terça-feira, 10 de janeiro de 2012

"Perigo ou promessa na Coreia do Norte?"

Artigo de opinião de Javier Solana (Ex-Alto Representante dos Negócios Estrangeiros da UE e ex-secretário-geral da NATO), sobre a Coreia do Norte e a recente morte de Kim Jong-il, que abalou o país. Podem encontrar o artigo aqui.


«Dois dias após o falecimento do líder da Coreia do Norte, Kim Jong-il, num comboio no seu país, as autoridades da Coreia do Sul ainda não tinham conhecimento do facto. Entretanto, as autoridades americanas pareciam perdidas, com o Departamento de Estado limitando-se a reconhecer a existência de alguns comunicados de imprensa que mencionavam a sua morte.

A incapacidade dos serviços de informação da Coreia do Sul e dos Estados Unidos para captar algum sinal do que tinha acontecido comprova o carácter opaco do regime da Coreia do Norte, mas também testemunha as deficiências da Coreia do Sul e dos EUA. Apesar dos aviões e satélites americanos vigiarem a Coreia do Norte, de dia e de noite, e as antenas mais sensíveis cobrirem a fronteira entre o norte e o sul da Coreia, sabemos muito pouco daquele país, dado que toda a informação vital está restrita a um pequeno grupo de dirigentes obcecados com o secretismo.

A mudança de líder está a ter lugar no pior momento possível. É sabido que os líderes chineses esperavam que Kim Jong-il sobrevivesse durante o tempo necessário para consolidar o apoio entre as várias facções do país à sucessão do seu filho, Kim Jong-un.

Todos os atributos simbólicos do poder foram transferidos para Kim Jong-un – a sua posição protocolar em cerimónias fúnebres, a Presidência da Comissão Militar e inclusivamente a máxima hierarquia no partido governante – com uma rapidez considerável. Mas este facto não tornará menos difícil o processo de transição do poder a um jovem com menos de 30 anos numa sociedade em que os chefes militares veteranos detêm uma parte importante do mesmo.

A situação económica, que continua a ser bastante precária, com muitas pessoas quase a passarem fome, constitui outro desafio fundamental. Dois exemplos bastam para ilustrar a situação: o preço do arroz triplicou, enquanto o consumo de electricidade diminuiu dois terços de há 20 anos a esta parte.

As minhas recordações pessoais da Coreia do Norte, de há cerca de dez anos, são de um país pobre e deprimido. Pyongyang, a capital, era obscura e deserta, iluminando-se à passagem da caravana que nos conduzia das casas de protocolo à Opera House, para voltar depois à obscuridade. Aquando da sua entrada na Opera House, Kim Jong-il foi recebido com o mesmo fervor com que hoje se chora a sua morte.

A minha viagem teve lugar em Abril de 2002, numa época de algum optimismo. A União Europeia tinha aderido a um acordo iniciado pelas duas Coreias e pelos Estados Unidos, no âmbito do programa da Organização para o Desenvolvimento da Energia da Península da Coreia, com o objectivo de persuadir a Coreia do Norte a congelar e posteriormente desmantelar o seu programa nuclear. Em troca, seriam construídos dois reactores nucleares de água leve para a produção de energia eléctrica e seriam fornecidas 500.000 tm de petróleo, por ano, até à entrada em funcionamento do primeiro reator. Por sua vez, a UE iniciaria um extenso projecto de ajuda humanitária. As conversações com Kim Jong-il e seus colaboradores pareciam promissoras.

Infelizmente, o acordo teve curta duração. Em 2003, a Coreia do Norte abandonou o Tratado de Não Proliferação. A partir desse momento desvaneceu-se todo o optimismo, até ao reinício posterior dos contactos num formato complexo a seis (China, Rússia, EUA, Japão e as duas Coreias) que continuaram, com altos e baixos, até finais de 2007. Depois dos incidentes marítimos de 2009 e 2010, em que as forças da Coreia do Norte atacaram a Coreia do Sul, praticamente não tem havido contacto entre as duas Coreias.

Dado o comportamento da Coreia do Norte nos últimos dez anos, uma mudança súbita de liderança aumenta a ameaça de ocorrência de incidentes inesperados. Para limitar este risco, é essencial manter com a China relações o mais transparentes possível. A China é quem tem os contactos mais directos com a Coreia do Norte e é quem pode catalisar, melhor que ninguém, a recuperação das negociações a seis.

A China reconhece que a Coreia do Norte não pode subsistir na sua forma actual e gostaria de ver os seus líderes transformarem a economia sem alterações políticas substanciais. Será isto possível? Poderá isto ser feito a um ritmo que transmita aos outros actores regionais confiança em que a evolução será previsível? Para a China, os problemas são avaliados de acordo com a história do seu país e a partir de uma óptica de política interna – tanto mais quanto mais próximos estejam da sua fronteira. Para o Ocidente, e muito particularmente para os EUA, todos os problemas devem ter uma solução num período finito de tempo. Enquanto os EUA segmentam os problemas e tentam encontrar soluções para cada uma das partes, a China considera os problemas políticos sem pressas, como um processo prolongado, que pode inclusivamente não ter solução.

Para além das conversações a seis, é necessária a criação de um quadro de onde possa emergir um diálogo cooperativo entre os EUA e a China. No caso da Coreia - como recorda Christopher Hill, um dos negociadores mais eficazes dos EUA nestes assuntos – Os EUA deveriam expressar claramente que nenhuma solução para a península da Coreia dividida representaria uma perda estratégica para a China. Após o armistício que pôs fim à Guerra da Coreia em 1953, foi estabelecido o paralelo 38 como o limite para a presença das forças norte-americanas e não devemos esquecer a importância que aquela guerra teve para a China.

Esta abordagem pode ser uma forma de estabilizar a região durante este período de elevada incerteza. Poderá haver outras formas. A progressiva abertura de Myanmar (Burma) demonstra que uma mudança política potencialmente significativa não necessita de ser acompanhada de instabilidade regional. No caso da Coreia do Norte, em que estão em jogo armas nucleares, não se pode permitir que seja.»

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