sábado, 27 de outubro de 2012

Prémio Sakharov para cineasta e activista iranianos detidos

O Parlamento Europeu atribuiu esta semana o Prémio Sakharov dos Direitos Humanos ao cineasta iraniano Jafar Panahi e a Nasrin Sotoudeh, advogada e activista dos direitos humanos também do Irão.

O presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, justificou a atribuição com a "admiração por uma mulher e um homem que resistem à intimidação de que são vítimas pelas autoridades iranianas".

Pode ler mais sobre esta história numa notícia do Público que pode ler aqui.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

“Como os extremistas indonésios se reagrupam?” - ICG


A propósito do décimo aniversário dos atentados de 12 de Outubro de 2002 na Indonésia, o maior país muçulmano do mundo, importa perceber o que mudou no panorama do terrorismo islâmico da Indonésia e os desafios que as autoridades enfrentam actualmente. Para tal, aconselho um artigo do International Crisis Group, que pode encontrar aqui, bem como as conclusões do mesmo. 

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Fome no mundo

Segundo o recente relatório das Nações Unidas, uma em cada oito pessoas está malnutrida. Cerca de 870 milhões de pessoas sofrem de subnutrição, o que representa 12,5% da população mundial. Há a destacar que a média de subnutridos nos países em desenvolvimento e claramente superior aos países desenvolvidos. O continente asiático continua a ser a região onde há mais fome.
Ainda assim progressos são assinaláveis. O número de pessoas com fome nos últimos vinte anos tem decrescido substancialmente, desceu de mil milhões entre 1990 e 1992 para 868 milhões entre 2010 e 2012.
Impera salientar que ainda há muito trabalho a realizar no que se refere à problemática da fome.

O relatório que pode encontrar aqui, é da autoria da FAO, IFDA e ainda WFP.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Hugo Chávez reeleito novamente com 54,42% dos votos.
Até 2019 já sabemos o que esperar daquele território.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

"A inocência dos muçulmanos"


 Deixo aqui uma opção de leitura sobre os recentes acontecimentos ocorridos no Norte de África e Médio Oriente na sequência do filme "Innocence of Muslims" e das caricaturas semanário satírico francês Charlie Hebdo, "a inocência dos muçulmanos" , por Raúl Braga Pires, coordenador do Blogue Maghreb / Machrek.


Podem encontrar o texto aqui. Boa leitura!

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Importância dos mass media nas Políticas Públicas de Segurança

A chave para uma boa utilização de um modelo que realce “a necessidade de canais permanentes de comunicação entre todos os interessados (stakeholders) e a flexibilidade necessária para se proceder a revisões periódicas de objectivos”, passa pelo “envolvimento dos principais actores no próprio processo, a comunicação social e a opinião do público” (Bilhim, 2008, p. 106 e 107).

 Segundo João Bilhim, “a teoria clássica ensina que para determinado interesse fazer parte da agenda política é necessário que se transforme num facto político controverso, que haja um conflito de interesses que justifique a intervenção do poder político”. Ora, a comunicação social é o motor deste sistema, que continua em vigor. É possível dizer que quem melhor souber lançar esse conflito na comunicação social melhores resultados obterá, sendo que os jornalistas, muitas vezes inconscientemente coniventes com a situação, também dão destaque a esse tipo de conflitos vestindo a pele de quarto poder, sem averiguarem as motivações de quem lança o conflito, a altura em que o faz ou o ligação dos envolvidos com a questão em causa, muitas vezes por falta de tempo ou com a visão toldada pelo entusiasmo do conflito relativamente ao resto das notícias do dia.

A reflexão nas redacções tem vindo a perder-se, sobretudo por falta de tempo, e, com a redução do número de jornalistas nos órgãos de comunicação social, a necessidade de mesmo fazer oferecer melhor e mais produtos, se possível antes da concorrência que tem vindo a aumentar, apostando cada vez mais no imediatismo. Com efeito, segundo José Rebelo, é ainda preciso ter em conta o “efeito mimético da uniformização dos temas” e de abordagens, que transborda dos grandes grupos para contaminar todo o campo dos média” (AAVV, 2011, 24).

 Neste cenário os editores e as chefias cada vez se tornam mais reprodutores da mensagem de alguém do que propriamente jornalistas, envolvendo-se assim, inconscientemente, numa máquina de criação de factos, querelas e, consequentemente, na definição da agenda política. Esta realidade tem sido claramente aproveitada por entidades várias, desde partidos políticos a empresas, que cada vez investem mais em comunicação, contratando relações públicas e assessores com o exclusivo trabalho de realizar comunicados de imprensa escritos como se de um produto jornalístico se tratasse, algo que os jornalistas agradassem sobretudo na hora do fecho de um jornal ou em cima de um noticiário. As próprias declarações de líderes políticos cada vez mais são feitas no prime time dos telejornais por forma a serem vistos/ouvidos pelo maior números de pessoas possível e também para escapar ao crivo jornalístico, que edita as declarações, contextualizando-as e retirando o essencial, muitas vezes de entre um discurso feito de auto-elogios. “A difusão directa de informação implica tanto uma promessa como uma ameaça. Pode contribuir para amadurecer uma deliberação colectiva, mas os seus benefícios são evanescentes se a informação é tendenciosa ou, pelo contrário, deficiente - um perigo que pode ser amplificado por uma media centralizada e relativamente homogénea” (Nincic, 1992, p. p. 782).

A manipulação inconsciente é ainda maior quando os media não têm o conhecimento suficiente sobre a matéria em causa, por não o terem estudado ou por a fonte ser apenas o governo. Para além disso, sobretudo num clima de crise e de incerteza crescente no sector, continuam a ser muitas vezes os editores e os directores dos órgãos de comunicação social a decidir o que é notícia, deixando-se levar até por solicitações de amizades ou envolvendo-se numa troca de favores, já para não falar nas ideologias e crenças dos mesmos, que devem ficar à porta da redacção, visto a actividade jornalística idealmente buscar a imparcialidade máxima.

Muitas vezes os próprios directores dos órgãos de comunicação cedem à pressão por considerarem que esse é o melhor caminho a longo prazo para a empresa que gerem e, consequentemente para a manutenção do seu emprego. Estamos a falar de casos como, por exemplo, a divulgação de uma notícia da forma como ela é solicitada por assessores dos governantes em troca de futuras entrevistas exclusivas ou da não divulgação de notícias que ferem um patrocinador, seja ele o Estado, seja uma empresa.

Para além de todos estes perigos que existem dentro dos meios de comunicação social, fora deles é cada vez maior o espaço comunicativo, sobretudo com o número cada vez mais alargado de utilizadores da Internet, onde as empresas, os grupos de pressão e os políticos podem chegar aos cidadãos com a maior das facilidades, muitas vezes de forma gratuita, como por exemplo através das redes sociais. As novas plataformas comunicacionais em geral e os meios de comunicação social em particular são agora de fácil acesso aos cidadãos, tornando-se “verdadeiras 'centrais de comunicação', dificilmente anuláveis, capazes de informar (e desinformar) a opinião publica”, bem como de servir os interesses de terroristas com relativa facilidade (Carvalho, 2007/8, p. 103).

Efectivamente, não só redes terroristas transnacionais usam a Internet para aliciar futuros terroristas e ensiná-los até a fazer bombas, como os meios de comunicação social são a melhor forma de chegar ao grande público. Não é por acaso que algumas organizações terroristas já aproveitaram atentados de outras reivindicando-os por forma a passar a sua mensagem. Poderá até dizer-se que provavelmente o terrorismo indiscriminado não teria tanta expressão se não fosse o impacto que tais acções têm nos meios de comunicação social e, consequentemente no público.

Miroslav Nincic alerta que “ignorando as duras realidades de um mundo anárquico dominado por lutas de poder, o público tende a ser impulsionado pelo moralismo ingénuo e pela emoção desinformada”. Como resultado, “o sentimento popular tende a ser volátil e equivocado”, levando a que as políticas tomem caminhos fora da “razão fria”, “prejudicando o interesse nacional” (Nincic, 1992, p. 773 e 774). Os meios de comunicação social são os primeiros, em nome dos cidadãos, a exigir respostas imediatas e visíveis do Governo perante um atentado, o que por vezes pode revelar-se contraproducente, com os políticos a tomarem medidas extremas, como atacar outro país, como vimos antes. Com efeito, nos atentados de grande efeitos os terroristas têm conseguido o que querem: “abalar a confiança entre a sociedade e os seus governos, bem como a própria confiança dos cidadãos nos seus modelos de vida social e nos seus valores” (Adriano Moreira, citado em Carvalho, 2007/8, p. 102), gerando um “estado psicológico de 'terror' impeditivo muitas vezes da própria identificação e combate aos agentes da ameaça” (Carvalho, 2007/8, p. 102).

Urge, portanto, inverter o jogo, evitando entrar no jogo das soluções extremas. Por isso mesmo interessa que o sentimento de Defesa e Segurança seja “abrangente, esclarecido e o mais conscientemente assumido possível” (Chaves, 2011, p. 19). Nessa mudança, os jornalistas devem ser os pioneiros, até porque a comunicação social tem o dever de formar e assume o papel de gerar opiniões ao decidir, por exemplo, que especialistas ou intervenientes convida para comentar determinado tema.

Este desafio tem sido enfrentado com cursos para jornalistas, dados por forças policiais, como a PSP. Na altura do primeiro curso do género lançado pela PSP, Oliveira Pereira, enquanto director nacional daquela força policial, disse que o objectivo passa por “incrementar uma melhor interligação, um maior esclarecimento e uma melhor comunicação entre a polícia e os órgãos de comunicação social, responsáveis pela transmissão de noticias especialmente sensíveis e, por isso, susceptíveis de colidirem com a tranquilidade dos cidadãos” (Pereira, 2009 p. 13).

Nos últimos anos tem-se também assistido a uma mudança na própria relação das forças de segurança com a comunicação social, decorrente também da necessidade de uma maior aproximação ao cidadão. No âmbito do policiamento de proximidade, as polícias, como por exemplo da PSP, agora esforçam-se em criar uma relação confiável com o cidadão, pondo fim a décadas de afastamento. Talvez devido à herança da PIDE, existia um certo temor em relação a abordar um polícia, algo que mudou consideravelmente nos últimos anos, com os polícias a despirem a capa de “polícia implacável” para vestirem a de “polícia companheiro”. Devido à importância de chegar ao cidadão e também da constatação de que uma das formas mais rápidas e eficazes de o fazer é através dos meios de comunicação social, as próprias estruturas policiais alteraram a sua relação com os media numa escala de 180º graus. Se ainda há poucos anos era praticamente impossível para um jornalista obter uma simples informação dos polícias, actualmente as próprias forças de segurança têm gabinetes de comunicação que se aproximam dos media para divulgar acções que realizaram ou até para dar conta do estado de uma situação.

Esta alteração de postura poderá também ter resultado de decisões governamentais, com vista à publicitação de mudanças positivas nas forças de segurança decorrentes de mudanças no governo, ou simplesmente de uma necessidade de as polícias sentirem necessidade, perante a crise, de mostrarem o seu trabalho aos cidadãos e a importância dos impostos destinados ao mesmo. No diploma sobre o Conceito Estratégico de Defesa Nacional, em 2003, o executivo de então informou que “a articulação da política da defesa com a política de educação” seria uma prioridade para o “exercício da cidadania”. “É uma obrigação nacional reforçar a educação para o patriotismo, cuidar das componentes de segurança e defesa nos programas escolares e proteger, modernizando, as instituições de ensino especificamente militares”, lê-se no documento (Diário da República - 1 Série B, nº 16, 20 de Janeiro de 2003, p. 263). Em todos estes objectivos de aproximação ao cidadão, a comunicação social assume um papel inigualável.

Nota: Este texto faz parte de um trabalho académico sobre Políticas Públicas de Segurança e Mass Media realizado em Janeiro de 2012. O primeiro post foi sobre Políticas Públicas, uma nova forma de governar, o segundo foi sobre Políticas Públicas de Segurança e o terceiro sobre o cidadão e o seu papel na Segurança. Obrigada por acompanharem.

Referências bibliográficas:
AAVV (2011), Portugal num mundo em mudança, Lisboa, Público e Universidade Autónoma de Lisboa.
BILHIM, João (2008), “Políticas públicas e agenda política”, in Revista de ciências sociais e políticas, nº 2(Jan.-Abr. 2008), p. 99-121.
CARVALHO, Jorge Silva (2007/8), “Segurança: visão global – a perspectiva das informações”, in Segurança e Defesa, p. 99 a 104.
 CHAVES, Carlos (2011), “Sistema de Segurança Nacional – Ensaio de uma nova visão”, in Segurança e Defesa, Julho/Set de 2011, p. 16 a 21.
Diário da República (2003), “Resolução do Conselho de Ministros nº 6/2003”, in Diário da República - 1 Série B, nº 16, 20 de Janeuri de 2003.
NINCIC, Miroslav (1992), “A Sensible Public: New Perspectives on Popular Opinion and Foreign Policy”, in The Journal of Conflict Resolution, Vol. 36, No. 4 (Dec., 1992), pp. 772-789.
PEREIRA, Oliveira (2009), “É fundamental recriar uma cultura de respeito pela autoridade do Estado”, in Segurança e Defesa, Set./Nov 2009, p. 10 a 13.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

"Justice evades Rachel Corrie"




Em 2003, Rachel Corrie, activista norte-americana do International Solidarity Movement, morreu no decorrer de uma manifestação na região sul da Faixa de Gaza. O grupo de oito activistas colocaram-se como escudos humanos com intuito de deter o exército israelita de demolir casas de palestinianos na cidade de Rafah. Corrie seria albarroada por um bulldozer militar vindo a falecer no hospital.
Oito anos depois o tribunal israelita de Haifa decretou a morte de Corrie como um "acidente lamentável". O Estado israelita e o exército não são portanto responsáveis por qualquer dano. O juiz Oded Gershon referiu ainda que a morte de Corrie poderia ser evitada se a mesma tivesse afastado da zona de perigo. 
Importa referir que logo após a sua morte o exército israelita realizou um inquérito no qual também mencionavam a irresponsabilidade da activista por encontrar-se numa zona militar e não se encontrar devidamente identificada, algo que contradiz os vários testemunhos quer de activistas ou palestinianos. Acrescentavam que a activista teria morrido devido à queda de destroços das casas, algo que contradiz com fotografias tiradas na altura. 
No vídeo acima podem encontrar o tema debatido por várias personalidades jafar Farah, Rami Khouri e Efraim Inbar e moderado por Hazem Sika. 

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

O cidadão e o seu papel na Segurança

“Muitas vezes a liberdade dos cidadãos só pode ser verdadeiramente consumada se houver segurança para ser exercida, assim como a segurança como direito tantas vezes só ganha real valor se for vivida em contexto de liberdade” (Gouveia, 2007/2008, p. 28), O cidadão procura atingir um sentimento de segurança, algo impossível devido a crescentes fenómenos criminosos transnacionais aliados à globalização. Daí que o desafio das autoridades, em regimes democráticos, seja desenvolver uma expectativa de segurança. Como lembra Augusto Santos Silva, antigo ministro da Defesa, “as “sociedades abertas têm maior incerteza e risco do que as sociedades autoritárias e fechadas” (Silva, 2010, p. 12). Pelo contrário, em regimes autoritários a arma é jogar com o medo dos cidadãos, oferecendo-lhes segurança em troca da perda de liberdades.

Efectivamente, quando existia apenas o terrorismo doméstico com alvos selectivos, como políticos, empresários, agentes das forças de segurança, como fazia a ETA, a situação não era entendida como um problema de segurança pública, pois não havia o risco de a população ser atacada, ainda que se tratasse de uma ameaça permanente. Esses ataques tinham como objectivo, tal como todo o terrorismo, de chamar a atenção para alguma reivindicação política, mas nestes casos específicos até podiam contar com a anuência de alguns cidadãos que também contestavam o sistema vigente. O aumento do terrorismo indiscriminado quanto aos alvos e quanto ao modus operandi, sendo uma prática comum ataques a locais com muita gente, tem efeitos na definição das políticas públicas de segurança, já que constitui uma espécie de 'guerra' em que o inimigo, os cidadãos, devem ser apanhados desprevenidos.

Como actor permanente das políticas públicas de segurança, o cidadão deve também preocupar-se com a sua prestação enquanto avaliador e, sobretudo, enquanto promotor. Oliveira Pereira frisa que “o cidadão pode e deve, sempre, colaborar e cooperar com as políticas. O cidadão pode e deve ser fonte de comunicação das inseguranças, constituir-se sempre como factor decisivo e fundamental para a edificação e consolidação da segurança, ultrapassando os obstáculos que o inibem de agir, como o receio, a dúvida, a indiferença ou mesmo o desconhecimento do dever de contribuir para a salvaguarda da paz social”, frisa Oliveira Pereira (Pereira, 2009, p. 12). Augusto Santos Silva fala mesmo numa “responsabilidade social da comunidade como um todo, assim como a responsabilidade individual de cada um na promoção das condições de segurança e defesa” (Silva, 2010, p. 9). Neste sentido, o ex-responsável pela tutela da Defesa mostra-se a favor do regime de conscrição, porque os cidadãos são “co-responsáveis pela defesa da sua pátria e da liberdade colectiva” (Silva, 2010, p. 11). Se o cidadão não for efectivamente envolvido, alerta Garcia Leandro, “e se continuarmos com a proverbial desorganização nacional, receio de assumir responsabilidades, política de capelinhas e indisciplina individual e colectiva, mitos amargos de boca vamos continuar a ter” (Leandro, 2002, p. 17).

O mesmo autor chama a atenção que há alguns que trabalham bem para a segurança, mas “no seu micro universo”, “sobre si próprios” (Leandro, 2002, p. 18), o que acaba por não contribuir verdadeiramente para o aumentar da segurança do país. Além disso, o cidadão, tendo individualmente pouco espaço no campo de acção da segurança, deve procurar sempre unir-se em grupos com as mesmas ideias e as mesmas possibilidades de actuação, sendo que quanto maior esses grupos maior influência terão, bem como espaço na comunicação social, para conseguir ver as medidas de segurança que deseja implementadas. “Uma das vantagens da comunidade é a existência de sinergias na prestação de serviços impossíveis de ser obtidas por cada um individualmente”, reforça João Bilhim (Bilhim, 2008, p. 106).

Neste incontornável envolvimento do cidadão, Garcia Leandro chama a atenção para a necessidade de cada vez mais as “minorias étnicas e os grupos sociais de risco” serem chamados a intervir nas políticas públicas de segurança (Leandro, 2002, p. 18). Só assim se dará uma verdadeira participação susceptível de colher verdadeiros frutos e até evitar fenómenos de exclusão que descambem para comportamentos desviantes que ponham a segurança colectiva em causa.

Contudo, é preciso vincar que neste envolvimento do cidadão é necessário um longo trabalho de aliciação do Governo, devido ao descrédito em que tem caído a classe política por motivos vários, algo que se torna flagrante na demissão de muitos cidadãos do dever de votar. Garcia Leandro dá o exemplo da dependência cada vez maior dos governos em relação às empresas, num mundo em que cada vez mais são os mercados que dominam a política e não o contrário. Os governos eleitos são “cada vez mais dependentes da boa vontade das empresas para questões de investimento e emprego, o que escancara as portas para uma promiscuidade perigosa, para a natural corrupção, agravando a falta de confiança do cidadão comum na honestidade” dos que elegeram (Leandro, 2002, p. 13). Só com a construção de uma nova imagem da classe política, algo que pode demorar décadas e exigir muito bom senso e pulso firme perante pressões de vários sectores, é que os cidadãos vão sentir que vale realmente a pena aliar-se ao Governo na conquista de um maior sentimento de segurança.

Nelson Santos deu o exemplo do que se passou no Reino Unido, onde as autoridades reconheceram que a videovigilância tinha pouco efeito na diminuição da criminalidade e, como consequência definiram “como prioridade única da sua política criminal, em 2009, um conjunto de medidas visando aumentar a confiança dos cidadãos na polícia”. O objectivo desta orientação assenta no “reconhecimento de que a confiança na polícia é essencial para se alcançar a adesão dos cidadãos às políticas de prevenção e de combate da criminalidade e, simultaneamente, para diminuir o sentimento de insegurança” (Santos, 2011 p. 81).

Nota: Este texto faz parte de um trabalho académico sobre Políticas Públicas de Segurança e Mass Media realizado em Janeiro de 2012. O primeiro post foi sobre Políticas Públicas, uma nova forma de governar e o segundo foi sobre Políticas Públicas de Segurança. Obrigada por acompanharem.

Referências bibliográficas:
- BILHIM, João (2008), “Políticas públicas e agenda política”, in Revista de ciências sociais e políticas, nº 2, Jan.-Abr. 2008, p. 99 a 121.
- GOUVEIA, Jorge Bacear (2007/8), “O terrorismo e o Estado de direito: a questão dos direitos fundamentais”, in Segurança e Defesa, Dez 2007 a Fev 2008 p. 25 a 29.
- LEANDRO, José Eduardo Garcia (2002) “O Estado, o cidadão e a segurança. Novas soluções para um novo paradigma”, in Segurança e Defesa, Fev. 2002, p. 12 a 19.
- PEREIRA, Oliveira (2009), “É fundamental recriar uma cultura de respeito pela autoridade do Estado”, in Segurança e Defesa, Set-Nov 2009, p. 10 a 13.
- SANTOS, Nelson (2011), “Sentimento de Insegurança e Estado de Direito o espectro axial da relação Liberade e Segurança”, in Segurança e Defesa, Abr-Jun 2011, p. 70 a 81.
- SILVA, Santos Silva (2010), “A opinião pública não tem suficiente consciência da complexidade e centralidade das questões de segurança e defesa”, in Segurança e Defesa, Out-Dez. 2010, p. 8 a 13.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Massacre - África do Sul


O recente massacre na África do Sul em Marikana, a cerca de 100 km de Johanesburgo, provocou a morte de 34 mineiros, feriu 78 e resultou na prisão de outros 259 indivíduos por vários motivos tais como violência pública, reunião ilegal, posse de armas perigosas e outros. 
O incidente relembrou  o antigo regime de segregação racial (1948 - 1994) sendo já considerado como o pior derramamento de sangue desde do fim do apartheid.
 Jacob Zuma, Chefe de Estado sul-africano, em comunicado referiu estar «chocado e consternado por esta violência sem sentido». Referiu ainda acreditar que «há espaço suficiente no nosso sistema democrático para que as disputas sejam resolvidas através do diálogo, sem violação da lei e sem violência». 
O massacre evidencia tensões crescentes na sociedade sul-africana, como ainda demonstra que apesar do fim do apartheid existem variadas questões a analisar.   
 


 


terça-feira, 14 de agosto de 2012

A ousadia de Morsi


Mohamed Morsi, actual Presidente do Egipto, no passado domingo surpreendeu todo o país. "Foi a bem da Nação e do povo" que procedeu a várias alterações no seio militar. Demitiu o marechal Hussein Tantawi, ministro da Defesa e chefe de Estado maior das Forças Armadas e o general Sami Anan, número dois das Forças Armadas. Revogou ainda a declaração constitucional que assegurava e reforçava o poder dos militares.
Esta renovação militar dividiu o Egipto e causa preocupação a Israel dada a tensão existente entre os dois estados causada pelos recentes acontecimentos no Sinai.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Joe Soptic e o vídeo da polémica



 

Este curto vídeo promocional de um grupo de apoio à recandidatura de Barack Obama tem gerado imensa polémica e crítica nos EUA por parte de republicanos e democratas. Erick Erickson mencionou que as declarações de Andrea Sault (“To that point, if people had been in Massachusetts, under Governor Rommey´s health care plan, they would have had health care”), porta-voz do candidato republicano, "marcam o dia em que a campanha de Romney morreu".
 Podem encontrar mais informações aqui.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Políticas Públicas de Segurança

A segurança, no quadro do Estado moderno, “diz respeito à defesa externa de Estado e à garantia da ordem a nível interno, abrangendo as pessoas singulares e colectivas que o constituam, ou que no seu âmbito actuem e ainda aos valores estabelecidos” (Lara, 2004, p. 281). Carlos Chaves, assessor do primeiro-ministro para os Assuntos de Segurança Nacional, destaca que o conceito de Segurança é, em si mesmo, actualmente o mais alargado conceito onde se insere o agora mais restrito conceito de Defesa” (Chaves, 2011, p. 18).

Num mundo cada vez mais global e interdependente, onde a palavra fronteira vai ficando sem significado e os Estados começam a perder a hegemonia nas Relações Internacionais, com organizações internacionais como a União Europeia e a Nações Unidas, regiões, organizações não governamentais, grandes grupos económicos e até redes terroristas a ditarem a agenda internacional, a segurança surge cada vez mais como uma preocupação dos cidadãos. Terrorismo indiscriminado, imigração ilegal, tráficos de vários tipos, crime organizado e ciberterrorismo são apenas alguns dos delitos que vão ganhando expressão na nova ordem mundial. Por outras palavras, deixou de fazer sentido falar em países seguros, ainda que os índices de criminalidade existentes nos mesmos sejam relativamente baixos, porque a incerteza e a instabilidade passaram a ser palavras de ordem em todo o mundo. “Pensar a segurança, na sociedade actual, leva-nos a pensar e problemas de segurança relacionados com os transportes públicos, o ambiente, a saúde, a alimentação (Nunes), mercados de energia (Bryce), segurança de reservas de água (Dillon), o crescimento demográfico e a engenharia genética (Perrow)”, como escreve Francisco Fonseca (Fonseca, 2010, p. 46).

Poder-se-á dizer que a segurança constitui o principal elemento do bem-estar social no mundo actual, porque sem ela não há espaço para uma verdadeira liberdade.

A preocupação da sociedade nesta área subdivide-se em três níveis que estão interligados: segurança nacional, segurança colectiva e segurança humana. Enquanto o primeiro refere-se a questões de defesa e de soberania do Estado, o segundo configura um conceito alargado que nasce da confluência de interesses da segurança pública e da segurança do Estado.

A globalização veio tornar mais evidente a relação entre segurança e o acesso a bens essenciais e daí resultou o recente conceito de segurança humana, no qual a segurança dos cidadãos se deve basear. Com efeito, esta ideia surgiu no final do século XX como resultado de conflitos internacionais, nos quais o fim da guerra deixou de ser suficiente para a verdadeira estabilidade do Estado. Ou seja, se as armas estiverem depostas, mas um país estiver submerso em epidemias ou fome, não se pode falar de segurança. Este novo conceito passa não só por criar sistemas políticos, sociais, económicos, entre outros, que garantam o respeito dos direitos humanos, mas também por fornecer às populações instrumentos para que elas aprendam o usar os seus recursos em sua defesa. Vale a pena dar conta da definição deste conceito que consta no Relatório da Comissão sobre Segurança Humana, criada na dependência do Secretário-geral da ONU: “A segurança humana completa a segurança do Estado, contribui para o exercício dos direitos do homem e reforça o desenvolvimento humano. Ela pretende proteger os cidadãos de um vasto conjunto de perigos para o indivíduo e para a colectividade e, para além disso, ela visa dar-lhes os meios de agir em nome próprio” (Santos, 2011 p. 71). Ou seja, quando se fala em segurança humana, não é tanto o Estado que está em causa, mas antes o indivíduo, cujo sentimento de insegurança não raras vezes está mais ligado a preocupações do dia-a-dia, como a perda do emprego, do que com uma guerra no mundo. Assim, ameaças como actos de terrorismo são uma questão também de segurança humana, já que afectam o bem-estar da população e põem em causa a estabilidade político-social de um país ou região. Malcolm McIntosh e Alan Hunter sublinham que, ao contrário da segurança humana, a segurança nacional é mais “um lema para a mobilização política do que um conceito analiticamente útil” e chega mesmo a ser usado para proteger o Estado de ameaças internas, descurando a segurança humana dos cidadãos desse Estado (McIntosh e Hunter, p, 10).

Em qualquer dos casos, neste cenário, o crescente decréscimo do peso do Estado enquanto entidade soberana nas Relações Internacionais tem levado a que o mesmo abdique da sua soberania para tratar dos problemas nacionais, como refere Beck (citado em Fonseca, 2010, p. 40). Isto é, perante ameaças transnacionais, os governos só conseguem ter verdadeira capacidade de resposta em parceria com outros países ou entidades supranacionais, sendo que, como em qualquer sector, as respostas têm de se ir adaptando a mudanças velozes e inesperadas. Tanto neste nível, como em ameaças de menor dimensão, o Estado tem de, cada vez mais, contar com o indivíduo num cenário em que a segurança funciona em rede.

As políticas públicas de segurança são “um conjunto, mais ou menos coerente de decisões e de medidas tomadas pelas instâncias políticas legítimas, cujo objectivo expressamente definido é o de fornecer, através da mobilização das instituições de segurança de regulação social e de outros parceiros públicos e privados, uma resposta efectiva às diversas formas de insegurança”, de acordo com a definição de Dieu (citado em Fonseca, 2010, p. 42). As palavra de ordem nas políticas públicas de Segurança são prevenção e descentralização.

Prevenção porque não cabe aos participantes nestas políticas fazer repressão em questões de segurança e, ainda que haja polícias envolvidos nesta dinâmica não é esse o papel que aqui lhes é pedido. Aliás, perante um fenómeno transnacional como o terrorismo, as políticas públicas devem actuar a montante, por exemplo, pela fixação de quotas para imigração, mecanismos mais rigorosos para a fixação no país, criação de infra-estruturas e meios de promoção de uma verdadeira integração dos imigrantes na sociedade, por forma a que situações de discriminação ou islamofobia não levem esses indivíduos a sentir que faz sentido unirem-se a uma rede terrorista e a  praticarem actos contra o país onde residem. Importa referir que neste caso, como em muitos outros, nos quais uma abordagem meramente securitária não resolve tudo, deve apostar-se numa confluência de políticas públicas de vários sectores, como segurança, educação e Segurança Social, para o mesmo objectivo. No sentido oposto, também “a prevenção e o combate à criminalidade global e a diminuição da insegurança e do medo do crime, particularmente em meio urbano, devem ser considerados como factores integrantes e essenciais à definição de políticas de desenvolvimento económico e social” (Lourenço citado em Santos, 2011, p. 75). Com efeito, é nos meios urbanos onde a necessidade de políticas públicas se faz mais sentir. Um cenário com realidades múltiplas, um verdadeiro melting pot, é o ideal para a emergência de guetos e de crimes e expressões de violência que não se adequariam a meios rurais.

Descentralização porque, como vimos acima, torna-se mais rentável para o Estado e até mais eficaz para o cidadão que entidades regionais, como autarquias, assumam o comando na aplicação de algumas políticas públicas de segurança. Um exemplo disso reside no programa Escola Segura, um policiamento de proximidade acordado directamente entre câmaras municipais e forças de segurança. Além disso, as autoridades regionais também dispõem de melhor conhecimento local  - resultante em grande medida do contacto directo com os cidadãos - para decidir qual as medidas específicas a aplicar no terreno e até o grau de eficácia das mesmas. A existência de “laços de comunicação” com os cidadãos é “de considerável valor para a prevenção e combate à criminalidade” (Pereira, 2009, p. 12).  Garcia Leandro frisa, numa altura em que as áreas de segurança militar, segurança interna e segurança (protecção) civil se sobrepõem, “tudo deve ser concebido, estruturado e planeado de modo integrado ao nível da estratégia total (topo do Estado) até chegar, para o planeamento e execução, à autarquia, à empresa aos serviços, à escola, ao hospital, às estradas, portos e aeroportos, aos complexos desportivos, etc., até ao cidadão, de modo a que ninguém fique de fora. (Leandro, 2002, p. 116).

Quanto maior e mais diversificado (nas suas características físicas, mas também nas suas gentes) for um território, mais dificuldade têm os governos centrais em decidir medidas que, em alguns casos, pouca ou nenhuma interferência terão no melhoramento da qualidade de vida dos cidadãos. Esta estratégia sai mais onerosa e incorre no risco de ser alvo de mais críticas do cidadão consciente dos impostos que paga. Por outras palavras, a solução que deverá resultar numa maior eficácia passará pela definição de estratégias a nível nacional, com base num conjunto de opiniões e estudos, como por exemplo a aposta no policiamento de proximidade, sendo depois a sua aplicação avaliada quase rua a rua, com a identificação de zonas mais sensíveis.

Como resume Francisco Fonseca, a governação da segurança baseia-se “principalmente na descentralização da segurança, na cooperação internacional e na privatização da segurança” (Fonseca, 2010, p. 86).

Nota: Este texto faz parte de um trabalho académico sobre Políticas Públicas de Segurança e Mass Media realizado em Janeiro de 2012. O primeiro post foi este: Políticas Públicas, uma nova forma de governar. Obrigada por acompanharem.

Referências bibliográficas:

CHAVES, Carlos (2011), “Sistema de Segurança Nacional – Ensaio de uma nova visão”, in Segurança e Defesa, Julho/Set de 2011, p. 16 a 21.
FONSECA, Francisco José Seixas (2010), “A evolução das políticas públicas de segurança interna em Portugal, na era da globalização”, Lisboa, ISCSP.
LARA, António de Sousa (2004), Ciência Política – Estudo da Ordem e da Subversão, Lisboa, ISCSP.
LEANDRO, José Eduardo Garcia (2002) “O Estado, o cidadão e a segurança. Novas soluções para um novo paradigma”, Segurança e Defesa, Fev. 2002, p. 12 a 19.
MCINTOSH, Malcolm e HUNTER, Alan (2010), “Novas perspectivas de segurança humana”, Greenleaf Publishing, Sheffield.
PEREIRA, Oliveira (2009), “É fundamental recriar uma cultura de respeito pela autoridade do Estado”, in Segurança e Defesa, Set./Nov 2009, p. 10 a 13.
SANTOS, Nelson (2011), “Sentimento de Insegurança e Estado de Direito o espectro axial da relação Liberade e Segurança”, Segurança e Defesa Abr/Jun 2011, p. 70 a 81.

terça-feira, 31 de julho de 2012

Alemanha: Cidadãos espiões na luta anti-terrorismo

O estado alemão da Baixa Saxónia publicou um guia prático para ajudar os cidadãos a identificarem sinais de extremismo entre os muçulmanos, uma decisão que já levou a comunidade islâmica a falar em “alarmismo” e a oposição do Partido Social-Democrata (SPD) numa medida "absurda" e "ultrajante".

O documento de 54 páginas traça um quadro preocupante da ameaça do islamismo radical no pais, apontando que as autoridades de segurança alemãs estimam que cerca de 1140 indivíduos a viver na Alemanha constituem um risco elevado de se tornarem terroristas.

A inquietação é justificada. Embora organizações terroristas como a Al-Qaeda estejam a perder peso na Europa, o islamismo radical tem vindo a crescer, ainda que não seja a olhos vistos. Actualmente o radicalismo dá passinhos de lã, o novelo é longo e emaranhado e desenrola-se sobretudo noutro espaço, o virtual.

Muitos autores acreditam que a Europa passou a ser o alvo principal dos terroristas islâmicos, mais de uma década depois de o ódio de Bin Laden aos Estados Unidos ter sido corroborado por muçulmanos de todo o mundo, inclusive moderados.

Enquanto nos Estados Unidos a comunidade islâmica vem fazendo um trabalho estóico contra o extremismo, a Europa tem-se tornado no terreno ideal para aliciar futuros terroristas e até conseguir apoios para actos dessa natureza.

Os chamados “muçulmanos sociológicos”, que cresceram na Europa, onde se sentem discriminados e sem perspectivas de beber do “sonho europeu” (muito menos agora com a região em profunda crise), acabam por se tornar num alvo fácil para as mensagens do islamismo radical.

Ao indicar aos cidadãos 26 possíveis características do processo de radicalização, como aulas particulares de idiomas, preocupação com a vida após a morte, mudanças na situação financeira e realização de longas viagens a países com populações de maioria muçulmana, as autoridades estão a discriminar ainda mais os muçulmanos no seu todo, o que configura o cenário perfeito para os defensores do islamismo radical conseguirem mais apoio.

Se olharmos para as 26 características às quais o cidadão comum deve estar atento, provavelmente será difícil encontrar um único muçulmano que não seja um potencial terrorista. 

Mas pior do que isso: este género de “citizen intelligence” lembra práticas levadas a cabo em regimes ditatoriais, como alguns métodos da PIDE em Portugal. Ora convém referir que no mesmo documento as autoridades da Baixa Saxónia realçam que o objectivo estratégico de longo prazo das organizações islâmicas é destruir a democracia.

Para além do aumento das clivagens que isto poderá provocar na sociedade, levará também a um recurso maior à “taqiyya” (dissimulação) por parte dos islamistas radicais, apostando sobretudo em encontros em apartamentos privados e em disfarces com roupas e estilos de vida ocidentais boémios, o que causará maiores problemas aos espiões dos serviços de informações, cujo trabalho assenta num estudo exaustivo, na discrição e na cautela, cuidados que os cidadãos não vão ter.

Se é certo que a Intelligence tem sido uma das armas mais eficazes no combate ao islamismo radical – ainda que não seja necessariamente a melhor – e se até podemos concordar com algumas vantagens do envolvimento dos cidadãos no trabalho dos serviços secretos, esta medida torna-se demasiado perniciosa quando solicitada a uma população de uma região onde o Islão não é a religião dominante.

Ou se trata de uma decisão desesperada de quem já não sabe lidar com um fenómeno sem rosto, feito cada vez mais de “lobos solitários” e de “franshing” e não de organizações estruturadas, ou resulta de uma estratégia eleitoralista da conversadora CDU.  Em todos os casos, é uma medida incalculada com resultados imprevisíveis.

sábado, 28 de julho de 2012

Políticas Públicas, uma nova forma de governar

Os Estados têm vindo a responder em função da forma como estão organizados a mais e novas necessidades dos cidadãos num sistema em que estes pagam impostos e exigem, em troca, alguns serviços acordados pelos governantes, como um sistema nacional de saúde, educação gratuita e estruturas de segurança e defesa, algo que em regimes democráticos deve ser decidido com base em acordos entre partidos e com os parceiros de várias áreas, como sindicatos e empresas, sem fugir à legislação e a princípios éticos.

Vale a pena recordar o conceito de Welfare State ou Estado Providência, que tem origem no pensamento keynesiano e que começou a ganhar expressão sobretudo a partir da Grande Depressão de 1929 e da II Guerra Mundial como resposta à crise. Muito em voga durante toda a segunda metade do século XX, este sistema surgiu na sequência de uma crescente consistência democrática e das disparidades decorrentes do capitalismo após a Revolução Industrial. Trata-se de uma “transformação do próprio Estado a partir das suas estruturas, funções e legitimidade” e de “uma resposta à demanda por serviços de segurança sócio-económica” (Wieczynski, p. 1) por parte dos cidadãos, visando a sobrevivência das sociedades e alguma equidade.

Associado a este conceito está o de serviço público, que, para Marcello Caetano (citado em Bilhim, 2000, p. 789) corresponde ao modo de actuar da autoridade pública a fim de “facultar, por modo regular e contínuo, a quantos deles careçam, os meios idóneos para satisfação de uma necessidade individualmente sentida”. Um serviço que, segundo João Bilhim (ibidem), tem esbarrado nas regras de concorrência aliadas a uma economia de mercado.

Com o Estado a assumir a organização da sociedade e da economia, sob uma postura paternalista benigna, os cidadãos habituaram-se a depender dele em muitos domínios da sua vida e a culpar os governantes por todas as coisas que lhes faltavam, algo que continua ainda a ocorrer em vários países, como Portugal, onde a cidadania é ainda antónimo de agir em prol do bem comum. Enquanto, por exemplo, nos Estados Unidos há organizações de moradores que tratam de realizar mudanças nos bairros onde vivem, em Portugal faz-se um requerimento junto da junta da freguesia ou lançam-se críticas contra o poder político que nada faz.

Desde os anos 70 do século XX que o Welfare State começou a tornar-se incomportável devido, especialmente, à crise petrolífera. A situação piorou anos mais tarde, por causa do “aumento das despesas dos serviços públicos num período de estagnação económica” (Fonseca, 2010, p. 22). Diante da falência iminente deste sistema, criaram-se novos modelos de administração, com a chamada reforma administrativa, que passou a ser um assunto obrigatório na agenda política a partir dos anos 80.

Surgiram assim as chamadas políticas públicas, ou seja, um conjunto de acções com vista ao bem colectivo desencadeadas pelo Estado a vários níveis (central, regional e local) em parceria com outro tipo de entidades, como organizações não governamentais ou empresas privadas, envolvendo cada vez mais o cidadão. Em causa estão áreas tão diversas como segurança, justiça, saúde, educação, economia ou cultura. Segundo Barbara Nelson, o conceito de políticas públicas desenvolveu-se nos Estados Unidos por lá existirem “duas condições indispensáveis”, designadamente, “estabilidade política e estabilidade democrática, aliada à existência de grupos de opinião independentes que avaliação a acção do governo”, (Bilhim, 2008, p. 100), enquanto na Europa a inovação tardou devido à sua “tradição administrativa e à sua cultura legalista”, denota João Bilhim (ibidem).

De acordo com o mesmo autor, “a crescente complexidade que a vida moderna revelou levou a considerar o poder político institucionalizado como uma rede de poder”, responsável pelo “processo de negociação e de troca” e “onde governar assenta, sobretudo, num processo de ajustamento entre grupos, sendo equivalente a um modo dinâmico de gerir crises (Bilhim, 2008, p. 101). Assim, cabe ao Estado propor acções de prevenção perante situações de risco à sociedade através de políticas públicas, sendo que neste processo de decisão a sociedade não é só chamada a agir, mas também a decidir. Desvaloriza-se o carácter empreendedor do governo, enquanto a cidadania activa aparece como a 'chave mestra'. O cidadão é aquele que ora governa ora é governado, deixando de assumir o papel de súbdito, frisa Adelino Maltez (citado em Bilhim, 2008, p. 102).

Nota: Este texto faz parte de um trabalho académico sobre Políticas Públicas de Segurança e Mass Media realizado em Janeiro de 2012. Em futuros posts colocarei a continuação deste trabalho. Obrigada por acompanharem.

Referências bibliográficas:

BILHIM, João (2000), Ciência da Administração, Lisboa, Universidade Aberta.

BILHIM, João (2008), “Políticas públicas e agenda política”, in Revista de ciências sociais e políticas, nº 2(Jan.-Abr. 2008), p. 99-121.

FONSECA, Francisco José Seixas (2010), “A evolução das políticas públicas de segurança interna em Portugal, na era da globalização”, Lisboa, ISCSP.

WIECZYNSKI, Marineide, “Considerações teórica sobre o surgimento do Welfare State e suas implicações nas políticas sociais: uma versão preliminar”, in www.portalsocial.ufsc.br/publicacao/consideracoes.pdf (Consultado a 12 de Janeiro de 2012).

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Terrorismo na Europa, um problema de segurança

A Europa conta actualmente com cerca de 20 milhões de pessoas que professam o Islão (segundo uma estimativa apontada por Sandra Liliana Costa), sem ter em conta a população russa da Europa. Esta população tem crescido rapidamente e a média de idades dentro do grupo é mais jovem do que a da restante população europeia.

Henrique Raposo chama a atenção para o facto de um muçulmano na Europa ser associado ao conceito comunitário e religioso da comunidade muçulmana e não ao conceito individual e legal de cidadão (Raposo, p. 1). “O jihadismo é uma realidade que marca os muçulmanos de hoje; o jihadismo terrorista existe entre os muçulmanos. Se é desonesto ligar o radicalismo ao Islão por inteiro (como fazem os defensores do choque civilizacional), também é desonesto fingir que o islamismo é o resultado da opressão que o sistema ocidental lança sobre os muçulmanos (tal como fazem os defensores das teses multiculturalistas”, escreve o mesmo autor (Raposo, p. 4).

Sandra Liliana Costa explica que perante a divisão do movimento, sem uma base de apoio consolidada, os islamistas foram obrigados a repensar as suas estratégias e redefiniram um novo inimigo para manter acesa a chama revolucionária. Eles “podiam calcular que ao atingirem países ocidentais, estes ripostariam, o que iria abalar as consciências muçulmanas, pois ao sentirem-se atacados uma vez mais os muçulmanos acabariam por apoiar a luta dos jihadistas”. (Costa, p. 39). Além disso, consideravam a luta contra os governos ocidentais, cuja influência tanto se fazia sentir nos países muçulmanos, uma maneira de enfraquecer os governantes locais, escreve a mesma autora (Costa, p. 39).

Sandra Liliana Costa fala numa segunda geração do movimento. “Com um controlo mais apertado por parte das autoridades e com as próprias comunidades muçulmanas mais alerta para o problema da radicalização”, os adeptos da ideologia jihadista encontram formas alternativas de conseguir treino necessário para entrar em acção (Costa, p. 39). “Não raras vezes, assistiu-se nos últimos anos ao fenómeno da criação de células jihadistas formadas através da autoradicalização, auto-recrutamento e treino auto-didacta, por exemplo, com base em documentos e recursos obtidos via Internet, a qual funciona como um campo de treino virtual”, explica a mesma autora (Costa, p. 39).

Actualmente, a Europa está na vanguarda islamista, quer ao nível doutrinário, quer ao nível da operacionalidade no terreno. É considerada por Walter Laqueur, citado por Henrique Raposo, como a base principal para grupos terroristas (Raposo, 2009, p. 9). “Neste momento, está a ocorrer uma exportação da Jihad para a Europa. E, atenção, essa exportação é feita com base em apoiantes locais da Jihad global e não em voluntários oriundos do coração do mundo árabe”, alerta Reuven Paz, igualmente citado por Henrique Raposo (Raposo, 2009, p. 9). Muitos radicais, expulsos do Médio Oriente, encontram nas mesquistas europeias o local perfeito para centros islamistas vanguardistas e mesmo armazéns, daí Londres ser considerada a capital intelectual do radicalismo islamiata. Alguns radicais como Abu Qatada, Osmar Bakri Mohammed, Abu Hamza e Mohammed al-Massari obtiveram autorização para entrar no Reino Unido, para pregar a violência contra o Ocidente, angariar dinheiro e recrutar jovens para a Jihad. Daí, nota Henrique Raposo, não é de estranhar que o ataque de 7 de Julho em Londres tenha sido levado a cabo por indivíduos que nasceram no Reino Unido.

Com efeito, Sandra Liliana Costa realça que muitos dos jovens descendentes muçulmanos cresceram em sociedades europeias preconceituosas, o que resultou na sua marginalização e alienação. Esta realidade levou muitos deles a procurar uma “identidade alternativa e auto-estima numa suposta vanguarda islâmica global e no cumprimento de um dever honroso”, escreve a autora (Costa, p. 41).  Recorde-se que os autores do atentado de Londres a 7 de Julho de 2005 eram jovens da classe média formados em universidades, que aparentemente até estavam bem integrados na sociedade.

Perante esta realidade, várias pessoas demonstram pessimismo relativamente à presença de radicais islamistas na Europa. O Ocidente poderá apenas conter e não derrotar grupos militares como a Al-Qaeda, entende o chefe das forças armadas britânicas, para quem o extremismo islâmico, enquanto ideia, não é passível de erradicação. O general Sir David Richards, um antigo comandante da NATO no Afeganistão, acrescentou que a militância islamista será uma ameaça ao Reino Unido por, pelo menos, 30 anos (BBC, 2010).

Importa também dizer que a economia ocidental é, há 15 anos, um alvo da Al-Qaeda, mas, desde a crise financeira de 2008, os partidários da rede terrorista compreenderam que esta é muito mais vulnerável e intensificaram os ataques para arruinar os inimigos. “É a estratégia de ferir para levar à falência", afirmou o director do centro de estudos da radicalização terrorista na Fundação pela Defesa das Democracias, um centro de reflexão de Washington. Citado pela AFP, o americano Daveed Gartenstein-Ross acrescentou que "Bin Laden pensa sinceramente que participou na ruína da União Soviética no Afeganistão e o seu objectivo é fazer o mesmo com os Estados Unidos”, já que as guerras do Iraque e do Afeganistão são extremamente caras (AFP, 2010). Os extremistas têm ainda a noção que forçar o Ocidente a instalar dispositivos de segurança eficazes para detectar os artefactos explosivos dos extremistas é uma carga pesada adicional em economias já debilitadas.

Esta estratégia e os efeitos da mesma levam algumas pessoas a prever o pior. Por exemplo, Bernard Lewis, um reputado especialista em questões do Médio Oriente, afirma que a Europa está prestes a ser tomada pelos muçulmanos porque os europeus “estão a perder a lealdade a si mesmos, a sua auto-confiança” e “não têm respeito pela própria cultura”. Para este professor, em breve, o Islão tomará conta de toda a Europa devido à promoção do “multi-culturalismo” e do “politicamente correcto” entre os povos do Velho Continente.

Adelino Torres alerta ainda que o islamismo político parece especialmente perigoso, não só por causa do “terrorismo em si, que poderia ser ou não circunstancial, mas porque aquilo que pressupõe no plano gnosiológico aponta para um retrocesso histórico”. “É uma concepção teológica redutora das relações entre os homens, uma metafísica estreita que perverte o pensamento, contribui para um empobrecimento brutal da criatividade e para a anulação do espírito crítico”, avisa (Torres, p. 9).

Referências bibliográficas:


- AFP (2010), “Al-Qaeda ataca o calcanhar de Aquiles do Ocidente: a economia”, in http://br.noticias.yahoo.com/s/afp/101201/mundo/alqaeda_economia_conflito_transporte&printer=1 (Consultado em Dezembro de 2010).
- BBC Online (2010), “Ocidente não consegue derrotar a Al-Qaeda, diz chefe das forças armadas britânicas”, in http://www.bbc.co.uk/news/world-middle-east-11751888 (Consultado em Dezembro de 2010).
- COSTA, Sandra Liliana, “As várias manifestações do Islamismo na Europa”, in
http://www.google.pt/url?sa=t&source=web&cd=1&ved=0CBcQFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww1.eeg.uminho.pt%2Friap%2Fcp%2Fceupinto%2FProjectoFCT%2FWorking%2520Paper%2520Projecto%2520SC.pdf&rct=j&q=Working%20Paper%20Projecto%20SC%20Sandra%20Liliana%20Costa%20islao%20an%20europa&ei=pq0ITdyKE8a38QPTkKwb&usg=AFQjCNGQxqeo8E3vsma99VhOvlJ6e-4Pzw&sig2=akkeyVMVQxYXtSM_exfg1A (Consultado em Dezembro de 2010).
- RAPOSO, Henrique (2009), “O islamismo nas sociedades europeias – os mitos da comunidade muçulmana, do diálogo de civilizações e do Islão moderado”, in www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/ri/n22/n22a06.pdf  (Consultado em Dezembro de 2010).
- TORRES, Adelino (2005), “Racismo, Islamismo político e modernidade”, in António Custódio Gonçalves (Coordenação de), “O racismo, ontem e hoje”, Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2005, p. 23-39.

Nota: Texto escrito em Dezembro de 2010.

sábado, 14 de julho de 2012

Martírio e oportunismo entre os islamistas

O fenómeno dos mártires do Islão não pode ser dissociado do fundamentalismo islâmico, que encara o Islão não apenas como uma religião, mas também como um sistema que governa os sectores políticos, económicos, culturais e sociais do estado, indo contra o paradigma de estados laicos. Um desses casos é a Jihad Islâmica, que tem como objectivo destruir o Estado de Israel.

Asmed Rashid destaca que movimentos globais, como a Al-Qaeda, que tem por base a ideologia do fundamentalismo islâmico, ignoram a grande Jihad e apontam a pequena Jihad como “filosofia política e social completa”. “É essa perversão da Jihad – como justificação para matar o inocente - que em parte define o novo fundamentalismo radical dos movimentos islâmicos mais extremistas de hoje”, acrescenta (Rashid, 2003, p. 16).

Sandra Liliana Costa escreve que os  jihadistas, ao contrário de outros islamitas, não fornecem qualquer projecto intelectual para a ordem islâmica que almejam. “O seu objectivo resume-se à captura e islamização do Estado e à imposição do seu programa islâmico a toda a sociedade”, denota, acrescentando que “muitos autores defendem que é precisamente esta pobreza em ideias originais que explica a predilecção especial que os islamistas jihadistas têm pelo recurso ao conflito” (Costa, p. 32).

A Jihad agressiva actual luta sobretudo contra o Ocidente, opondo-se a governos islâmicos que estejam associados a países ocidentais. O objectivo final é unificar todo o mundo islâmico, sob a liderança de um Califa, como nos primórdios da história da religião. Os governos dos países muçulmanos considerados corrompidos pela influência ocidental devem ser varridos do mapa na perspectiva do líder da Al-Qaeda. "Chegará o tempo em que vocês desempenharão um papel decisivo no mundo, de forma que a palavra de Alá seja suprema e as palavras dos infiéis sejam subjugadas", prometeu ele aos seus seguidores no texto “A Bomba Nuclear do Islão”. Silas Tostes destaca que “devido as várias concepções de Jihad, mas principalmente entre a versão defensiva e agressiva, há muita tensão no mundo islâmico” (Tostes, p. 46). O historiador francês Marc Ferro, citado por Jaime Oliva, fala mesmo numa guerra civil que está a ser travada no interior do mundo árabe-muçulmano, entre “os que querem modernizar o Islão, e os que querem islamizar a modernidade” (Oliva, 2008).

A Al-Qaeda fomenta o terrorismo em diversos países, nomeadamente onde existem interesses norte-americanos e, devido à sua independência financeira – suportada pelos milhares de seguidores de Obama bin Ladein espalhados por todo o mundo -, tem bastante influência em outros grupos terroristas, o que leva estes últimos a partilharem um sentimento anti-americano. Alcino Cruz escreve que “todos os países ocidentais podem ter a certeza de que não terão descanso, em virtude das acções terroristas serem perpetradas sobre várias formas até que os propósitos do Islão sejam concretizados”, isto é, até que se convertam à religião de Maomé (Cruz, 2002, p. 34).

Referências bibliográficas:


- COSTA, Sandra Liliana, “As várias manifestações do Islamismo na Europa”, in
http://www.google.pt/url?sa=t&source=web&cd=1&ved=0CBcQFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww1.eeg.uminho.pt%2Friap%2Fcp%2Fceupinto%2FProjectoFCT%2FWorking%2520Paper%2520Projecto%2520SC.pdf&rct=j&q=Working%20Paper%20Projecto%20SC%20Sandra%20Liliana%20Costa%20islao%20an%20europa&ei=pq0ITdyKE8a38QPTkKwb&usg=AFQjCNGQxqeo8E3vsma99VhOvlJ6e-4Pzw&sig2=akkeyVMVQxYXtSM_exfg1A (Consultado em Dezembro de 2010).
- CRUZ, Alcino (2002), O pensamento e a humilhação das mulheres da fé islâmica, Lisboa, Campo Grande Editora.
- OLIVA, Jaime (2008), “Paquistão: entre modernizar o Islão ou islamizar a modernidade”, in http://jaimeoliva.blogspot.com (Consultado em Dezembro de 2010).
- RASHID, Ahmed (2003), Jihad – Ascensão do Islão militante na Ásia Central, Lisboa, Terramar.
- TOSTES, Silas, “Jihad e o Reino de Deus”, in instituto.antropos.com.br/downloads/Jihad.pdf  (Consultado em Dezembro de 2010).

Nota:
Texto escrito em Dezembro de 2010.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Mártires do Islão

Um mártir é alguém que morre pela sua fé religiosa, pelo simples facto de professar uma determinada religião ou por agir de acordo com essa mesma religião, daí se poder dizer que Jesus Cristo, por exemplo, foi um mártir. É importante ressalvar que mártir pode ainda ser aquele que morre patrioticamente pela liberdade, a independência ou a autonomia de um povo, por um ideal social ou político ou num conflito.

As primeiras referências a mártires entre muçulmanos remontam ao Imâm Husain, neto de Maomé, que numa batalha em 680 afirmou: “O Profeta disse que aquele que vê um governante exercer a tirania, infringir a lei divina, violar as Ordens de Deus, ir contra o modo de vida do Profeta e governar o povo através da crueldade e do pecado e não se lhe opõe pelas palavras ou pelos actos não será abençoado por Deus (…) Perante este estado de coisas, compete-me substituir o seu Reino pelo Reino da verdade e da justiça ... Anseio morrer como mártir. Viver no meio dos fracos é, já de si, um crime”, escreve Salman Ghaffari, citado por Helder Santos Costa (Costa, 2003, p. 76).

O autor português lembra que em múltiplas passagens do Alcorão encontram-se alusões ao paraíso definido como a “Estância dos bem-aventurados e das delícias”, que são “frutos da obediência a Deus (Costa, 2003, p. 63). Helder Santos Costa frisa ainda que “o voluntário para o martírio tem de estar fortemente motivado para o ingresso no Paraíso”, sendo essa motivação ideológica, religiosa e patriótica (Costa, 2003, p. 67). A organização radical Jihad Islâmica organiza cerimónias aos voluntários para o martírio onde se proclama a sua vitória sobre a morte. Segundo Helder Santos Costa, “existe a crença de que mal a primeira gota de sangue é derramada” por um mártir, “todos os seus pecados são perdoados” (Costa, 2003, p. 67).

De acordo com o mesmo autor, alguns “radicais cultivam a ideologia da morte e até chegam a ser partidários do niilismo até a um dado momento sincrónico, o da sua própria morte, que procuram ver recompensada no Além”. Alguns extremistas pautam o seu modo de estar pelo maniqueísmo, considerando que “o Mundo dos Crentes deverá combater sempre o Mundo dos Não Crentes, até à consumação da vitória final”, acrescenta. Neste sentido, muitos extremistas subscrevem algumas máximas” de Bin Laden, tais como “o amor a este mundo é errado, deveis amar o outro mundo” ou “nós amamos a morte, os norte-americanos amam a vida” (Costa, 2003, p. 26).

Várias associações que aplaudem actos suicidas são não raras vezes as mesmas que constroem esses actos suicidas. Alcino Cruz chama a atenção que “as organizações terroristas estão interligadas nas suas acções” e têm chefes supremos à cabeça para converterem alguns muçulmanos a tornarem-se suicidas, sendo que muitas vezes estes últimos são instruídos desde crianças a tornarem-se mártires contra os governos ou contra aqueles que não são muçulmanos (Cruz, 2002, p. 35). O mesmo autor reforça, num livro bastante crítico, que jovens muçulmanos são persuadidos pelos seus correligionários directos a tornarem-se mártires, “devido, provavelmente, ao obscurantismo, superstição e ignorância que têm, em virtude de aprenderem, desde crianças, só a recitar versículos do Alcorão, sem, portanto, aprenderem outro conhecimento crítico” (Cruz, 2002, p. 7).

Seja qual for a motivação, a maioria do suicidas em ataques terroristas são recordados com grande respeito e admiração, sendo inclusive ídolos de futuros mártires pela mesma causa.

Referências bibliográficas:


COSTA, Helder Santos (2003), O Martírio no Islão, Lisboa, ISCSP.

CRUZ, Alcino (2002), O pensamento e a humilhação das mulheres da fé islâmica, Lisboa, Campo Grande Editora.

Nota: Texto escrito em Dezembro de 2010.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Jihad desde Maomé à Al-Qaeda

Para entender as diferentes interpretações de Jahid é preciso dar longos passos atrás na história. Na verdade, o conceito tem-se modificado ao longo de 14 séculos, de Maomé a Obama bin Laden.
Os Hadith, uma compilação de relatos das acções e ensinamentos de Maomé, esclarecem detalhes do Alcorão, facilitando indicações precisas quanto a tratados, espólios, prisioneiros, tácticas e muito mais. A partir desses preceitos, os juristas muçulmanos criaram mais tarde um conjunto de leis. Com efeito, o processo iniciado pelo Maomé teve um sucesso tão grande que, após oito anos de pregação e combate, o profeta conseguiu a submissão de Meca, no ano 630. Durante os anos que esteve no poder, Maomé travou, em média, nove batalhas militares por ano, por isso pode dizer-se que a Jihad ajudou a definir o perfil do Islão desde o princípio. O exemplo de Maomé e o califado dos seus quatro sucessores representam um período de referência para todos aqueles que regem a sua vida pelos ditos do Alcorão. “Os muçulmanos entendem que foi graças ao Alcorão que acabaram por realizar tantas e tão gloriosas conquistas” no passado, pegando desde logo nos exemplos de vida dos companheiros do profeta que sacrificaram as suas vidas pela fé islâmica (Costa, 2003, p. 23).

Com o fim das conquistas, altura em que dominou uma Jihad agressiva e expansiva, os não-muçulmanos deixaram de representar uma ameaça e ganhou espaço a Jihad Maior.
Entretanto, as Cruzadas - o esforço militar europeu para controlar a Terra Santa, na altura sob domínio dos muçulmanos turcos - deram à Jihad Menor, em concreto defensiva, uma nova urgência. No século XII, as invasões mongólicas subjugaram grande parte do mundo islâmico e alguns pensadores chegaram a fazer uma distinção entre falsos e verdadeiros muçulmanos e a conferir à Jihad uma nova importância, julgando a fé de uma pessoa pela sua determinação em lutar.

No século XIX, as Jihads chamadas “purificadoras” voltaram-se contra os próprios muçulmanos em algumas regiões, como na Arábia. Entretanto, o imperialismo europeu também inspirou os esforços de resistência jihadista em locais como a Índia, o Cáucaso, a Somália e Marrocos, mas todos fracassaram.

“O novo pensamento islamista surgiu no Egipto e na Índia nos anos 20, mas a Jihad só tomou a forma de uma guerra ofensiva radical com o pensador egípcio Sayyid Qutb, morto em 1966. Qutb retomou a distinção de Ibn Taymiya entre falsos e verdadeiros muçulmanos para acusar os não-islamistas de não serem muçulmanos e, assim, declarar uma Jihad contra eles. Então, o grupo que assassinou Anwar El-Sadat em 1981 acrescentou a ideia de Jihad como o caminho para a dominação mundial”, escreve Daniel Pipes (Pipes, 2005). Prémio Nobel da Paz em 1978 e presidente do Egipto entre 1970 e 1981, Muhammad Anwar Al Sadat foi assassinado por membros da Jihad Islâmica Egípcia infiltrados no exército e que se opunham às negociações com Israel.

Surgiu, entretanto, uma nova tendência dentro do Islamismo, que marca o crescimento do secularismo entre os muçulmanos, como na Turquia. A par deste crescimento, virou-se mais uma página em direcção à dominação mundial por parte dos muçulmanos, em concreto na guerra contra os soviéticos no Afeganistão, já que, pela primeira vez, jihadistas do mundo inteiro reuniram-se num país para lutar em nome do Islão. “Um palestino, Abdullah Azzam, tornou-se o teórico da Jihad global na década de 80 atribuindo-lhe um papel central sem precedentes, julgando cada muçulmano exclusivamente por sua contribuição à Jihad e fazendo desta a salvação dos fiéis e do Islão. O terrorismo suicida e Bin Laden não tardaram a surgir” (Pires, 2005). Entre a década de 90 e a actualidade, este sentimento tem crescido através da Al-Qaeda e de grupos semelhantes, que formam uma complexa rede mundial.

Referências bibliográficas:


COSTA, Helder Santos (2003), O Martírio no Islão, Lisboa, ISCSP.
PIPES, Daniel (2005), “A Jihad através da História”, in New York Sun (Consultado em http://pt.danielpipes.org/ em Dezembro de 2010).

Nota: Texto escrito em Dezembro de 2010.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Morsi, Presidente

Com 51,7% dos votos, Mohammed Morsi é o novo Presidente do Egipto. No seu primeiro discurso perante a nação prometeu ser o "líder de todos os egípcios".
O cenário não é promissor. O Conselho Supremo das Forças Armadas continua a governar o país e dá mostras de não abandonar o poder tão cedo. O Parlamento egípcio foi dissolvido ainda este mês pelo Tribunal Constitucional do Egipto, uma vez que este considera que cerca de um terço da assembleia fora eleita ilegalmente. E a Constituição ainda não foi redigida. 
Mohammed Morsi encontra um país totalmente dividido e perdido da revolução que depôs Mubarak em Fevereiro de 2011. 
Morsi não terá trabalho fácil, mais ainda se quiser que a Irmandade Muçulmana mantenha posição relevante no parlamento egípcio nas próximas legislativas.


quarta-feira, 20 de junho de 2012

"O Egito e as eleições com dois vencedores"


Ainda sobre as eleições presidenciais no Egipto aconselho a leitura do texto "o Egipto e as eleições com dois vencedores" que podem encontrar aqui
A autora debruça-se sobre os recentes acontecimentos que assolaram aquela região e o impasse em que se encontra. 
Para uma grande maioria egípcia a revolução perdeu o seu rumo, ora vejamos os sucessivos protestos desde a queda de Hosni Mubarak em Fevereiro de 2011. No Cairo, um correspondente da euronews evidencia o mesmo, "“os resultados das eleições estão próximas, pouco importa quem ganha, elas confirmam que o povo egípcio está dividido, um ano e meio após a revolução, mas a praça Tahrir, mantém-se o lugar por excelência dos protestos que vão perdendo vigor”.  
Qualquer que seja o resultado destas eleições certamente não cessaram os protestos.

Boa leitura!

domingo, 17 de junho de 2012

Egipto e as presidenciais

 "If you speak you die. If you stay silent, you die. So speak, and die"
Tahar Djaout

Hoje é dia decisivo no Egipto!
As presidenciais decorrem durante este fim de semana na região e irão ditar o rumo daquele país. 
Após intensa polémica e a retirada de alguns candidatos por não cumprirem todos os 'requisitos', a corrida ao cargo é disputada por Ahmed Shafik, militar que desempenhou altos cargos durante o regime de Mubarak e que foi o último primeiro-ministro, e por Mohammed Morsy, islâmico e representante da Irmandade Muçulmana. A presença de Shafik nas presidenciais gerou contestação uma vez que temem um retrocesso ao antigo regime. Por sua vez, a candidatura de Morsy provocou polémica visto que receiam o estabelecimento do fundamentalismo islâmico.
Saliento que apesar de estar a decorrer as eleições presidenciais, os poderes do futuro chefe de estado ainda não são do conhecimento da população. O processo constitucional que deveria realizar a nova constituição foi interrompido, pois o Conselho Militar após decisão do Tribunal Constitucional dissolveu o parlamento egípcio.
O cenário continua em totalmente em aberto. Para muitos egípcios a revolução perdeu o seu rumo... Qualquer que seja o resultado destas presidenciais, o mais certo é a contestação regressar às ruas.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Basel Shehade o cineasta

A escalada do terror continua na Síria e parece não ter fim. Ao fim de 15 meses de violência cerca de 13 mil pessoas morreram. «Os números dizem pouco. Já morreram sírios de todas as idades e em todos os lugares. Já morreram muitos sírios que podiam estar longe da Síria». Sejam sírios, estrangeiros, homens, mulheres ou crianças...  pessoas morrem todos os dias!
Os  sucessivos vetos russo e chinês  no Conselho de Segurança impedem qualquer iniciativa militar apenas contribuem para que o terror continue naquela região.
Enquanto uns discutem se o conflito pode ser considerado "guerra civil" ou se ainda estamos perante uma "insurreição", massacres ocorrerem. Após o intenso combate em Homs, Hama, e outras cidades, agora é vez de Houla e Haffe. Segundo um relatório da ONU, crianças estão a ser usadas como "escudos humanos". Radhika Coomaraswamy, representante especial da ONU para as crianças e para os conflitos armados, afirma que crianças estão a ser detidas, torturadas e assassinadas.
Relembro que desde Abril um cessar-fogo está estipulado pelo plano de paz do enviado especial Kofi Annan, mas na prática não resultou em qualquer mudança. Integrado nesse mesmo plano de paz cerca de 300 observadores da ONU encontram-se no território, mas apesar dos esforços a violência perdura. Para escapar ao terror milhares de pessoas refugiam-se nos estados vizinhos nomeadamente Turquia, Iraque, Líbano e Jordânia.

Hoje impera falar daqueles que rumam ao conflito para dar a conhecer ao mundo os horrores e assim contar a história de todos aqueles que  seriam esquecidos.
Há uma semana morreu Basel Shehade! Mais um sírio, mais um civil para a longa lista de mortes desde o início da revolta há 15 meses. Shehade, cineasta, percorria o território sírio a gravar imagens da violência. Não é o primeiro a morrer ao relatar os terrores vividos na região. Relembro que como Shehade, Marie Colvin, repórter de guerra, e Rémi Ochlik, fotojornalista, viriam a falecer debaixo do intenso bombardeamento do exército sírio. No seu curto percurso Shehade incutiu nos outros a necessidade de fazer o que realizava, documentar os horrores do conflito para que não fossem esquecidos e muito menos negados, como é usual ao Homem.

Abaixo podem encontrar um dos seus trabalhos mais recentes, "Singing to Freedom", onde reúne entrevistas a activistas sírios.







segunda-feira, 11 de junho de 2012

"Maghreb/Machrek, olhares luso-marroquinos sobre a primavera árabe"

Hoje deixo uma sugestão de leitura, para todos aqueles que se interessam pelo mundo árabe. "Maghreb/Machrek, olhares luso-marroquinos sobre a primavera árabe", blogue de Raúl M. Braga Pires e Fanou Adjana Souag, que pode encontrar aqui, debruça-se essencialmente sobre a tão proclamada "Primavera Árabe" e os seus efeitos desde o Maghreb ao Machrek.
No referido blogue podem encontrar textos sobre a actual situação nos vários Estados, nomeadamente, Tunísia, Egipto, Líbia e afins. Como acima referi, apesar de naquele espaço de exposição encontrar maioritariamente dados sobre a "Primavera Árabe", podem também deparar-se com informações sobre outros assuntos, ainda que relacionados com o mundo árabe e/ou islâmico.
Aconselho o acompanhamento deste espaço de opinião. 
Boas leituras!

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Jihad, uma palavra entre tantos significados

Jihad é um conceito pilar do Islamismo, uma religião com cerca de 1,2 bilhões de seguidores, o que representa um quinto da população mundial. Os muçulmanos governam ainda 50 países do mundo. Com efeito, quem crê nas palavras de Maomé adopta não uma religião, como é commumente entendido, mas um modo de vida que inclui instruções relacionadas com todos os aspectos da actividade humana, como políticos, sociais, económicos, legais e militares.

A raiz linguística de Jihad, vem de Jihd (esforço) ou do verbo Jihad (esforço constante), mas a palavra, como tantas outras, tem mais um significado simbólico do que linguistico, o que dá azo a diversas interpretações.

A Jihad é encarada como uma luta, resultante de uma vontade pessoal, em busca da fé perfeita. Esse caminho pode ser feito pela luta do homem consigo mesmo através da ascese e de exercícios de piedade, a Jihad Maior, ou pelo esforço no sentido de converter os outros ao Islamismo e de mobilizar uma luta política e social, a Jihad Menor.

Apesar de a Jihad não integrar os cinco pilares do Islão – a recitação e aceitação da crença, orar cinco vezes por dia, dar esmolas, cumprir o jejum no Ramadão e fazer uma peregrinação a Meca se a pessoa tiver condições físicas e económicas – a verdade é que o termo aparece referido várias vezes no Alcorão. Helder Santos Costa refere que a doutrina muçulmana clássica aponta a existência de dois mundos, o Mundo do Islão e o Mundo da Guerra ou Mundo dos Infiéis, estando este último destinado a desaparecer (Costa, 2003, p 35).

O termo Jihad foi utilizado por Maomé com o significado de "guerra sagrada", simbolizando a luta pela conversão do maior número de pessoas ao Islão. De acordo com Ahmed Rashid, “os muçulmanos veneram a vida do profeta Maomé, porque exemplificou tanto a grande como a pequena Jihad”, lutando ao longo da vida para “melhorar como muçulmano, tanto para dar o exemplo aos que O rodeavam como para demonstrar o Seu completo compromisso com Deus”, mas também “combateu a corrupta sociedade árabe em que vivia e serviu-se de todos os meios – incluindo meios militares, mas não exclusivamente – para a transformar” (Rashid, 2003, p. 16). Segundo as formas comuns do Islão, se uma pessoa morre em Jihad, é enviada directamente para o paraíso, sem quaisquer punições pelos seus pecados.
   
No Ocidente, a Jihad e normalmente traduzida para Guerra Santa, o que parece irritar os muçulmanos. Contudo, no Alcorão lê-se: “Matai-os até que a perseguição não exista e esteja no seu lugar a religião de Deus. Se eles se converterem, não haverá mais hostilidade” (cf. Cruz, 2002, p. 67). De acordo com Alcino Cruz, a Guerra Santa encontra-se estatuída no versículo 89: “os hipócritas quereriam que renegásseis como eles renegaram e que fosseis todos iguais”. “Não Tomeis chefes entre eles até que se afastem pela causa de Alá que conduz ao combate: se voltarem costas, apanhai-os e matai-os onde quer que os encontreis” (Cruz, 2002, p. 60). Porém, José Marín Reveros faz uma forte distinção entre as duas palavras, ao escrever que “a Jihad muçulmana, entendida como o esforço no caminho de Alá, pode chegar a constituir-se numa Guerra Santa, partilhando certos elementos com o Cristianismo” (Riveros, p. 7).
   
Neste âmbito, importa ressalvar que existe uma diferença entre as várias culturas islâmicas e a ideologia islamista, que congrega pessoas que defendem ou recorrem ao uso das armas, por oposição aos muçulmanos, que são simplesmente crentes na fé islâmica (Foi tomada a opção de distinguir islamistas e islamitas da seguinte forma: enquanto os primeiros usam o Islão como arma política e de terrorismo, os segundos são meros crentes no Islão). Henrique Raposo diz que “a primeira característica dos islamistas é o seu ódio às diferentes culturas islâmicas” e frisa que o bombista suicida “ameaça em igual medida os ocidentais e a maioria dos muçulmanos” (Raposo, 2009, p. 5).
   
Para além da forma agressiva da Jihad, que já abordámos enquanto Jihad Menor, existe uma vertente defensiva. Os que defendem esta ideia, só utilizam a Jihad em casos semelhantes às batalhas que Maomé travou, após ter sido agredido. “Mesmo que na ocasião tenha usado a força, fê-lo, segundo os muçulmanos, só depois de ter recebido permissão divina”, escreve Silas Tostes (Tostes, 19). Esta opção defensiva “tem a vantagem de ter consenso com o artigo 51 da Carta da Nações Unidas (auto-defesa), e com a opinião do Vaticano”, destaca o mesmo autor (Tostes, p. 25).
   
Note-se que existe ainda discordância quanto ao recurso à Jihad agressiva, com alguns autores a defenderem que o seu uso não é obrigatório mas deve ser feito em situações de inesperado ataque à comunidade islâmica. Por outro lado, muçulmanos islamistas como o ex-líder da Al-Qaeda, Osama bin Laden, entendem que este uso é obrigatório.
   
A esta ideia presente no Ocidente de que existe uma guerra violenta destinada a transformar as pessoas em muçulmanos à força resulta em grande parte de diversos atentados terroristas, como os de 11 de Setembro de 2001, levados a cabo pela Al-Qaeda.
   
Há ainda alguns grupos que entendem que a Jihad passa também pela reclamação de terra que em tempos pertenceu a muçulmanos ou pela protecção do Islão contra aquilo que eles encaram como influências que "corrompem" a vida muçulmana.

Bassam Tibi, sociólogo sírio-alemão especialista no Islão e muçulmano sunita, entende que o fenómeno do fundamentalismo islâmico desvirtua o Islão tornando-o num factor de acção política em proveito próprio.
   
Por outro lado, repare-se que na visão de Ustaz Haji Ali Haji Mohamed, o ser humano, sem ter noção disso, está num estado constante de Jihad, já que se esforça sem esperar formas de gratificação e evitando coisas que são proibidas (Mohamed, p. 7).

Referências bibliográficas:


- COSTA, Helder Santos (2003), O Martírio no Islão, Lisboa, ISCSP.
- CRUZ, Alcino (2002), O pensamento e a humilhação das mulheres da fé islâmica, Lisboa, Campo Grande Editora.
- MOHAMED, Ustaz Haji Ali Haji, “Understand Jihad”, in www.rrg.sg/edisi/data/Understanding_jihad.pdf  (Consultado em Dezembro de 2010).
- RAPOSO, Henrique (2009), “O islamismo nas sociedades europeias – os mitos da comunidade muçulmana, do diálogo de civilizações e do Islão moderado”, in www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/ri/n22/n22a06.pdf  (Consultado em Dezembro de 2010).
- RASHID, Ahmed (2003), Jihad – Ascensão do Islão militante na Ásia Central, Lisboa, Terramar.
- RIVEROS, José Marín, “Islão, Guerra e Jihad”, in http://www.google.pt/url?sa=t&source=web&cd=1&ved=0CBcQFjAA&url=http%3A%2F%2Farpa.ucv.cl%2Farchivum4%2Fhistoria%2520medieval%2Fislam.%2520guerra%2520y%2520jihad...jm.riveros.pdf&ei=b9QITe1XxfOyBsDhwJQD&usg=AFQjCNHHunkvjTAlcMdETirK-yDbB7RjNw&sig2=iI5CL7oMjewy_rb0dDj8AQ (Consultado em Dezembro de 2010).
- TOSTES, Silas, “Jihad e o Reino de Deus”, in instituto.antropos.com.br/downloads/Jihad.pdf (Consultado em Dezembro de 2010).

Nota: Trabalho realizado em Dezembro de 2010.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Fundamentalismo ecológico

No âmbito do trabalho académico sobre fundamentalismos enquanto problemas sociais, e depois de ter falado de fundamentalismo religioso, fundamentalismo étnico e fundamentalismo de mercado, cabe-me finalmente abordar o fundamentalismo ecológico. Obrigada por me terem acompanhado.

Muitos fundamentalismos partem de posturas positivas. Não só é positivo para os homens serem religiosos, como também o é defenderem o ambiente. O problema surge quando essas crenças se tornam demasiado fechadas, uma questão que é tão mais evidente quando se fala sobre um tema baseado numa realidade mutante, mais do que em escritos antigos. É o que acontece com o fundamentalismo ecológico, que acaba por prejudicar as causas que defende.

Jennifer Marohasy alerta que “as políticas públicas de ambiente estão a ser conduzidas mais por crenças determinadas do que pela ciência” e apela a uma abertura mental perante evidências (Marohasy, 2004, p. 41). Ao falar de fundamentalismo, este ambientalista dá o exemplo dos governos que baniram as colheitas de organismos geneticamente modificados, lembrando que esta alimentação é considerada de qualidade e segura. “Respeito os direitos daqueles que não querem comer alimentos geneticamente modificados, da mesma forma que respeito os direitos dos muçulmanos de não comerem carne de porco, mas as campanhas contra os alimentos geneticamente modificados não parecem aceitar o meu direito de escolha”, realça, frisando que este tipo de organismos têm benefícios, como a redução do uso de pesticidas e a potencialidade de alimentar uma população mundial cada vez maior (Marohasy, 2004, p. 45).

Kátia Abreu também se mostra defensora do “conhecimento científico” aplicado ao ambiente em substituição daquilo a que chama de 'fanatismo', algo que leva uns poucos que se autodenominam 'defensores da natureza' a “definir o bem e o mal e lançar sentenças arbitrárias”. “O que decidem passa em julgado, sem apelação” e a “sociedade, perplexa e generosa, preocupada com a qualidade de vida, as mudanças climáticas e a própria sobrevivência do planeta, submete-se a toda sorte de exageros”, critica. A mesma autora aponta ainda o dedo a leis ambientais que “revelam generosidade e ignorância, pois, na sua maioria, não têm nenhuma base científica e experimental”. (Abreu, 2010).

Este activismo exagerado alimenta-se do medo das pessoas da mesma forma que o fazem os fundamentalistas religiosos, sendo que enquanto os primeiros jogam com o temor de uma vida sem palco ou mesmo de uma morte provocada por questões ambientais, os segundos servem-se do medo de uma vida tenebrosa depois da morte.

Thomas Gale Moore reforça esta ideia ao defender que os ecologistas zelosos substituíram uma fé em Deus por uma adoração do ambiente. Este fanatismo, combinado com histeria, uma ciência questionável e grupos especiais de interesse está a comandar políticas governamentais sem consideração pelos incentivos de mercado, riscos, ou custos, defende. Um exemplo disso são as medidas de controlo de poluição mal projectadas que impuseram custos demasiado elevados e em grande parte desnecessários, exemplifica o mesmo autor (Moore, 1992).

No mesmo sentido, falando da realidade brasileira, Kátia Abreu considera que os paradigmas que querem impor ao país reflectem “o remorso, a hipocrisia e, principalmente, o poder económico dos povos até agora ditos desenvolvidos e que através de milénios de História desobstruíram as suas paisagens e não têm mais condições de recompô-las” (Abreu, 2010).

Efectivamente ao representar, em muitos casos, um entrave à industrialização, o fundamentalismo ambiental constitui um problema social, já que pode gerar falta de produtos, danos económicos e desemprego. Neste âmbito, o Estado assume aqui um papel importante, no sentido de identificar o fundamentalismo e distingui-lo de posições em defesa do ambiente mais moderadas e assentes em estudos científicos.

Além disso, António de Almeida Santos alerta que “é a visão fundamentalista da problemática ecológica que exalta a harmonia natural contra a agressão das civilizações” (Santos, 1998, p. 59).

Importa ressalvar que os meios de comunicação social, como agente de socialização, jogam um papel importantíssimo na definição das opiniões públicas e, logo, no que a população exige dos governos. Numa lógica de mercado, muitos meios de comunicação social optam por 'vender' posições alarmistas, descurando a sua responsabilidade. Pablo Ariel Pellegrini dá o exemplo das controvérsias ambientais sobre a relação entre furacões e aquecimento global, uma questão pouco consensual no meio cientifico, para dizer que um artigo publicado na revista Philosophical Transactions of the Royal Society of London em Julho de 1997, no qual “cientistas asseguravam que o aquecimento global tinha um enorme impacto na formação de furacões”, foi citado pelos meios de comunicação “umas 79 vezes”, enquanto um artigo publicado em Dezembro do mesmo ano na revista Nature, onde era sugerida uma posição contrária, foi citado nos grandes meios de informação “sete vezes” (Pellegrini, p. 13 e 14). Além disso, nota-se que mais do que cientistas ou governantes, os meios de comunicação social ouvem sobretudo activistas quando se fala de ambiente, até pela dependência destes em relação aos 'media' para disseminarem as suas ideias.

Referências bibliográficas:

ABREU, Kátia (2010), “Verdade ambientalista versus fundamentalismo”, in http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100322/not_imp527458,0.php (Consultado em Janeiro de 2011).

MAROHASY, Jennifer (2004), “Environmental Fundamentalism”, in Policy, Vol. 20, nr. 3.

MOORE, Thomas Gale (1992), Environmental fundamentalism, California, Hoover Institution on War, Revolution, and Peace, Stanford University.

PELLEGRINI, Pablo Ariel, “Trangénicos e indústria do papel: quando o discurso científico perde autoridade. O papel da ciência nas controversias ambientais”, Argentina, Instituto de Estudos sobre a Ciência e a Tecnologia da Universidade Nacional de Quilmes.

SANTOS, António de Almeida (1998), Por favor, preocupem-se!, Lisboa, Editorial Notícias.