terça-feira, 17 de abril de 2012

Günter Grass persona non grata


Günter Grass, escritor alemão e vencedor do prémio Nobel da Literatura em 1999, recentemente lançou-se numa gravíssima polémica com o Estado israelita, tudo na sequência de um poema publicado num jornal alemão, Süddeutsche Zeitung, a 4 de Abril, intitulado “Was gesagt werden muss” (o que tem de ser dito).

No referido poema, Grass, critica a postura israelita face ao Irão e ao seu programa nuclear. Chega até a afirmar que o Estado de Israel coloca em causa a paz mundial.

“(…)

Por que motivo só agora digo,

já velho e com a minha última tinta,

que Israel, potência nuclear, coloca em perigo

uma paz mundial já de si frágil?

Porque deve ser dito

aquilo que amanhã poderá ser demasiado tarde [a dizer],

(…)”

Face a tais acusações, Israel, através do ministro do Interior, Eli Yishai, declarava Grass persona non grata o que equivale a proibir o acesso daquele ao território israelita. As críticas, não só israelitas mas também alemães, sucederam-se à velocidade da luz. A animosidade instalou-se, chegando ao ponto de advogarem à retirada do prémio Nobel da Literatura atribuído a Grass, dada a sua postura imoral. A Academia Sueca negou veemente, uma vez que o prémio fora atribuído pelo seu mérito literário.

Para além das críticas, o passado de Grass fora analisado, especialmente a sua juventude, aquando dos seus 17 anos quando serviu nas SS-Waffen. Por este facto seria acusado de anti-semitismo. Outros ainda mencionariam a idade de Grass, quiçá procurando algum vestígio de senilidade, para justificar a produção do provocatório poema.

Apesar da quantidade de acusações vários foram aqueles que vieram em defesa do escritor alemão, indicando que este criticava apenas a política do governo de Benjamin Netanyahu, algo que mais tarde Grass afirmou, e não Israel no todo.

A polémica tenderá a permanecer, uma vez que diversas foram os assuntos levantados após a divulgação do poema de Grass. Desde a questão do holocausto, do anti-semitismo, anti-sionismo, a tensão Israel e Irão, a política de Netanyahu e outros continuarão a contribuir para variadas discussões e reflexões.


NOTA: Abaixo podem ler a versão traduzida de “Was gesagt werden muss” de Günter Grass


O que deve ser dito

“Porque guardo silêncio há demasiado tempo

sobre o que é manifesto

e se utilizava em jogos de guerra

em que no fim, nós sobreviventes,

acabamos como meras notas de rodapé.

É o suposto direito a um ataque preventivo,

que poderá exterminar o povo iraniano,

conduzido ao júbilo

e organizado por um fanfarrão,

porque na sua jurisdição se suspeita

do fabrico de uma bomba atômica.

Mas por que me proibiram de falar

sobre esse outro país [Israel], onde há anos

- ainda que mantido em segredo –

se dispõe de um crescente potencial nuclear,

que não está sujeito a nenhum controle,

pois é inacessível a inspeções?

O silêncio geral sobre esse fato,

a que se sujeitou o meu próprio silêncio,

sinto-o como uma gravosa mentira

e coação que ameaça castigar

quando não é respeitada:

“antissemitismo” se chama a condenação.

Agora, contudo, porque o meu país,

acusado uma e outra vez, rotineiramente,

de crimes muito próprios,

sem quaisquer precedentes,

vai entregar a Israel outro submarino

cuja especialidade é dirigir ogivas aniquiladoras

para onde não ficou provada

a existência de uma única bomba,

se bem que se queira instituir o medo como prova… digo o que deve ser dito.

Por que me calei até agora?

Porque acreditava que a minha origem,

marcada por um estigma inapagável,

me impedia de atribuir esse fato, como evidente,

ao país de Israel, ao qual estou unido

e quero continuar a estar.

Por que motivo só agora digo,

já velho e com a minha última tinta,

que Israel, potência nuclear, coloca em perigo

uma paz mundial já de si frágil?

Porque deve ser dito

aquilo que amanhã poderá ser demasiado tarde [a dizer],

e porque – já suficientemente incriminados como alemães –

poderíamos ser cúmplices de um crime

que é previsível,

pelo que a nossa cota-parte de culpa

não poderia extinguir-se

com nenhuma das desculpas habituais.

Admito-o: não vou continuar a calar-me

porque estou farto

da hipocrisia do Ocidente;

é de esperar, além disso,

que muitos se libertem do silêncio,

exijam ao causador desse perigo visível

que renuncie ao uso da força

e insistam também para que os governos

de ambos os países permitam

o controle permanente e sem entraves,

por parte de uma instância internacional,

do potencial nuclear israelense

e das instalações nucleares iranianas.

Só assim poderemos ajudar todos,

israelenses e palestinos,

mas também todos os seres humanos

que nessa região ocupada pela demência

vivem em conflito lado a lado,

odiando-se mutuamente,

e decididamente ajudar-nos também.”

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