segunda-feira, 30 de abril de 2012

Direito Internacional e Terrorismo

“O dia 11 de Setembro de 2001 ficou marcado como um divisor de águas no Direito Internacional” (Marco, 2005). Desde logo, é importante ter em conta que a definição de terrorismo não é unanime na comunidade internacional. Ainda que muitas definições possam caber dentro deste conceito, como terrorismo de Estado, terrorismo cultural, entre outros, a Assembleia Geral da ONU acabou por definir terrorismo como “actos criminosos com o objectivo de ou calculados para provocar um estado de terror no público geral, um grupo de pessoas ou determinados indivíduos por razões políticas quaisquer que sejam as considerações de cunho político, filosófico, ideológico, racional, étnico, religioso ou outro que possam ser invocados para justificá-los” (Ruiz, 2005, p. 152).

Ao falar de terrorismo, será abordada a Responsabilidade Internacional de um Estado, que se traduz sobretudo “numa relação entre dois sujeitos de direito internacional, no qual o Estado prejudicado reclama a reparação ao Estado que causou o dano” (Wilebsky e Januário, 2003, p 23).

A responsabilidade no terrorismo implica desde logo o Estado atingido, que tem de responder por quem ou pelo que foi lesado pelo acto terrorista. Contudo, o reconhecimento da negligência dos funcionários de um país na culpa de actos terroristas tem sido pouco explorado.

Pelo contrário, a resposta a um acto desse género é sempre esperada. “Um Estado não pode manter-se indiferente, quando se tenham realizado actos terroristas que atentem contra a sua soberania, nomeadamente quando os mesmos tenham sido preparados noutro(s) Estado(s), tendo sido este(s) último(s) claramente negligente(s) na sua actividade preventiva” (Wilebsky e Januário, 2003, p. 43).

Neste caso específico, a falta de representação jurídica de organizações como a Al-Qaeda complicou a resposta dos EUA. Manuel de Almeida Ribeiro enquadra as organizações terroristas enquanto actores do Direito Internacional como “entidades marginais sem base territorial” (Ribeiro, 2005). Efectivamente, cada vez mais o terrorismo se assume como entidade transnacional que usa e abusa das potencialidades da Internet. Ainda assim, é sabido que os talibãs acolheram Osama bin Laden no Afeganistão depois de terem obtido a ajuda do líder da Al-Qaeda na guerra civil. O facto de o regime talibã ter-se recusado a entregar o chefe da rede terrorista foi motivo suficiente para os Estados Unidos encararem o Afeganistão como culpado. Com efeito, o Afeganistão podia ter, no sentido de tentar reparar o sucedido, expulsado a Al-Qaeda do seu território ou pedido desculpas por ter contribuído involuntariamente para o terror perpetrado, mas nada fez. À luz do Direito Internacional Público, “não existe qualquer diferença fundamental” entre responsabilidade directa do Estado – actos cometidos pelo governo de um Estado ou praticados com a sua autorização – e responsabilidade do Estado por “actos não autorizados praticados por agentes do Estado ou pelos seus nacionais e por estrangeiros que residam no território do Estado” (Brownlie, 1997, p. 460).

A resposta norte-americana ao 11/9 levou também a um alargamento do conceito de legítima defesa preventiva. A 28 de Setembro, poucos dias antes do início da intervenção no Afeganistão e menos de um mês após os atentados, a ONU aprovou a resolução 1373/2001, que obriga os seus actuais 190 membros da organização, entre os quais se encontra o Afeganistão. Esta resolução veio reafirmar o princípio de que “todos os Estados têm o dever de se abster de organizar, instigar, auxiliar ou participar em actos terroristas noutros Estados ou de aquiescer em actividades organizadas dentro do seu território que visem a prática de tais actos”. Esta resolução cita a 1368/2001, que inovou por a ONU autorizar a legítima defesa para responder a um ataque terrorista, o que constituiu um marco inédito no Ordenamento Jurídico Internacional (Lucena, 2003).
Fonte: Google Imagens
Importa, contudo, referir que os EUA já tinham invocado, em 1986, a legítima defesa preventiva em resposta a actos terroristas. O alvo da altura foi a Líbia, sob o argumento de que esta estava a proteger os responsáveis pelos atentados contra soldados americanos na região de Berlim Ocidental. Nessa ocasião, “alguns Estados do Conselho de Segurança, crentes da inocência da Líbia, evitaram questionar a licitude da legítima defesa” (Lucena, 2003).

Para atacar o Afeganistão, Washington invocou o artigo 51º da Carta das Nações Unidas que admite o recurso à força em legítima defesa, até que o “Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais”. O Conselho de Segurança não tomou qualquer atitude e nem atribuiu a responsabilidade – ainda que indirecta – dos atentados aos talibãs, grupo que nunca reconheceu como governo oficial afegão.

Contudo, o argumento em favor da legalidade da legítima defesa foi rejeitado pelo Conselho de Segurança ao condenar o “bombardeamento por aviões israelitas da sede da Organização para a Libertação da Palestina na Tunísia, alegadamente por este Estado ter dado guarida a terroristas que tinham atacado Israel, considerando-o como um acto de agressão armada contra o território tunisino em flagrante violação da Carta das Nações Unidas e do direito internacional” (Teles, 2003).

A intervenção no Afeganistão derrubou o regime talibã, mas não destruiu a Al-Qaeda e o país permanece em guerra. Nesta intervenção foi deu-se um “uso desproporcionado e excessivo da força, resultando num número elevado de vítimas civis” (Teles, 2003), num claro desrespeito pelo Direito Internacional Humanitário. Além disso, inúmeros talibãs foram feitos “prisioneiros e levados para os Estados Unidos sem que houvesse qualquer acusação prévia ou julgamento, em total desacordo com as próprias regras de um ordenamento jurídico inerente a uma sociedade democrática e civilizada”, frisa Fernanda Ruiz (Ruiz, 2005, p. 154).

Tem-se assistido recentemente a um tendência de criminalização internacional dos actos terroristas, sendo que os Estados devem extraditar ou punir os suspeitos de terrorismo em seu poder. Contudo, existem indefinições relativas ao terrorismo no Tribunal Penal Internacional, o que acaba também por dar maior espaço a arbitrariedades e à impunidade.

Mais do que advogar que no que diz respeito ao Direito Internacional Público é ainda a política e o poder de cada Estado que ditam as cartas - recorde-se que os Estados Unidos fazem parte do Conselho de Segurança – importa frisar que a luta contra o terrorismo que se começou a travar a partir do 11/9 representou uma viragem não só no relacionamento entre Estados – já para não falar entre civilizações -, mas também na forma jurídica de enquadrar a questão. Os Estados foram obrigados a assumir uma atitude mais activa na luta contra o terrorismo dentro das suas fronteiras, até mesmo pela necessidade de manterem relações amigáveis com os Estados Unidos, que fizeram um ultimato a todos eles: “Ou estão connosco ou estão com os terroristas”, disse George W. Bush a 21 de Setembro de 2001 (Público, 2001).

A importância que a luta contra o terrorismo assumiu nas relações internacionais, e consequentemente no Direito Internacional Público, permitiu ingerências no Afeganistão como a que se assistiu, sem qualquer julgamento internacional. O próprio homicídio de Osama bin Laden, perpetrado a 1 de Maio de 2011 por tropas norte-americanas, foi recebido com aplausos, quando o que se pedia era um julgamento. “Fez-se vingança, não justiça”, como escreveu Leonardo Boff (Boff, 2001), e as vozes que se levantaram em defesa de uma acção judicial contra os Estados Unidos por este assassinato tiveram uma expressão nula. “Depois de dez anos, duas guerras, 919.967 mortes e 1,188 trilhão de dólares, conseguimos matar uma pessoa”, ironiza Michael Moore (Monteiro, 2001).

A guerra no Afeganistão constitui, assim, uma evidência de que o terrorismo é um desafio para o Direito Internacional Público, porque muitas vezes é forçado responsabilizar um país – com as suas gentes e, na maioria dos casos, com a sua pobreza, pelos terroristas nele instalados – e, mais importante do que isso, os resultados dessa postura são os menos positivos. Já para não falar de quando o combate aos terroristas serve outros interesses.

Actos como a intervenção no Afeganistão são pois facilitados pela jurisdição internacional, a mesma jurisdição que se torna permissiva na hora de julgar o contra-terrorismo. Esta evidência põe em cheque toda a actual legislação internacional ao demonstrar que, quando estão Estados hegemónicos em causa não é o direito que dita a primeira palavra.

Bibliografia:

Almeida, Hugo Tiago (2011), “O Terrorismo e os Direitos Humanos”, in http://www.artigos.com/artigos/sociais/direito/o-terrorismo-e-os-direitos-humanos-17592/artigo/ (Consultado em Maio de 2011).

BOFF, Leonardo, “Fez-se vingança, não justiça”, in http://leonardoboff.wordpress.com/2011/05/05/fez-se-vinganca-nao-justica/ (Consultado em Maio de 2011).

BOOTH, Ken e DUNNE, Tim (2002), Mundos em colisão: terror e o futuro da ordem global, Nova Iorque, Palgrave Macmillan.

BROWNLIE, Ian (1197), Princípios de Direito Internacional Público, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian.

FONSECA, Francisco (2009), “Jus ad bellum e jus in bello”, in http://franciscofonseca.blogs.sapo.pt/8003.html (Consultado em Maio de 2011).

INNERARITY, Daniel (2004), A Sociedade Invisível, Lisboa, Teorema.

LUCENA, Gustavo Carvalho Lima de (2003). “A recepção da chamada "guerra ao terror" pelo ordenamento jurídico internacional”. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 168, in http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4676 (Consultado em Maio de 2011).

MARCO, Carla Fernanda de, “Os novos desafios do Direito Internacional face ao Terrorismo”, in http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=164 (Consultado em Maio de 2011).

Organização das Nações Unidas, in www.un.org (Consultado em Maio de 2011).

PUBLICO (2001),” Bush promete “longa luta” ao terrorismo e faz ultimato aos talibãs”, in http://www.publico.pt/Mundo/bush-promete-longa-luta-ao-terrorismo-e-faz-ultimato-aos-taliban_41094?p=2 (Consultado em Maio de 2011).

RIBEIRO, Manuel de Almeida (2005), “O Direito da Nova Ordem Internacional”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Joaquim Moreira da Silva Cunha, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra Editora.

RUIZ, Fernanda (2005), “O julgamento de actos de terrorismo pelo Tribunal Penal Internacional”, Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos, Bauru, nº. 44, p. 139-156.

WILENSKY, Alfredo Héctor e JANUÁRIO, Rui (2003), Direito internacional público contemporâneo: responsabilidade internacional do Estado; terrorismo internacional; direito internacional do ambiente; processo de integração Europeia e os Parlamentos Nacionais, Lisboa, Áreas Editora.

TELES, Patrícia Galvão (2003), “A intervenção estrangeira no Afeganistão e o Direito Internacional”, in http://www.janusonline.pt/2003/2003_2_3_1.html (Consultado em Maio de 2011).

Nota: Texto escrito em Junho de 2011.

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