Günter Grass, escritor alemão e vencedor do prémio Nobel da Literatura em 1999, recentemente lançou-se numa gravíssima polémica com o Estado israelita, tudo na sequência de um poema publicado num jornal alemão, Süddeutsche Zeitung, a 4 de Abril, intitulado
Por que motivo só agora digo,
já velho e com a minha última tinta,
que Israel, potência nuclear, coloca em perigo
uma paz mundial já de si frágil?
Porque deve ser dito
aquilo que amanhã poderá ser demasiado tarde [a dizer],
(…)”
Face a tais acusações, Israel, através do ministro do Interior, Eli Yishai, declarava Grass persona non grata o que equivale a proibir o acesso daquele ao território israelita. As críticas, não só israelitas mas também alemães, sucederam-se à velocidade da luz. A animosidade instalou-se, chegando ao ponto de advogarem à retirada do prémio Nobel da Literatura atribuído a Grass, dada a sua postura imoral. A Academia Sueca negou veemente, uma vez que o prémio fora atribuído pelo seu mérito literário.
SS-Waffen anti-semitismo. Outros ainda mencionariam a idade de Grass, quiçá procurando algum vestígio de senilidade, para justificar a produção do provocatório poema.
Apesar da quantidade de acusações vários foram aqueles que vieram em defesa do escritor alemão, indicando que este criticava apenas a política do governo de Benjamin Netanyahu, algo que mais tarde Grass afirmou, e não Israel no todo.
A polémica tenderá a permanecer, uma vez que diversas foram os assuntos levantados após a divulgação do poema de Grass. Desde a questão do holocausto, do anti-semitismo, anti-sionismo, a tensão Israel e Irão, a política de Netanyahu e outros continuarão a contribuir para variadas discussões e reflexões.
NOTA: Abaixo podem ler a versão traduzida de Günter Grass
O que deve ser dito
“Porque guardo silêncio há demasiado tempo
sobre o que é manifesto
e se utilizava em jogos de guerra
em que no fim, nós sobreviventes,
acabamos como meras notas de rodapé.
É o suposto direito a um ataque preventivo,
que poderá exterminar o povo iraniano,
conduzido ao júbilo
e organizado por um fanfarrão,
porque na sua jurisdição se suspeita
do fabrico de uma bomba atômica.
Mas por que me proibiram de falar
sobre esse outro país [Israel], onde há anos
- ainda que mantido em segredo –
se dispõe de um crescente potencial nuclear,
que não está sujeito a nenhum controle,
pois é inacessível a inspeções?
O silêncio geral sobre esse fato,
a que se sujeitou o meu próprio silêncio,
sinto-o como uma gravosa mentira
e coação que ameaça castigar
quando não é respeitada:
“antissemitismo” se chama a condenação.
Agora, contudo, porque o meu país,
acusado uma e outra vez, rotineiramente,
de crimes muito próprios,
sem quaisquer precedentes,
vai entregar a Israel outro submarino
cuja especialidade é dirigir ogivas aniquiladoras
para onde não ficou provada
a existência de uma única bomba,
se bem que se queira instituir o medo como prova… digo o que deve ser dito.
Por que me calei até agora?
Porque acreditava que a minha origem,
marcada por um estigma inapagável,
me impedia de atribuir esse fato, como evidente,
ao país de Israel, ao qual estou unido
e quero continuar a estar.
Por que motivo só agora digo,
já velho e com a minha última tinta,
que Israel, potência nuclear, coloca em perigo
uma paz mundial já de si frágil?
Porque deve ser dito
aquilo que amanhã poderá ser demasiado tarde [a dizer],
e porque – já suficientemente incriminados como alemães –
poderíamos ser cúmplices de um crime
que é previsível,
pelo que a nossa cota-parte de culpa
não poderia extinguir-se
com nenhuma das desculpas habituais.
Admito-o: não vou continuar a calar-me
porque estou farto
da hipocrisia do Ocidente;
é de esperar, além disso,
que muitos se libertem do silêncio,
exijam ao causador desse perigo visível
que renuncie ao uso da força
e insistam também para que os governos
de ambos os países permitam
o controle permanente e sem entraves,
por parte de uma instância internacional,
do potencial nuclear israelense
e das instalações nucleares iranianas.
Só assim poderemos ajudar todos,
israelenses e palestinos,
mas também todos os seres humanos
que nessa região ocupada pela demência
vivem em conflito lado a lado,
odiando-se mutuamente,
e decididamente ajudar-nos também.”
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