quarta-feira, 4 de abril de 2012

Cooperação na luta contra o terrorismo

A cooperação internacional nasce pouco associada à ideia de solidariedade, mas sobretudo decorrente de um medo comum e de uma tomada de consciência de que há lutas que só podem ser travadas em grupo. Eliti Sato exemplifica que diante da “recente crise financeira internacional, a primeira reacção dos governantes foi a de procurar o entendimento no plano internacional”, para depois concluir que “a cooperação como prática nas relações internacionais não é produto da disseminação de sentimentos altruístas, muito embora esse tipo de sentimento possa existir” (Sato, 2010, p. 50).

Apesar de algumas vezes a cooperação funcionar e estender-se a outras áreas, uma relação de cooperação constrói-se frequentemente para resolver um problema específico (Santos, 2009, p. 145).  Victor Marques dos Santos chama ainda a atenção para o facto de a interdependência constituir “necessariamente, uma restrição à autonomia e a independência dos Estados” (Santos, 2009, p. 90).

Para enfrentar algum problema – mesmo fora do quadro da jurisprudência – facilita que o seu âmbito seja delimitado ao máximo. Contudo, só recentemente é que o terrorismo foi definido pela assembleia-geral da ONU como “actos criminosos com o objectivo de ou calculados para provocar um estado de terror no público geral, um grupo de pessoas ou determinados indivíduos por razões políticas quaisquer que sejam as considerações de cunho político, filosófico, ideológico, racional, étnico, religioso ou outro que possam ser invocados para justificá-los” (Ruiz, 2005, p. 152). Ainda assim, as dúvidas sobre o alcance do conceito persistem, com teóricos a falarem em terrorismo económico ou ambiental, por exemplo.

Quando se fala em condenação de terroristas, importa lembrar que são “entidades marginais sem base territorial” (Ribeiro, 2005). Torna-se, desta forma, difícil julgá-los sob a lei específica de um país pela transnacionalidade das organizações.

Além do mais, mesmo que fosse fácil reunir com uma organização terrorista, quando se fala de cooperação, os terroristas não costumam ter espaço (ainda que não raras vezes as autoridades espanholas tenham oferecido diálogo à ETA se a organização separatista anuísse em baixar as armas). É, aliás, moralmente condenável perante a opinião pública tentar qualquer espécie de conversações perante atentados como os de 11/9. “A opinião pública comove-se com as brutalidades ocasionadas” (e toma o partido das vitimas) e, neste contexto, os governos dos estados soberanos “dificilmente podem justificar a negociação com os grupos terroristas” (Wilensky e Januário, 2003, p. 159).

Contudo, perante a sensação de medo que o terrorismo espalha por todo o planeta, os políticos vêem-se impelidos a fazer algo, sobretudo algo que responda à sede de vingança da população, sirva para unir os cidadãos e ainda legitimar a autoridade do governo perante uma crise. Após o 11/9, essa necessidade foi realizada pela via militar, atacando os talibãs que acolheram a Al-Qaeda no Afeganistão, perante a dificuldade de encontrar o rosto e/ou o terreno do inimigo. “Um Estado não pode manter-se indiferente, quando se tenham realizado actos terroristas que atentem contra a sua soberania, nomeadamente quando os mesmos tenham sido preparados noutro(s) Estado(s), tendo sido este(s) último(s) claramente negligente(s) na sua actividade preventiva” (Wilebsky e Januário, 2003, p. 43).

A 28 de Setembro, poucos dias antes do início da intervenção no Afeganistão, a ONU aprovou a resolução 1373/2001, que obriga os actuais 190 membros da organização, entre os quais o Afeganistão. Esta resolução veio reafirmar o princípio, consagrado na resolução 2625, de 1970, de que “todos os Estados têm o dever de se abster de organizar, instigar, auxiliar ou participar em actos terroristas noutros Estados ou de aquiescer em actividades organizadas dentro do seu território que visem a prática de tais actos”. Esta resolução cita a 1368/2001, que inovou por a ONU autorizar a legítima defesa para responder a um ataque terrorista, o que constituiu um marco inédito no Ordenamento Jurídico Internacional (Lucena, 2003). Manuel de Almeida Ribeiro frisa que o 11 de Setembro trouxe uma “alteração no sentido do alargamento do conceito de legitima defesa preventiva”, para além de implicar mudanças nas “políticas externas de grande parte dos Estados” (Ribeiro, 2005).

Recorde-se que na luta contra o terrorismo, lançada logo após o 11/9, os EUA assumiram uma atitude implacável e fizeram um ultimato aos restantes países: “Ou estão connosco ou com os terroristas”, disse o presidente de então. “A partir deste dia, cada nação que continuar a apoiar ou a proteger o terrorismo será vista pelos Estados Unidos como um regime hostil, acrescentou George W. Bush (Adventistas, 2001).  Desde logo, os Estados foram obrigados a assumir uma atitude mais activa na luta contra o terrorismo dentro das suas fronteiras, até mesmo pela necessidade de manterem relações amigáveis com Washington.

Outra medida anunciada pelo presidente americano neste discurso, no Congresso, foi a criação de um órgão de segurança interna. Bush disse que os esforços antiterrorismo de diversas agências governamentais deviam passar a ser conduzidos ao mais alto nível e nomeou o governador da Pensilvânia, Tom Ridge, para o cargo.

Paralelamente, a União Europeia, por exemplo, reforçou a integração na sua política de segurança, em especial na área da prevenção. Em 2003, Javier Solana, então Alto Representante para a Política Exterior e Segurança Comum da UE, defendia que a luta contra o terrorismo requer “uma mistura de meios de inteligência, políticos, militares e outros” (Solana, 2003, p. 12). Maria do Céu Pinto lembra que a UE pôs em prática um programa de contra-terrorismo, adoptando “imediatamente actividades militares, financeiras, legais, policiais, de informação e de investigação, juntamente com uma campanha de prevenção para erradicar as causas do terrorismo”, apostando sobretudo em tentar uma solução pacífica para o conflito israelo-palestiniano. Ao contrário desta estratégia abrangente, frisou, a política da administração Bush centrou-se, “em primeiro lugar, nos sintomas e manifestações do terrorismo” (Encontro Eurodefende de Jovens Europeus, 2004, p. 30).

Importa ainda referir que a NATO tem sido palco de desacordos quanto à importância que a luta contra o terrorismo deve ocupar na sua agenda.

Já na assembleia-geral da ONU de 30 de Agosto de 2002, foi exposto que o terrorismo só pode ser combatido com um esforço global de toda a comunidade internacional, “sob os auspícios das Nações Unidas” (Nogueira, 2004, p. 243).

Contudo, esta cooperação está longe de acontecer, numa altura em que o próprio temor do terrorismo decresceu junto das sociedades, deixando consequentemente de ser uma das prioridades dos governantes.

Referências bibliográficas:
  • ADVENTISTAS (2001), “Bush aponta três inimigos: Bin Laden, Talibã e quem ficar contra os EUA”, in http://www.adventistas.com/setembro2001/not200901.htm
  • ENCONTRO EURODEFENDE DE JOVENS EUROPEUS (2004), Segurança e defesa europeia: um desafio do presente, Lisboa, Eurodefense.
  • LUCENA, Gustavo Carvalho Lima de (2003). “A recepção da chamada "guerra ao terror" pelo ordenamento jurídico internacional”. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 168, in http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4676 (Consultado em Maio de 2011).
  • NOGUEIRA, Patrícia (2004), “O terrorismo transnacional e as suas implicações no cenário internacional, Universitas - Relações Int., Brasília, v. 2, n.2, p. 221-244, jul./dez. 2004
  • RIBEIRO, Manuel de Almeida (2005), “O Direito da Nova Ordem Internacional”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Joaquim Moreira da Silva Cunha, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra Editora.
  • RUIZ, Fernanda (2005), “O julgamento de actos de terrorismo pelo Tribunal Penal Internacional”, Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos, Bauru, nº. 44, p. 139-156.
  • SANTOS, Victor Marques dos (2009), Teoria das Relações Internacionais - Cooperação e Conflito na Sociedade Internacional, Lisboa, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.
  • SATO, Eliti (2010), “Cooperação internacional: uma componente essencial das relações internacionais”, R. Eletc. De Com. Inf. Inov. Saúde, Rio de Janeiro, v.4, n.1, p.46-57, mar., 2010 [www.reciis.cict.fiocruz.br]
  • WILENSKY, Alfredo Héctor e JANUÁRIO, Rui (2003), Direito internacional público contemporâneo: responsabilidade internacional do Estado; terrorismo internacional; direito internacional do ambiente; processo de integração Europeia e os Parlamentos Nacionais, Lisboa, Áreas Editora.

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