domingo, 8 de janeiro de 2012

“A Sociedade Invisível”, um novo olhar para um novo mundo

“O essencial é invisível aos olhos”.
Antoine de Saint Exupéry

O livro “A sociedade invisível”, de Daniel Innerarity, apresenta uma visão do mundo actual   caracterizado pela complexidade, com problemas de legitimidade, “em que tudo o que se mostra se torna suspeito” e em que se crê que a realidade é uma “montagem”. Segundo a visão do autor, que recebeu o prémio Espasa Ensaio 2004, num mundo de manipulação e simulação, o verdadeiramente real torna-se uma obsessão, da mesma forma que cresce a insegurança num mundo cada vez mais seguro. Daniel Innerarity, que pode ser considerado um visionário, leva-nos a questionar toda a realidade, inclusive as nossas relações pessoais, mostrando-nos o real em dualismos, entre o que julgamos ser e o que realmente é, entre o predominante insignificante e as excepções essenciais.

Na sociedade descrita no livro, própria de um mundo global, onde por exemplo guerra, território, comunicação, medo e economia deixaram de ser o que eram, a “distribuição do poder é mais volátil, a determinação das causas e de responsabilidades é mais completa, os interlocutores são instáveis, as presenças são virtuais e os inimigos difusos”. Não esquecendo que o espaço é algo dinâmico e “não precede as acções mas o contrário”, os Estados começam a perder algumas das suas competências tradicionais, por exemplo a nível económico, onde as multinacionais operam sob a égide de um mercado global e não tanto dentro de um Estado. Há inclusive cada vez mais regiões, como o País Basco, que estabelecem relações com o exterior sem a ajuda dos governos centrais dos seus países. Na sociedade actual, também o cidadão “tem que estar um pouco para além de si próprio e do seu espaço nacional” (Patrocínio, p. 5), deixando de ser, por exemplo, português ou chinês, para adquirir uma cidadania muito mais abrangente.

Este espaço fluído, sem fronteiras, é o cenário ideal para o terrorismo. Os terroristas estão disseminados por todos os continentes, sobretudo nos países que não raras vezes atacam. O terrorismo é virtual também pelo facto de, em vez de atacar vítimas concretas, procurar sobretudo modificar comportamentos, lançando a suspeita e a confusão, através do aproveitamento do medo levado ao extremo.

Com efeito, perante um ataque terrorista ou uma ameaça, os Estados sentem-se impelidos a fazer algo, sobretudo algo visível sob a capa de heroísmo, com vista a unificar os cidadãos e a legitimar a sua autoridade. No contra-terrorismo, é essencial apresentar um rosto do inimigo, ainda que ele seja invisível. As soluções encontradas para fazer face ao terrorismo devem ser reavaliadas, não só porque as guerras convencionais não se encaixam no fenómeno de terrorismo – dado que o inimigo joga num campo de batalha diferente e não existem vencedores nem vencidos – mas também pelos perigos que comportam, em especial quando civis são atacados. “Quando nos convencemos que a guerra é a única forma de prevalecer (como os da jihadistas fizeram), tornamo-nos hipócritas em relação à nossa causa (tal como os islamistas) e arriscamo-nos a apagar a distinção entre guerreiros e não combatentes” (Ken e Dunne, 2002, p. 13).

Daniel Innerarity dá ainda conta de que o anti-terrorismo por vezes serve também o propósito de desviar as atenções de outros temas, já que em questões que aparecem na opinião pública como de interesse nacional e de defesa, quem mostrar divergências políticas ter de apresentar um bom motivo.

Se o “terrorismo não poderia existir sem comunicação”, sendo o seu comportamento moldado a enviar mensagens (Kushner, 1998, p. 209), tampouco podiam os políticos viver sem ela numa sociedade do espectáculo, onde, por exemplo, o perfil de um candidato político é mais importante que o seu partido, como destacam Afonso de Albuquerque e Márcia Ribeiro Dias (2002, p. 314).

Daniel Innerarity vem pôr em causa a ideia de transparência das sociedades democráticas e falar numa “cegueira própria da excessiva visibilidade” (2004, p. 51), algo que a Al-Qaeda compreende bem, daí não encher a comunicação social, mas passar esporadicamente mensagens curtas e fortes, garantindo, desta forma, a atenção de um maior número de pessoas.

Na política actual, “a celebridade é mais importante que a competência”, escreve Innerarity (2004, p. 146). Muitas vezes, para diminuir a visibilidade de certas medidas impopulares, os políticos acertam discussões e fait-divers com vista a entreter o público, desviando-o do essencial.

Nesta lógica de representação e de sobrevalorização da política, num contexto de receio de um inimigo desconhecido, os governantes agem, por vezes, em demasia, sem premeditação. Ao medir a importância de um risco, acabam por criar novos riscos, adverte Daniel Innerarity. Isso tem-se visto com várias medidas islamofóbicas.

Daniel Innerarity conclui, assim, que “as pessoas têm o direito de estar a salvo também dos seus protectores” (2004, p. 172), já que, com certas atitudes, algumas políticas acabam por aumentar o sentimento de insegurança, saindo os seus autores quase sempre incólumes. “Muitos conflitos emergem a partir do que as partes pensam que está a acontecer – das suas ansiedades, preconceitos, medos e incertezas – e não de qualquer fenómeno que seja, de facto ameaçador”, disse Robert C. North (Santos, 2009, p. 176).

Nesta sociedade, com futuro incerto, em que o presente já não serve de exemplo, Daniel Innerarity aponta como saída a utopia, que impele as pessoas a quererem diferente e, logo, a visionarem alternativas que possam ser úteis.

Ao olhar para o provir, Mihaly Simai considera que os “países precisam de entender completamente as implicações positivas da sua interconectividade e interdependência e a necessidade de incorporar  nas suas políticas normas éticas como previsibilidade, responsabilidade e solidariedade” (1994, p 348).

No futuro, onde a importância do Estado é incerta – pelo menos na sua forma actual – e onde as políticas devem estar em constante mudança e adequação, os cidadãos devem partilhar medos e riscos, conseguindo assim colocar-se mais facilmente no lugar do outro e trabalhar em conjunto para soluções que beneficiem todos. Neste futuro, em que também o tempo se torna invisível, surge ainda uma maior necessidade de pensar nas gerações vindouras, tão coladas às actuais.

Concluiu-se assim que, apesar da invisibilidade, incerteza e confusão do mundo actual, ele está cheio de oportunidades, que podem ser aproveitadas para construir um mundo melhor.   

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