezbollah e outras facções islâmicas começaram a ser apelidadas de fundamentalistas.

É, desde logo, preciso ter em conta o oportunismo da religião que, não raras vezes, predomina na planificação de ataques terroristas. Ao tentar destruir outros estados, Osama bin Laden dirigia-se a todos os muçulmanos como 'irmãos', com o propósito de criar uma proximidade entre eles e a causa que defendia. “Não interessa qual a narrativa ou o plano que é partilhado por todos os fundamentalistas. A homogeneidade ideológica é uma ficção. Os fundamentalistas envolvidos no terrorismo fingem que todos partilham objectivos e valores comuns” (Kushner, p. 30).

Os fundamentalistas tentam converter os religiosos da comunidade maior onde estão inseridos, tentando convencê-los de que não estão a vivenciar a versão autêntica da religião professada. Não raras vezes, a restante comunidade religiosa dentro de uma determinada fé encara os fundamentalistas como dissidentes, o que leva a separações dentro das mesmas confissões religiosas.

Este fenómeno é um dos problemas mais graves e de difícil resolução que os governantes enfrentam actualmente, dado que joga num terreno que ultrapassa a comum laicidade dos Estados. Enquanto alguns problemas sociais podem ser resolvidos a longo prazo com políticas, apoios económicos ou sensibilização, outros extravasam o campo de acção dos governos, pois envolvem crenças pessoais, na maior parte das vezes herdadas e encaradas como essenciais para uma vida completa (que vai para além da morte).

Contudo, os Estados podem assumir um papel na contenção do fundamentalismo radical, começando, desde logo, pela integração. Muitos dos descendentes muçulmanos cresceram em sociedades ocidentais preconceituosas, o que resultou na sua marginalização. Por isso não causa estranheza o facto de os atentados de 7 de Julho em Londres terem sido levados a cabo por jovens formados da classe média e aparentemente bem integrados na sociedade. Além disso, os governantes não deviam cansar-se de frisar a distinção entre terrorismo e Islamismo.

Um outro problema para os Estados na hora de abordar o fundamentalismo levanta-se quando as religiões vão de encontro aos direitos do Homem. Frisando que se trata de um tema social gerador de “enorme polémica por ser um dos mais complexos”, Helder Santos Costa dá conta de uma perspectiva segundo a qual “as tradições religiosas podem interferir nos direitos humanos e os líderes religiosos podem até sustentar o primado das tradições sobre os direitos” (2006, p. 363). Estas posições, já de si preocupantes, aliadas a fundamentalismos crescentes, configuram um dos maiores problemas da actualidade.

Para ler sobre fundamentalismos enquanto problemas sociais, clique aqui.

Referências bibliográficas:

COSTA, Helder Santos, Temas e problemas das ciências sociais: introdução às ciências sociais”, Lisboa, ISCSP.
KUSHNER, Harvey W. (1998), O futuro do terrorismo: violência no novo milénio, Thousand Oaks, SAGE.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Fundamentalismos enquanto problemas sociais

A palavra fundamentalismo tem estado cada vez mais na boca do mundo, sobretudo desde o 11 de Setembro de 2001, em que um grupo de terroristas, apelidado de fundamentalista, espalhou o terror no meio de uma sociedade que se considerava segura e organizada. Porém, é bom lembrar que fundamentalismos existem há muito tempo e defendem diversas causas.

Perante a pluralidade que caracteriza a maior parte das sociedades actuais, os fundamentalistas têm menos margem de manobra, daí, não raras vezes, darem a conhecer as suas ideias da pior forma.

Além disso, os próprios fundamentalismos tentam recriar uma sociedade demasiado fechada, o que se complica ainda mais num mundo democrático, cheio de conhecimento e oportunidades.

Mas o que é o fundamentalismo? Constitui um movimento que pretende um regresso àquilo que são os princípios fundamentais que estiveram na origem de um grupo em particular. Este conceito aparece comummente relacionado com grupos dissidentes que, de forma premeditada, rejeitam identificar-se com o grupo que domina uma sociedade, acusando-o de se ter desviado dos princípios fundamentais e de se ter corrompido entre princípios alternativos contrários à identidade original. O fundamentalista acredita nos seus dogmas como verdade absoluta e indiscutível, recusando abertura ao diálogo. O fundamentalismo trata-se, assim, de um problema social de origem ideológica, como também o é a xenofobia.

A expressão foi usada pela primeira vez nos Estados Unidos, na década de 1920, entre cristãos protestantes anglo-saxões, que “compilaram artigos de natureza doutrinária (…), que viriam a consagrar o património sagrado insusceptível de negociação”, segundo António de Sousa Lara, citado por Teresa de Almeida e Silva (2010, p. 237). “Esta colectânea de 12 panfletos mereceu a designação de 'Fundamental' e os seus apoiantes e seguidores a de 'Fundamentalists'”, acrescenta.

A mesma autora explica que esta compilação de textos surgiu em “reacção ao declínio moral e espiritual que se alastrava no seio do protestantismo”, visando restaurar a fé histórica (2010, p. 237 e 238). Na altura, a sociedade moderna começava a guiar-se por leis humanas e deixava de lado as divinas, afectando os hábitos e o estilo de vida.

Apesar de ter nascido no seio do Cristianismo, o termo foi aplicado noutras religiões até passar a estar actualmente associado ao Islão.

Usado normalmente de forma pejorativa, o termo refere-se sobretudo a grupos religiosos que vão de encontro aos princípios defendidos pela maioria ('fundamentalismo religioso') e a movimentos étnicos extremistas ('fundamentalismo étnico'). Por se referir a uma crença irracional e exagerada, que não raras vezes roça o fanatismo, o termo passou ainda a ser usado por outras ciências, como a Economia, que fala em 'fundamentalismo de livre mercado'. Contudo, cada vez mais a palavra entra nos discursos a propósito das mais variadas temáticas. O termo 'fundamentalismo estatal' é um desses casos.

É pois necessário diferenciar fundamentalista de extremista: enquanto o primeiro defende acerrimamente a sua fé, o segundo usa a força para defender a sua posição.

Para considerar o fundamentalismo um problema da sociedade importa lembrar à partida, como escreve George Ritzer, que problemas sociais são normalmente condições e formas de comportamento que subvertem o funcionamento de instituições sociais importantes e causam danos em indivíduos e grupos sociais (Ritzer, 2007, p. 4496).

Apesar de os problemas sociais serem encarados como “indicadores de um estado patológico da sociedade e/ou causados por patologias individuais”, os argumentos centrais contra a ideia de patologia social são que “os valores e as normas na sociedade estão a mudar e têm de ser diferentes para diferentes grupos em sociedades diferenciadas”, ressalva o mesmo autor (Ritzer, 2007, p. 4498).

“Nestes tempos actuais ditos “pós-modernos” - na verdade apenas contra-iluministas – (…) os direitos humanos vêem-se ameaçados por todo o tipo de fundamentalismos (Alves, 2001, p. 242), por isso os cientistas sociais encaram todos os géneros de fundamentalistas “como um problema social crescente e uma ameaça a uma ordem mundial civilizada” (Campbell, 2000, p. 289).

Nota: Para breve uma exposição mais aprofundada sobre fundamentalismo religioso, étnico, de mercado e ecológico.

Referências bibliográficas:

ALVES, José Augusto Lindgren (2001), Relações Internacionais e temas sociais: a década das conferências, Brasília, Instituto Brasileiro de Relações Internacionais.
CAMPBELL; George van Pelt (2000), “Religião e cultura: desafios e possibilidades na próxima geração”, in Journal of the Evangelical Theological Society, 43/2, p. 287 a 301.
RITZER, George (ed.) (2007), The Blackwell Encyclopedia of Sociology, Wiley-Blackwell.
SILVA, Teresa de Almeida e (2010), Sociedade e cultura na área Islâmica, Lisboa, ISCSP.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Entrevista a Mahmoud al-Zahar (líder do Hamas)

Deixo-vos abaixo a entrevista da euronews a Mahmoud al-Zahar, líder do Hamas, não só é interessante como também pertinente, para todos aqueles se interessam pelo Médio Oriente, especialmente pelo conflito israelo-palestiniano.


«O Hamas e a Fatah chegaram a acordo, a 6 fevereiro em Doha, que o presidente da Autoridade Nacional Palestiniana ficaria encarregue de organizar eleições no território. Os encontros sucedem-se e não há progressos. Esta decisão é criticada por parte da hierarquia do Hamas, continua sem ser implementada. Um dos elementos dessa facção mais radical do Hamas, é Mahmoud al-Zahar. 

A Euronews entrevistou aquele que é visto como um dos líderes mais poderosos e extremistas do movimento. 

Mohammed Shaikhibrahim, euronews:
“Porque rejeitou o acordo de Doha? O Hamas dentro do território palestiniano teve muitas reservas sobre o acordo, apesar de ter sido aprovado pelo chefe político do Movimento.”

Mahmoud al-Zahar, Hamas:
“Primeiro, o acordo do Cairo, de há quatro anos dizia que precisamos de formar um governo de unidade nacional, que não inclui membros nem do Hamas, nem da Fatah, nem de outras fações palestinianas. Este é o primeiro ponto do acordo do Doha.”
O acordo pedia um governo neutro, formado a partir de eleições livres e justas mas havia pressões dos Estados Unidos e de Israel para que não fosse formado esse executivo de unidade nacional. Queriam o governo que aceitasse todas as condições que impunham. O que não é aceitável para o Hamas, porque prejudica o povo palestiniano. Por outras palavras, o acordo de Doha não garante a integridade das eleições e Abu Mazen não tem autoridade para organizar qualquer escrutínio justo.

Mohammed Shaikhibrahim, euronews:
“Porque não aceita Mahmoud Abbas como presidente do governo de transição?”

Mahmoud al-Zahar, Hamas:
“Porque Abu Mazen é o responsável pela cooperação com Israel, é o responsável pelo resultado das eleições e da detenção de membros do Hamas. Além disso, é responsável pela confiscação de dinheiro do Movimento e por estar a limitar a liberdade. Assim sendo, como pode ele assegurar que as eleições vão ser justas.”

Mohammed Shaikhibrahim, euronews:
“Depois de assinar o acordo de Doha, surgiu o desentendimento entre os líderes do Hamas que estão no Território Palestiniano e os representantes do Movimento no estrangeiro. Considera que Khaled Meshaal não consultou a organização antes de assinar o acordo?”

Mahmoud al-Zahar, Hamas:
“Como lhe disse, não quero falar sobre esse assunto, porque não tem qualquer efeito no terreno.”

Mohammed Shaikhibrahim, euronews:
“É verdade que recebe apoio financeiro e militar do Irão?”

Mahmoud al-Zahar, Hamas:
“Recebemos todo o tipo de apoio de todo o mundo Árabe e Muçulmano, todos os que nos querem dar, nós recebemos. Nós somos o lado mais fraco e o inimigo de Israel tornou-se numa potencia nuclear.”

Mohammed Shaikhibrahim, euronews:
“No caso de Irão ser atacado por Israel ou pelos Estados Unidos, qual seria a posição do Hamas?”

Mahmoud al-Zahar, Hamas:
“Nós somos contra qualquer agressão a qualquer Árabe ou Muçulmano. Mas o Irão é suficientemente forte para se defender sozinho, em todos os sentidos. Se o Irão fosse um alvo fácil, acredito que Israel não o iria querer atacar.”

Mohammed Shaikhibrahim, euronews:
“Volto a perguntar-lhe, no caso do Irão ser atacado, o Hamas vai manter-se em silêncio ou avança para a ação militar?”

Mahmoud al-Zahar, Hamas:
“Não vou responder-lhe a essa questão.”

Mohammed Shaikhibrahim, euronews:
“Em relação ao que está a acontecer na Síria, o Hamas está a apoiar o regime sírio ou os revolucionários que pedem a saída do presidente Bashar al-Assad e o fim do regime?”

Mahmoud al-Zahar, Hamas:
“Nós não somos uma potência regional que suporte este ou aquele lado. Queremos apenas que a Síria seja forte em todos os sentidos.”

Mohammed Shaikhibrahim, euronews:
“Mas Ismail Haniyeh anunciou há algumas semanas no Cairo que o Hamas apoiava a revolução Síria, o que provocou uma grande surpresa. É uma mudança na estratégia do Hamas?”

Mahmoud al-Zahar, Hamas:
“Deixe-me esclarecer esse assunto. Ele disse que nós apoiamos a exigências do povo sírio e na realidade o governo sírio diz que está disposto a aceitar as exigências do povo.”

Mohammed Shaikhibrahim, euronews:
“Mas apoia ou não o regime Sírio?”

Mahmoud al-Zahar, Hamas:
“Acho que já lhe respondi sobre esse assunto mais de três vezes e você quer que lhe dê uma determinada resposta.”

Mohammed Shaikhibrahim, euronews:
“Só estou a tentar perceber se existe uma relação sólida com o regime Sírio, se ainda existe uma aliança.”

Mahmoud al-Zahar, Hamas:
“Acho que a minha resposta a essa questão foi clara.”

Mohammed Shaikhibrahim, euronews:
“Então porque é que o Hamas deixou a Síria logo no início da revolução?”

Mahmoud al-Zahar, Hamas:
“Essa decisão foi individual e não uma decisão política.”

Mohammed Shaikhibrahim, euronews:
“Como vê a posição da Europa sobre o que está a acontecer em Gaza desde que o Hamas está a controlar o território?”

Mahmoud al-Zahar, Hamas:
“Deixe-me corrigi-lo: o movimento não está a controlar. Estamos sim a governar de acordo com os resultados da eleição e porque o projeto do Ocidente não quer que o projeto islâmico cresça. Descrevem esta presença democrática como controlo. Temos que governar Gaza, a Cisjordânia e Jerusalém porque estes foram os resultados das eleições. Mas volta a repetir-se a hipocrisia do Ocidente contra o mundo muçulmano e islâmico, sobretudo não querem aceitar o resultado de eleições livres e justas, que todo o mundo viu. Gostava de lhes fazer uma série de questões, que naturalmente não iam aceitar o desafio de responder. A primeira delas é: Qual é a origem do nosso território antes de 1948, era terra judaica? Pertencia a Israel? Ou pertencia aos muçulmanos árabes palestinianos? Gostava que me dessem a resposta.
A segunda: os judeus regressaram ao território, três mil anos depois para criar um Estado, porque os seus antepassados viveram aqui…e isto é chamado pelo Ocidente, de direito de regresso?
Aceitam este direito de regresso? Então aceitam que regressemos a Espanha outra vez, já que a deixamos em 1492 e permitem que o Reino Unido volte para a Índia e para o mundo árabe e que França volte a ocupar a Síria, o Líbano e a Algéria. Se perguntar aos franceses o que pensam da ocupação, vão dizer-lhe que é ilegal, tal como foi a ocupação Nazi de França e que a resistência de Charles de Gaulle foi um ato de luta pela liberdade. Mas em relação à ocupação da Palestina por Israel, já não vão falar da mesma foram, porque é uma posição hipócrita.” 

Mohammed Shaikhibrahim, euronews:
“O que espera o Hamas depois das revoluções no Egipto, na Líbia e na Tunísia e do que está a acontecer agora na Síria?”

Mahmoud al-Zahar, Hamas:
“O Hamas é um movimento islamita, nós temos a mesma política destes movimentos e tendências: as mesmas crenças, os mesmo pilares dos movimentos que têm o poder no Egipto, Líbia, na Tunísia, em Marrocos e também no Iemen. Por isso, qualquer líder que apareça de forma democrática vai poder expressar a opinião nas ruas e vai, com toda a certeza, apoiar a posição do Hamas. Vão rejeitar a ocupação e agressão dos territórios palestinianos. Assim sendo, considero que no futuro próximo, o Hamas só tem a ganhar.”»

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Objectivos de Desenvolvimento do Milénio e Segurança Humana

Os países membros da ONU decidiram, em 2000, assumir oito Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM), onde direitos humanos, igualdade, desenvolvimento e cooperação são palavras-chave. Seis dos oito objectivos traçados reportam directamente à melhoria das condições de vida, sobretudo dos mais desfavorecidos, visando erradicar a pobreza extrema e a fome, atingir o ensino primário universal, promover a igualdade de género, reduzir a mortalidade infantil, melhorar a saúde materna e combater o VIH/Sida, a malária e outras doenças graves. Os dois objectivos restantes visam garantir a sustentabilidade ambiental e a criação de uma parceria global para o desenvolvimento.

É impossível desligar o conceito de ODM da globalização e da ideia de segurança humana, que passa não só por criar sistemas políticos, sociais, económicos, entre outros, que garantam o respeito dos direitos humanos, mas também por fornecer às populações instrumentos para que elas aprendam o usar os seus recursos para se defenderem. Ou seja, quando se fala em segurança humana, não é tanto o Estado que está em causa, mas antes o indivíduo. Assim, ameaças como actos de terrorismo são uma questão sobretudo de segurança humana, já que afectam o bem-estar da população e põem em causa a estabilidade político-social de um país ou região.

“Não é possível combater a pobreza e a fome se as populações não estiverem em segurança, e não há segurança se as populações passarem fome”, denota o Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais (IEEI), que reconhece uma nova forma de pensar a segurança das populações no século XXI.

Destaque também para o facto de tanto os ODM como a segurança humana apostarem no envolvimento de novos actores, para além do Estado, como por exemplo associações, organizações e indivíduos, dependendo da cooperação.

Desafios aos ODM e à segurança humana

No relatório de 2010 sobre o cumprimento dos ODM, a ONU destaca que a crise económica afectou os empregos e os rendimentos em todo o mundo, mas não afectou a consecução da meta dos ODM, que consiste em reduzir a taxa de pobreza extrema para metade até 2015. O relatório realça uma série de êxitos, para além de avaliar o impacto humano da ausência de progressos suficientes no que respeita a muitos dos objectivos. "Ao mesmo tempo, é manifesto que as melhorias na vida dos pobres têm sido inaceitavelmente lentas e que alguns avanços duramente conquistados estão a ser erodidos pelas crises climática, alimentar e económica”, escreve Ban Ki-moon no preâmbulo do relatório. O documento refere avanços significativos na escolarização de crianças no ensino primário, em muitos países pobres, especialmente em África, bem como intervenções vigorosas nos domínios da luta contra a Sida e a malária e na saúde infantil. O documento afirma ainda que há uma boa probabilidade de se atingir a meta do acesso à água potável. Porém, as desvantagens que afectam os pobres e as pessoas que vivem em zonas remotas, que têm deficiência ou que são discriminadas devido à sua etnia ou sexo têm dificultado o avanço em muitas outras frentes (Fontes, 2010).

"A cinco anos do fim, é completamente inaceitável que os líderes mundiais ainda não tenham chegado a acordo no sentido de tomarem acções concretas para acabar com a discriminação e outras violações aos direitos humanos que impedem os ODM de beneficiarem aqueles que mais precisam deles", disse Salil Shetty, secretário-geral da Amnistia Internacional (Expresso, 2010). A organização criticou o facto de o discurso dos líderes muitas vezes não se traduzir em acções e defendeu que os líderes deviam criar instrumentos para responsabilizar os incumpridores dos ODM.

“Globalmente, foram conseguidos progressos na concretização da educação primária universal. Contudo, doadores e Estados devem agora fazer um enfoque na educação das crianças que vivem em estados afectados por conflitos e frágeis” afirmou, por seu lado, Jasmine Whitbread, Directora Executiva de Save the Children. “Trata-se de um enorme desperdício de potencial cuja continuação não podemos permitir”, acrescentou (UNICEF, 2010).

Segundo um estudo publicado pelo Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo (CIP-CI), mais da metade das nações só aumentou o ritmo das melhorias em poucos indicadores: “pagamento da dívida como percentagem das exportações, parcela da população a viver em favelas, mulheres eleitas para o parlamento nacional, proporção da população a viver com menos de um dólar por dia e percentagem da população empregada” (PrimaPagina, 2010). A análise releva ainda que muitos países regrediram em vários indicadores. “Ao mesmo tempo, a análise mostra que as nações mais pobres são as que estão a desenvolver-se mais rapidamente” (ibidem).

Efectivamente, as críticas ao progresso feito no âmbito dos ODM fazem-se ouvir, sobretudo nos objectivos que mais mexem com a segurança humana, ainda que os líderes estejam convencidos de que as metas vão ser cumpridas no prazo previsto.

Ao analisar o que tem sido feito pelos ODM, é preciso ter em conta realidades novas, como a crise económico-financeira que começou em 2008 e cujos efeitos ainda se fazem sentir levando alguns países desenvolvidos a terem de ajudar outros com um nível semelhante de desenvolvimento, em detrimento de investirem nos países mais pobres. Depois de África ter atingido entre 2000 e 2008 um crescimento económico, em média, superior a cinco por cento por ano, a evolução em 2009 não chegou aos dois por cento.

Outro exemplo é a luta contra o terrorismo, que ganhou uma grande fatia do orçamento de vários países a partir de 2001. O Reino Unido, um dos maiores doadores de ajuda ao desenvolvimento de todo o mundo, teve de direccionar ajudas previstas para combater a pobreza para a luta contra o terrorismo, sobretudo para a guerra no Iraque. As prioridades de desenvolvimento que saíram da Cimeira do Milénio “vêem-se hoje relegadas para as prioridades concedidas à segurança no seu sentido mais clássico”, ligado ao rearmamento (Portolés, 2007, p. 6).

Um problema que prejudica em larga medida a construção do mundo que a ONU desenhou em 2000 está relacionado com a realidade dos estados falhados. Se indicadores económicos menos favoráveis podem ser contornados através da ajuda externa, a verdade é que problemas como a intervenção de estados externos, falta de autoridade do governo para tomar decisões aceites pela população ou territórios com um imenso movimento de refugiados são bem mais difíceis de envolver no cumprimento dos ODM.

Apesar das dúvidas sobre se os ODM serão efectivamente cumpridos nas datas previstas, a verdade é que caminham para melhorar a segurança humana. Devido à globalização, cada vez mais pessoas têm consciência de que “nenhum homem é uma ilha”, como disse John Donne. “A consciência dos riscos e das ameaças à segurança humana é, pois, o primeiro passo para esconjurar fantasmas e prevenir rupturas sérias nas nossas próprias sociedades”, reforçou António Vitorino (Vitorino, 2006). Além disso, como disse António Martins, “um problema é sempre uma oportunidade, para os que acreditam no direito das sociedades a construir o seu futuro comum” (Martins, 2006, p. 79).

Referências bibliográficas:

- Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais (IEEI), “Segurança Humana”, in http://www.google.pt/url?sa=t&source=web&cd=3&ved=0CCQQFjAC&url=http%3A%2F%2Fwww.atua.com.pt%2Foutput_efile.aspx%3Fsid%3D810b1da4-4ca8-4c69-a585-a017e3387917%26cntx%3DFrbm7%252FyYG0nXD%252BDFQUwtDauPrJ8kIVa2QIBNiU3Ze0d5sbE%252BL3dSy4LzSUqEO56YSdIWMXnGiZYYYIK5x5gDbQ%253D%253D%26idf%3D888&ei=6YS4Tc7FHoKnhAfuooCKDw&usg=AFQjCNGhk2CNUO4_aFaOsi_nC4wWvfEeZw&sig2=iT5i9afpM93SmE3Ab66xAw (Consultado em Abril de 2011)

- Expresso (2010), “Cimeira dos ODM: Os líderes mundiais falharam a defesa dos direitos dos mais pobres”, in http://aeiou.expresso.pt/gen.pl?p=stories&op=view&fokey=ex.stories/605311 (Consultado em Abril de 2011)

- FONTES, Ilda (2010), “ONU: Relatório anual sobre os ODM com resultados heterogéneos”, in http://www.expressodasilhas.sapo.cv/pt/noticias/detail/id/17970 (Consultado em Abril de 2011)

- MARTINS, António (2006), “O compromisso das empresas com as metas do milénio – Volume II”, São Paulo, Instituto Ethos

- PORTOLÉS, Carmen Magallón (2007), “Segurança humana e luta anti-terrorista. O impacto no desenvolvimento”, in http://www.google.pt/url?sa=t&source=web&cd=1&ved=0CBsQFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww.hegoa.ehu.es%2Fcongreso%2Fbilbo%2Fdoku%2Fbost%2Fseguridad_luchaantiterrorista.pdf&ei=6UC8TYakJoKHhQet-ZG6BQ&usg=AFQjCNGYileKO2gT0Sh3ft2r6aadG9Rlkw&sig2=ci1mi7FEtq1Di9UAyHLlEg (Consultado em Abril de 2011)

- PrimaPagina (2010), “Maioria dos países não acelerou nos ODM”, in http://www.pnud.org.br/odm/reportagens/index.php?id01=3592&lay=odm (Consultado em Abril de 2011)

- UNICEF (2010), “UNICEF realça o papel fundamental da educação no desenvolvimento”, in http://www.educacaoparatodos.org/index.php?option=com_content&view=article&id=46:unicef-realca-o-papel-fundamental-da-educacao-no-desenvolvimento (Consultado em Abril de 2011)

- VITORINO, António (2006), “Segurança humana”, in http://www.dn.pt/inicio/interior.aspx?content_id=637164&page=2 (Consultado em Abril de 2011)

Nota: Trabalho realizado em Abril de 2011.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Complexidade jurídica da ingerência humanitária

O panorama das Relações Internacionais, onde o poder joga as cartadas chave, é complexo, volátil e incerto. Neste terreno, onde cada vez jogam mais actores, acreditar num regime jurídico assertivo e duradouro torna-se ingenuidade. Basta pensar que o Direito Internacional decorre da Política Internacional (enquanto a Política Internacional se rege pelo Direito Internacional), é extremamente fragmentado e só envolve os Estados que o reconheçam.

Entre os novos desafios que a comunidade internacional enfrenta na construção do regime jurídico encontra-se a Ingerência Humanitária, que consiste na intervenção pela força para proteger a população de um país. Trata-se de um conceito reconhecido internacionalmente depois de 1988, mas que ainda gera divergências sobre o seu âmbito.

O Conselho de Segurança da ONU parecia alheio às questões humanitárias até 1991, ano em que produziu a resolução 688, que ficaria conhecida como resolução do direito de ingerência e que levou à assistência da população curda no Iraque, vítima do executivo de Saddam Hussein. Deu-se a intervenção humanitária — com indiscutível interesse norte-americano — e, como consequência, “a resolução tornou-se um precedente que veio a ser novamente invocado na Somália e na Bósnia, entre outros casos” (Lima, 2010). Assim, “o direito de ingerência entrava, através da jurisprudência e de forma empírica, para a agenda internacional do Pós-Guerra Fria”, escreve ainda Bárbara Lima (ibidem).

Apesar de a ingerência humanitária ir contra um dos princípios básicos da Carta das Nações Unidas (Na alínea 7 do Artigo 2 lê-se que “nenhuma disposição da presente Carta autorizará as Nações Unidas a intervir em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição interna de qualquer Estado ou obrigará os membros a submeterem tais assuntos a uma solução, nos termos da presente Carta”). Manuel de Almeida Ribeiro frisa que “a doutrina internacional tem vindo a considerar estar em formação um costume internacional no sentido de autorizar este tipo de acções” (Ribeiro, 2005). Admite-se que quatro situações justificam uma intervenção do género: crimes de guerra, crimes contra a humanidade, genocídio e limpeza étnica. Para o mesmo autor, “admitir a ingerência humanitária significa reconhecer a violabilidade de uma das mais marcantes fronteiras do domínio reservado dos Estados e, obviamente, da soberania” (ibidem).

Desde logo, a questão da ingerência humanitária pode vir a alterar o regime jurídico internacional na medida em que é preciso definir em que assuntos é que a ingerência humanitária é efectivamente legítima ou viola os assuntos que pertencem ao domínio reservado dos Estados.

Frisando que o conceito de ingerência humanitária “não dispõe de consenso jurídico”, Bárbara Lima escreve que alguns consideram que aceitar este conceito “significaria anular princípios caros ao funcionamento salutar das relações internacionais”, em concreto “a soberania e a não-intervenção”, enquanto outros entendem que “a soberania não pode ser amoral a ponto de permitir a violação de direitos fundamentais e que tomar o princípio da não-intervenção como absoluto mesmo diante de atrocidades é afastar a ética do direito internacional” (Lima, 2010).

Por seu lado, o professor de Direito Fernando Tesón defende que a “tirania e a anarquia provocam o colapso moral da soberania” (Zenit, 2004).

Anita Kons da Silveira assume que a obrigação dos Estados em “proteger direitos humanos decorre do reconhecimento da dignidade da pessoa humana pela própria Carta da ONU”, logo nenhum Estado pode esquivar-se da responsabilização internacional pela violação dos referidos direitos (Silveira, p. 11). A mesma autora destaca ainda que com o fim da Guerra Fria, que ditou o surgimento de uma nova Ordem Internacional, deu-se a aceitação da primazia da protecção dos direitos do homem e da concordância de que o sofrimento humano e a segurança internacional são assuntos intimamente ligados e relacionados com o sistema de segurança colectiva da ONU. A partir de então, o assunto direitos humanos deixou definitivamente de ser encarado como uma das matérias pertencentes ao domínio reservado dos Estados (Silveira, p. 12).

Vladimir Chaves Delgado entende que “um 'dever' de ingerência suporia que, verificada – pela autoridade internacional competente, conforme normas preestabelecidas – a existência de uma situação que daria ensejo à ingerência humanitária, esta ocorreria de conformidade com o procedimento estabelecido para tais casos pela comunidade internacional”, explicou, advertindo que essa questão é “extremamente complexa e perigosa” (Delgado, 2005/6 p. 67 e 68).

Outro problema que se levanta ao regime jurídico está relacionado com o facto de a decisão de ingerência humanitária ser confiada ao Conselho de Segurança, o que não representa uma garantia de imparcialidade. Para além deste órgão apenas contar com 15 membros, os cinco membros permanentes (todos grandes potências económicas) têm poder de veto, são irremovíveis e, na opinião de Isabela Piancentini de Andrade, “exercem um poderio inaceitável sobre os demais Estados” (Andrade, 2008, p. 179). Nesta questão importa recordar as palavras de Rodrigo Fernandes More, que defende que “a soberania deve ser outro importante elemento a ser analisado, já que não se pode negar a flexibilização de seu carácter horizontal diante da verticalidade do conceito de hegemonia” (More, 2007).

Mais problemático do que o poder dos membros do Conselho de Segurança é o facto de um país poder intervir noutro sem o aval daquele órgão, o que abre um precedente grave que vai entrando na escala do direito consuetudinário (à luz do qual os outros Estados aceitam uma acção sem a repudiarem) e que pode motivar países a intervirem noutros sob a justificação – muitas vezes dificilmente aceite – da ingerência humanitária. Se o caso da intervenção da NATO no Kosovo (para supostamente impedir a aceleração e o aprofundamento da limpeza étnica executada pelos sérvios) sem o mandato das Nações Unidas que o legitimasse - tendo em conta que seria de esperar um veto da Rússia ou da China – foi talvez o caso mais significativo, a verdade é que essa lógica tem-se repetido, como por exemplo no Iraque em 2003.

Efectivamente, este tipo de intervenção pode inverter toda a lógica jurídica da ingerência humanitária e até das intervenções militares.

No mesmo sentido, Eugênia Kimie Suda Camacho Pestana escreve que “é preciso perceber que o problema da ingerência humanitária apresenta algumas sombras, correndo o risco de, a pretexto de uma moralização do direito e das relações internacionais, haver uma radicalização da 'politização humanitária' sem regras claras e sem um verdadeiro consenso da comunidade internacional” (Pestana, 2004, p. 11).

As sanções para intervenções noutros países sem o respaldo do Conselho de Segurança ou as justificações necessárias normalmente apenas se traduzem numa imagem prejudicada junto da opinião pública interna e externa. Urge, portanto, definir com clareza o conceito de ingerência humanitária, o que fundamenta uma ingerência desse género, quem deve ingerir-se e com que legitimidade, quais os objectivos e os limites da ingerência e se ela deve ser um direito ou um dever. Só isso vai ser possível responsabilizar – pelo menos no âmbito da opinião pública – os responsáveis por ingerências erradas e evitar que o Direito Internacional não perca relevância na organização das relações internacionais, abrindo espaço a posições unilaterais polémicas que levem os cidadãos a concluir que na cena internacional o Direito Internacional é apenas numa realidade abstracta facilmente esquecida quando os interesses particulares, sobretudo económicos e políticos, de grandes potências entram em jogo.

Bibliografia:

- ANDRADE, Isabela Piancentini de, “Conselho de Segurança da ONU: legislador internacional?”, in Revista Ius Gentium: Teoria e Comércio no Direito Internacional, nº 1, Jul de 2008.

- CERQUEIRA, Daniel Lopes (2005), “O tratamento do terrorismo pelo aparato normativo internacional”, in http://jus.uol.com.br/revista/texto/7368/o-tratamento-do-terrorismo-pelo-aparato-normativo-internacional (Consultado em Abril de 2011).

- CUNHA, J. M. da Silva (1957), Direito Internacional Público, Lisboa, Editorial Império.

- DEEN, Thalif (2010), “A ONU não consegue definir terrorismo”, in http://www.ips.org/ipsbrasil.net/nota.php?idnews=6555 (Consultado em Abril de 2011).

- DELGADO, Vladimir Chaves, “A Soberania dos Estados Face a Questão da Ingerência Humanitária no Direito Internacional Público”, in Revista Jurídica, volume 7, nº 76, p. 61 a 69, Dezembro de 2005 a Janeiro de 2006, Brasília.

- FILHO, Geraldo Lesbat Cavagnari (1999), “Anotações sobre a guerra do Kosovo”, in Carta Internacional, Funag-USP, ano VII, nº 73, Março de 1999, p. 6-8.

- JUNIOR, Umberto Celli (2003), “O Direito Internacional e a intervenção militar no Iraque”, in Direito e Política, Edição n.º 1, Julho/Setembro de 2003.

- Le Monde Diplomatique (2008), “Acção Humanitária – algumas datas”, in http://pt.mondediplo.com/spip.php?page=article-print&id_article=218 (Consultado em Abril de 2011).

- LIMA, Bárbara (2010), “Direito de Ingerência e Soberania no Pós-Guerra Fria: limitações e necessidades do intervencionismo humanitário”, in Revista Electrónica Boletim do Tempo, Ano 5, Nº32, Rio.

- MACEDO, Paulo Emílio Vauthier Borges de (2005), “A ingerência humanitária e a guerra justa”, in http://jus.uol.com.br/revista/texto/11543/a-ingerencia-humanitaria-e-a-guerra-justa/3 (Consultado em Abril de 2011).

- MELO, Milena Barbosa de e RASIA, Larissa Rodrigues (2010), “A ingerência humanitária em fase da soberania dos Estados”, in Revista Tema, volume 10, número 15 - Julho / Dezembro 2010, Campina Grande.

- MORE, Rodrigo Fernandes (2007), “Conflitos modernos, Direito e relações internacionais”, in http://jus.uol.com.br/revista/texto/10048/conflitos-modernos-direito-e-relacoes-internacionais (Consultado em Abril de 2011).

- PESTANA, Eugênia Kimie Suda Camacho (2004), “Ingerência humanitária: um novo paradigma em formação?”, Brasília, Universidade do Legislativo Brasileiro.

- PINHEIRO, Leandro Guerreiro C. (2009), “ Guerra do Iraque, análise da sua legalidade frente ao Direito Internacional contemporâneo, in http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/32101/31338 (Consultado em Abril de 2011).

- RIBEIRO, Manuel de Almeida (2005), “O Direito da Nova Ordem Internacional”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Joaquim Moreira da Silva Cunha, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra Editora.

- RIBEIRO, Manuel de Almeida e SALDANHA, António Vasconcelos de (2003), Textos de Direito Internacional Público – Organizações Internacionais, Lisboa, Instituto Superiora de Ciências Sociais e Políticas.

- SILVEIRA, Anita Kons da, “A intervenção humanitária como forma legítima de protecção dos direitos humanos”, in http://www.cedin.com.br/revistaeletronica/volume4/arquivos_pdf/sumario/art_v4_XIII.pdf (Consultado em Abril de 2011).

- TEIXEIRA, Nuno Severiano (2004), “Ingerência humanitária”, in Diário de Notícias, 4 de Agosto de 2004, Lisboa.

- ZENIT (2004), “Ingerência humanitária, prós e contras”, in http://www.zenit.org/article-13678?l=spanish (Consultado em Abril de 2011).

Nota: Texto escrito em Abril de 2011.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

E o vencedor é… Hollande!


Após 17 anos a esquerda francesa regressa ao Palácio do Eliseu. Francois Hollande venceu na segunda volta Nicolas Sarkozy, obtendo 51,62% dos votos, contra os 48,38% do adversário. Confirmou-se aquilo que as sondagens previam.
O novo presidente francês herda um país com um baixo crescimento económico, dívida pública de 85% do PIB e desemprego cerca de 10%. Esta ‘pesada herança’ pode limitar e/ou comprometer a aplicação do seu programa. Segundo Éric Heyer, economista e director do Observatório Francês de Conjuntura Económica, «a prioridade é o equilíbrio das contas públicas. Mas com crescimento econômico baixo será difícil obter isso. Além disso, o crescimento fraco não permitirá conter o aumento do desemprego. (…) O desemprego e a pobreza vão aumentar. É difícil saber por quanto tempo o estado de graça do Hollande vai durar. Talvez até o final do ano já ocorram protestos nas ruas».
Para além dos condicionalismos internos, Hollande terá outro desafio, renegociar o pacto europeu de disciplina fiscal, como prometeu em campanha. «A austeridade não pode ser uma fatalidade», tornou-se slogan do actual presidente. Angela Merkel, através do seu porta-voz, Steffen Seibert, informou que exclui qualquer renegociação do pacto orçamental.
 É certo que quebrado o eixo Merkozi, a posição de Merkel não é tão forte como anteriormente. Será necessário saber ceder, uma vez que existe “um objectivo comum”, «relançar a economia europeia para gerar um crescimento duradouro, assente em bases sãs e fonte de novos empregos», como mencionou o Presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso.
A eleição francesa para além de fazer ‘tremer’ a Europa, perspectivando um novo rumo, contribuiu para oscilar os mercados financeiros.


Após esta breve reflexão sobre a recente eleição francesa, aconselho o visionamento de um filme francês, Film Socialisme”, um ensaio sobre o socialismo nos dias de hoje e na Europa. Abaixo encontram o trailer do mesmo. Para reflexão!


quarta-feira, 2 de maio de 2012

As polémicas declarações de Volker Kauder


Há poucos dias uma polémica surgiu devido a declarações um tanto imprudentes. No decorrer de uma conferência na Alemanha, com intuito de melhorar a integração dos muçulmanos, Volker Kauder, líder parlamentar da União Democrata Cristã (CDU), afirmou que «o islão não faz parte da nossa tradição e identidade na Alemanha e assim não pertence à Alemanha».
Obviamente tal declaração culminou em grande controvérsia, uma vez que na altura, Angela Merkel, estabelecera fóruns onde pretendia melhorar a inclusão de muçulmanos tendo como fim responder a variadas preocupações, como a radicalização dos jovens muçulmanos.
Ora, este género de discurso não é nada promissor. Kauder, numa tentativa de corrigir aquilo que disse, ainda acrescentou, «mas os muçulmanos pertencem à Alemanha. Como cidadãos do estado, claro, gozam dos seus plenos direitos».
Numa pesquisa orientada pelo Instituto Allensbach, os alemães detêm uma visão do Islão muito negativa. A religião é associada à opressão feminina, terrorismo, fanatismo e radicalismo, devido em grande medida aos acontecimentos verificados desde o 11 de Setembro. Como refere um dos investigadores da pesquisa, Thomas Petersen, se anteriormente verificávamos um certo fascínio pelo mundo islâmico, tal desvaneceu-se com os acontecimentos. Do fascínio agora somos assolados com a ameaça. É o denominado “choque de civilizações” que Huntington anunciava no seu famosíssimo artigo “The Clash of Civilizations?”, publicado em 1993 pela revista Foreign Affairs.
Outra pesquisa, desta vez realizada pela Universidade de Munster, constata que os alemães vêm negativamente os muçulmanos relativamente aos seus vizinhos europeus. Em 2010 uma pesquisa do Instituto Infratest-dimap mencionava que mais de um terço dos entrevistados preferia uma Alemanha sem Islão. Na mesma altura o jornal Der Spiegel advertia que o país estaria a tornar-se intolerante face à minoria muçulmana.   
Saliento que dos cerca de 81 milhões que vivem em território alemão, 3,2 milhões são muçulmanos o que corresponde a cerca de 4% da população.
Tais declarações são de um perigo e colocam em causa o projecto de unidade europeia, quando este pressupõe a integração de todos os povos que residem no velho continente. É certo que o Islão não faz parte da tradição alemã mas cada vez mais torna-se parte daquele estado, grandemente devido ao fenómeno da globalização.
 Ora, hoje mais do que nunca o lema “in varietate concordia” (unidade na diversidade) impera na comunidade europeia, nomeadamente quando assistimos a discursos que podem conduzir a acções de discriminação contra outrem.
É necessário proporcionar a integração de todas as minorias para a estabilidade e bem-estar do todo.