sexta-feira, 13 de abril de 2012

«Discurso Civilizacional uma Tentação a Evitar»

«No início da década de 1990, delegações franco-alemães compostas por politólogos e políticos tinham por hábito aterrar no subcontinente indiano a dar lições de política e moral. O final da Segunda Guerra Mundial coincidiu sensivelmente com a divisão da Índia. Numa altura em que alemães e franceses faziam progressos no sentido da reconciliação, construindo uma nova Europa, indianos e paquistaneses pareciam determinados na hostilidade mútua e guerras sucessivas. Incentivados pelos acontecimentos que se seguiram à queda do Muro, os europeus tinham, na época, grande confiança no seu projeto político e no futuro.

Vinte anos depois, no contexto de uma União Europeia (UE) composta por 27 Estados e cerca de 500 milhões de pessoas, a questão que se coloca é outra: em vez de darem lições, terão os europeus lições a aprender com o velho subcontinente indiano e a sua história?

No mundo do início do século XXI, existem cinco Estados federais de tamanho suficiente para servir de modelo à UE. Entre eles, contam-se os Estados Unidos (311,7 milhões de habitantes e cerca de 50 estados) e o Brasil (196,7 milhões de habitantes e cerca de 26 estados), cujas histórias apresentam vários pontos de semelhança, ainda que muito diferentes da Europa. Esses Estados são o produto de um processo de conquista e colonização, acompanhado por uma diminuição (ou mesmo dizimação) da população indígena. No essencial, há uma única língua dominante. Existe alguma diversidade racial, mas pouco significativa de um ponto de vista religioso e cultural.

Os outros três casos são mais interessantes para uma perspectiva europeia: China, Índia e Indonésia. Entre eles, o caso chinês é o mais distante do europeu: Estado muito autoritário e muito pouco federalizado, com uma relação muito desigual entre maioria étnica dominante e as minorias acantonadas em regiões específicas. Os outros dois Estados suscitam naturalmente uma maior atenção, sendo ambos democráticos e dotados de sistemas políticos em que o federalismo desempenha um certo papel.

Os processos históricos que deram origem a esses dois Estados têm um elemento em comum: a Indonésia foi essencialmente construída a partir dos territórios das Índias Orientais Holandesas; também a Índia resultou dos resquícios da Índia Britânica. Mas registam também algumas diferenças marcantes. A independência da Indonésia não foi acompanhada – apesar de várias tentativas – por cisões territoriais e o sistema político surgido após 1950 permanece marcado pela dominação de uma região, Java. No plano ideológico, provou ser impossível construir a nação com base numa espécie de “javanidade”ou num discurso do tipo “civilizacional”. No caso indiano, as tentações eram de outro tipo e desde 1947 que tem havido uma luta constante entre a visão de uma Índia multicultural e secular e uma noção de Índia reduzida a uma manifestação de “civilização hindu” (implicando a expulsão da sua população muçulmana).

O nascimento da modernidade na Europa foi ele próprio definido por expulsões: dos muçulmanos e judeus, proscritos da Península Ibérica, mas não só. Quando Cristóvão Colombo e Hernán Cortés chegaram às Américas e Vasco da Gama à Índia, assombravam-nos os pavores gerados por estas expulsões. No início do século XXI, a noção de EU não se constrói contra os judeus. Mas quando a acorrentam a um discurso “civilizacional”, cai – tal como o nacionalismo hindu – na ideia de uma Europa para e de cristãos contra os muçulmanos. Volto, pois, à minha pergunta: uma Europa, para quê?

Uma primeira razão emerge da realpolitik: para contrabalançar o poder esmagador dos EUA – um país que surge como um “tigre de papel” – e da China. Outra tem que ver com a noção de missão civilizadora: colonizar e, por meio da colonização, desenvolver – como os japoneses fizeram na Coreia e na Formosa, no final do século XIX – os países vizinhos (também eles cristãos) a sul e a leste. Mas há ainda uma terceira razão, muito do apreço de alguns intelectuais: defender a preciosa herança do Iluminismo contra os “lobos maus muçulmanos”. Apesar das aparências, este discurso situa-se nos antípodas do secularismo e serviu, por exemplo, para mobilizar contra a integração da Turquia na UE. A Europa pode ter futuro, mas tem de o basear no pragmatismo. A questão dos seus limites geográficos e das suas modalidades de funcionamento não é nem moral nem “civilizacional”. A Europa, tal como a Índia, faria melhor em evitar qualquer referência a uma construção política baseada na noção de “civilização”. »

Nota: O texto acima exposto foi transcrito da Courrier Internacional, do mês de Abril, número 194, página 98, e é da autoria de Sanjay Subrahmanyam, historiador e professor da Universidade da Califórnia.

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