quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

A sociedade civil cipriota

Segundos dados do CIA Wold Fact Book, a ilha de Chipre tem cerca de 1 milhão e 120 mil habitantes, dos quais 77% são de etnia grega e 18% são turcos[1]. Os primeiros ocupam a zona Sul da ilha e os segundos estão sediados a Norte. No mapa abaixo podemos observar as áreas sob controlo da República de Chipre e da República Turca de Chipre. A destacar ainda a linha que divide o território, sendo que a área "cinzenta" é a chamada Buffer Zone. Nesta área, que ocupa a capital Nicósia, é onde se concentram as principais actividades intercomunitárias, que já foram previamente faladas e que merecerão atenção de novo mais adiante.
Achei importante uma caracterização da sociedade cipriota, seguindo os trabalhos de Kaymak, Lordos e Tocci. Estes três estudiosos debruçaram-se sobre o how the cypriots see themselves, através de sondagens de opinião, algo fulcral na minha pesquisa. Dado interessante para juntar às minhas pesquisas foi conseguido desde logo: os cipriotas partilham ideologias e valores, sendo que identificam as trajectórias culturais e históricas como o que os separa[2]. Acima de tudo, vêem-se como cipriotas. Apesar da já referida hifenização, olham-se como cipriotas e têm aspirações partilhadas para o futuro. Outro ponto em comum, mas que atrasa em muito um acordo é a desconfiança mútua, sendo este o cerne da sua divisão, a par da cultura e história. Eu acrescentaria incompreensão, pois muitos são os estudos (nomeadamente a iniciativa Chipre 2015) que sublinham que o ensino ainda demoniza em muito o “outro”, como se pode verificar também em Kanol quando diz “Currently, the education system in both parts of Cyprus functions as a nationalist ideology which demonizes the other part.[3] Além desta desconfiança mútua, os gregos-cipriotas desconfiam da Turquia (nomeadamente a proximidade em relação à ilha e presença militar) e os turcos-cipriotas manifestam reservas em relação à Grécia, à União Europeia e da Comunidade Internacional, sentindo que estes os votaram ao esquecimento. Ainda assim, ambas as comunidades mostram-se altamente receptivas a revisitar o seu passado, admitindo as suas falhas mas rejeitando em larga escala o recurso à violência ou a resolução do conflito por via armada. Isto aponta para uma conclusão interessante: em comparação com outros conflitos étnicos, como por exemplo os do Cáucuso ou os de África, o ódio étnico é muito mais baixo. Acrescentaria a isto, que ao contrário de outras crises, o engagement das forças de Gestão de Crise, neste caso a ONU, é muito inferior, limitando-se à resolução de ocasionais escaramuças, algo que também confere um estatuto diferente à questão. Por último, o descontentamento popular em relação à falta de acordo. Estes dados são muito importantes como ponto de partido para uma paz definitiva.
Característica interessante abordada pelos autores acima mencionados são os pontos de vista partilhados maioritariamente por ambas as comunidades. Quer turcos, quer gregos-cipriotas, qualquer que seja a solução encontrada para o futuro da ilha, vêem com bons olhos a unificação de certos aspectos que podem desempenhar uma melhoria significativa das suas qualidades de vida - Representação comum ao nível desportivo (de referir, a título de curiosidade, que nos diferentes campeonatos profissionais de futebol cipriota existe uma enorme comunidade atletas portugueses), estratégias comuns de luta contra o crime organizado, fomento da economia e indústria, protecção mútua do património histórico e cultural e estratégias de harmonização entre Grécia, Turquia e União Europeia. Outro ponto a referir que reforça esta ideia veiculada é o descontentamento em relação à situação actual, como algo que nada de bom traz à vida das pessoas. Ambos os lados discordam profundamente do settlement actual, mas até veriam com bons olhos uma solução de Federação. O problema está no “como”. A desconfiança dos turcos em relação a gregos e a noção de eventual perda de influência dos segundos é algo que ainda está por resolver.
cont.


[1] Cfr esta e mais informação em https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/geos/cy.html consultado em Dezembro de 2011.

[2] Cfr em KAYMAK, Erol; LORDOS; Alexandro, TOCCI, Natalie, Building confidence in peace: public opinion and the Cyprus peace process, CEPS, Bruxelas, 2008.

[4] Cfr em www.cyprus2015.org.
[6] Cfr CONSTANTINOU, Costas, Aporias of Identity and the ‘Cyprus Problem’ disponível em http://academos.ro/sites/default/files/biblio-docs/207/constantinou_cyprus_aporia.pdf p.20 consultado em Dezembro 2011.

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