domingo, 25 de março de 2012

"As guerras também se inventam?"


Deixo-vos abaixo um artigo de opinião, que podem encontrar na Courrier internacional deste mês, um tanto pertinente.



«As guerras também se inventam?

Nos anos 60, Che Guevara lançou uma palavra de ordem antiamericana que ficou célebre: “É preciso criar um, dois, três Vietnames…” Meio século depois, Washington parece apostado em criar não um mas vários Iraques, senão diversos Afeganistões. É certo que a perspetiva de um Irão com capacidade nuclear é assustadora, mas há qualquer coisa de familiar no bombardeamento mediático sobre o país dos ayatollahs. A Agência Internacional para a Energia Atómica (AIEA) ainda não encontrou provas de que o país esteja, de facto, a construir bombas nucleares. Os serviços secretos ocidentais também não. Mas EUA e EU avançaram já com sanções (que atingem mais o povo iraniano que a clique dirigente), enquanto a marinha norte-americana ocupa o Golfo Pérsico. Supostamente, Saddam Hussein tinha armas de destruição maciça e, por isso, foi invadido pelos EUA em 2003. Os inspectores da ONU nunca as tinham conseguido encontrar e, uma vez que o país ocupado e o ditador derrubado, nem a CIA, nem as tropas especiais americanas lhes descobriram o rasto. Em contrapartida, o país ficou destruído, libertaram-se os demónios da violência sectária e subverteram-se os equilíbrios geoestratégicos do Médio Oriente.

O paralelo entre o Irão de Ahmadinejad e o Iraque de Saddam salta à vista, mas vale a pena recontar a História dos últimos 60 anos. Em 1953, com a vitória do republicano Eisenhower nos EUA e o regresso ao poder dos conservadores britânicos (chefiados por Churchill), os serviços secretos dos dois países montaram um golpe de estado no Irão para afastar o Governo nacionalista de Mossadegh que ousara pôr em causa o monopólio das companhias petrolíferas inglesas. O ditador “inventado” pelo Ocidente foi o Xá da Pérsia, que conseguia incompatibilizar-se com os republicanos laicos e com os fundamentalistas xiitas. A revolução que o derrubou em 1979 degenerou num Estado teocrático e humilhou os EUA, fazendo reféns durante 444 dias os funcionários da embaixada em Teerão. A partir de 1980, americanos, franceses e ingleses armaram o Iraque laico e republicano de Saddam (que era uma ditadura sinistra mas para o caso servia) contra o Irão dos ayatollahs. O banho de sangue durou oito anos e ninguém ganhou. Irritado por ter arruinado o país, não ter conquistado território e não ter recebido compensações ocidentais, Saddam invadirá o Kuwait em 1990. Consequência directa: a I Guerra do Golfo, em 1991. A presença de tropas dos EUA em território saudita contribui para exasperar um então ilustre desconhecido que fora aliado circunstancial da CIA na guerrilha movida pelos mujahedins afegãos aos invasores soviéticos. Chamava-se Bin Laden e fundou a AL-Qaeda. O resto da sua biografia é do conhecimento geral.

Será que o Irão xiita de Ahmadinejad menos respeitador dos direitos humanos do que a Arábia Saudita (potência sunita apoiada pelos EUA) que lhe disputa a hegemonia regional? Será mais difícil conviver com um futuro Irão nuclear do que uma Coreia do Norte paranóica ou um Paquistão apertado entre a ameaça constante de golpe militar e a cumplicidade com os talibãs e a Al-Qaeda? Tem Israel, que, ao contrário do Irão, não assinou o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, o direito de possuir bombas atómicas e de fazer ataques preventivos ao Iraque (1981) e à Síria (2007) para estes não as desenvolverem?

Na vizinha Síria, onde a Primavera Árabe luta por se impor, com a Rússia e China a protegerem escandalosamente um ditador assassino, a ONU vai finalmente intervir com armas? Ou preferirão os serviços secretos ocidentais, o Qatar e a Arábia Saudita armar uma guerrilha fundamentalista sunita para derrubar um Al-Assad apoiado pelos xiitas de Teerão? Foi assim em 1980 no Afeganistão contra os soviéticos e todos sabemos como a história (ainda não) acabou.»

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