Em “a Primavera Árabe das nações”, que pode ler aqui, Shlomo Avineri[1],
debruça-se sobre as recentes transformações verificadas no Médio Oriente e
Magreb na sequência da tão proclamada Primavera Árabe.
Avineri, sucintamente percorre os
vários territórios afectados pelos “ventos de mudança”, realizando um
paralelismo com o sucedido na antiga URSS e no seu desmembramento.
Para a história ficará o derrube
de regimes e governantes autoritários através das sucessivas manifestações populares,
exibidas com alguma perplexidade pelos meios de comunicação social. Apesar
dessa perplexidade sentida, era certo que a médio ou longo prazo, aquelas populações
revoltar-se-iam. Como li em tempos, «as
ditaduras, por muito que durem, são um regime sem futuro».
Nem todas as manifestações tiveram o fim
pretendido. Alguns regimes conseguiram travar as repercussões da revolta
popular, salvaguardando-se, são os casos de Marrocos, Jordânia, Arábia Saudita
e alguns estados do Golfo Pérsico, com a excepção do Bahrein como refere o
autor. Na sua maioria as monarquias não foram afectadas com a vaga da Primavera
Árabe. Na opinião de Shlomo Avineri, tal se deve essencialmente a factores de
ordem religiosa. Para além de apontar o petróleo e o lucro que dados estados
detêm e que ajuda-os a manter a autocracia, outros porém apostam naquilo que
denomina de ‘autoridade tradicional’, serem descendentes do Profeta ou
possuírem a custódia dos lugares santos, Meca e Medina.
Outros porém, apesar de
conseguirem derrubar o déspota, parece que perderam o rumo ao longo da
revolução, como o próprio salienta, «(…)
derrubar uma ditadura é uma coisa – um drama que dura algumas semanas –
enquanto a transição para uma democracia consolidada é outra. Aqui, é
necessário um processo moroso e o seu sucesso (…) depende de condições prévias
importantes».
Sholmo Avineri, menciona quatro
estados que tendem a não encaminhar-se rumo à democracia, são eles, Egipto,
Líbia, Iémen e quiçá a Síria se porventura Bashar al-Assad cair do poder.
Relativamente ao caso do Egipto, mais aprofundado pelo autor, os militares e a
Irmandade Muçulmana muito provavelmente irão partilhar o poder. Uns (militares)
porque há muito que se encontram no poder e não pretendem ficar sem as regalias
que o mesmo proporcionou, e os outros (Irmandade Muçulmana) porque foram os
grandes vencedores das eleições legislativas realizadas no país. Para Shlomo
Avineri muito dificilmente o Egipto caminhará para a democracia, uma vez que a
Irmandade Muçulmana detém uma visão de democracia maioritária e não liberal,
como o próprio evidencia. O facto de terem ganho a eleição só contribuirá para
governar de acordo com a sua visão, alheando-se da restante realidade como os
direitos das minorias e afins. Alaa Al-Din Arafat, em “Hosni Mubarak and the future of democracy in Egypt”, vem ao
encontro da tese defendida por Avineri. A dada altura é referido, «(…) the former Supreme Guide Mostafa Mashur
said, “We accept the concept of pluralism for the time being; however, when we
will have the Islamic rule we might then reject this concept or accept it.” The
pragmatic conclusion is that MB [Muslim Brotherhood] will use the democratic system to achieve power, and then they will
jettison it» (Arafat.2011:177).
Avineri salienta ainda para a
possibilidade de desagregação, pois em determinados estados não existe unidade
nacional. Vejamos o caso da Líbia, onde a região de Cirenaica, a 6 de Março,
proclamou a criação de um Estado semi-autónomo. A mesma terá a sua capital,
parlamento, tribunais mas ainda assim continuará a fazer parte da Líbia,
mantendo a bandeira e o hino. Não se trata de uma separação mas de uma
independência administrativa, menciona um comandante de milícia, Fadl-Allah
Haroun. O CNT, no poder desde o derrube do regime de Khaddafi, afirmaria tratar-se
de uma conspiração estimulada por alguns estados árabes. Relembro que Cirenaica
é uma das regiões mais ricas da Líbia.
Por fim, Sholmo Avineri novamente
numa analogia com a URSS exprime que «(…)
não nos deveríamos surpreender se a democratização do mundo árabe, por muito
difícil que seja, arrastar consigo uma redefinição de fronteiras. Resta saber
se esse será um processo violento ou pacífico».
Assistimos a grandes alterações
proporcionadas pelos ventos revolucionários da tão proclamada Primavera Árabe. E
um dia assistiremos ao abrir das pequenas ‘caixas de Pandora’, que um pouco por
toda a região afectada pela Primavera Árabe dimanaram.
Referências Bibliográficas:
ARAFAT, Alaa Al-Din (2011) “Hosni Mubarak and the Future of Democracy in Egypt”, Palgrave Macmillan, USA;
[1] Professor de Ciência
Política, ex director-geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros Israelita;
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