quinta-feira, 8 de março de 2012

"Mundos em colisão"

    O livro “Mundo em Colisão”, de Ken Booth e Time Dunne, começa por abordar a guerra contra o terrorismo, em concreto as suas causas e as suas consequências, e a necessidade de criar alternativas à mesma que passem pela construção de um novo mundo onde impere o “poder da comunidade” e o combate de outros fenómenos, muitos deles mais problemáticos do que o terrorismo, como a pobreza.

    Os autores apontam o 11 de Setembro como uma data que marca uma crise mundial histórica pela colisão de mundos que representa – o Ocidental, personificado pelos EUA, e o mundo muçulmano (ainda que esta colisão tenha paralelismos com outras, como o conflito israelo-palestiniano) -, e defendem a necessidade de introspecção dos dois lados.

    É necessário pôr de lado os mitos criados em torno da sociedade norte-americana – que surgiram com o propósito de a unificar, tornando-a atraente – e avaliar a postura que o país tem tido como maior potência do mundo, à luz da ideia de que quanto maior o poder maior a responsabilidade. Com efeito, os Estados Unidos podem, por exemplo, ser acusados de fundamentalismo de mercado num mundo virtual. Isto leva Jung Mo Sung diz que são precisos novos valores morais, já que as formas de “definir o bem e o mal, o certo e o errado já não estão a funcionar para os desafios do nosso tempo” (Sung, 2006).

     A introspecção do lado do mundo muçulmano deverá, assim, passar também por um olhar sobre o fundamentalismo, que, ressalve-se, existe em várias religiões, mas está sobretudo ligado ao Islamismo. Tal como os fundamentalistas de mercado, os terroristas islâmicos também se arriscam a “parasitar” as causas que defendem (Innerarity, 2004, p. 61).

     Samuel P. Huntington defendeu que o choque de civilizações iria dominar a política internacional após o fim da Guerra Fria. Huntington disse que “os alinhamentos culturais são a chave da nova ordem mundial” (Bertonha, p. 177), pelo que grandes blocos económicos e políticos que reunam culturas diversas produzirão “inevitavelmente resultados modestos” (Bertonha, p. 178).

     Com efeito, basta olhar para a relutância que os europeus ocidentais têm em incluir uma Turquia islâmica na União Europeia para dar razão a Huntington.

     Por outro lado, depois de terem perdido o domínio do mundo e assistido à queda do Império Otomano, os muçulmanos encaram o Ocidente como inimigo, sendo que num mundo globalizado, em que a Internet chega a todo o lado e os produtos culturais norte-americanos se disseminam pelos quatro cantos do globo, cresce o receio do fim da cultura muçulmana.

    João Marques de Almeida entende que se existem causas que explicam o aparecimento da Al-Qaeda, “elas resultam em larga medida de erros políticos das potências ocidentais no Médio Oriente”, como o apoio a Israel na violação da independência política dos palestinianos, e de “graves problemas económicos e políticos que afectam as sociedades muçulmanas”.

Ataque ao World Trade Center. a 11/9.  Créditos: http://iraqwarnews.net

    A agravar a situação, cada vez mais os políticos ocidentais tomam medidas de segurança no sentido de criar um sentimento anti-ocidental. Por isso, um relatório da Open Society Institute, apresentado em Dezembro de 2009, deu conta que a discriminação contra muçulmanos está a aumentar na Europa. Questionado sobre se é possível comparar a situação actual com o que se passou com os judeus nos anos 30, Martin Rose, director do projecto A Nossa Europa Comum, citado pelo Público, afirmou que por um lado até “é pior do que nos anos 30, porque se passa em toda a Europa". "Se combinamos crise com ignorância, e com o facto de que há gente que se diz muçulmana a fazer-se explodir, os muçulmanos são um alvo óptimo, quando estamos à procura de alguém para odiar”, acrescentou. Com efeito, nos últimos anos tem-se verificado que à medida que se ouvem discursos anti-muçulmanos crescem no poder partidos de extrema-direita.

    Num mundo onde os terroristas semeiam o medo e, logo, a confusão, e os políticos são obrigados a fazer algo rápido e visível para combater o inimigo – como, aliás, actuou a Casa Branca ao invadir o Afeganistão - os executivos agem, não raras vezes, sem premeditar. Este facto leva Daniel Innerarity a concluir que “as pessoas têm o direito de estar a salvo também dos seus protectores” (2004, p. 172).
Esta realidade leva muitos jovens muçulmanos discriminados na Europa a procurar uma “identidade alternativa e auto-estima numa suposta vanguarda islâmica global e no cumprimento de um dever honroso”, perpetrando ataques suicidas (Costa, p. 41).

    Apesar de os autores de “Mundos em Colisão” preferirem falar em incompreensão mútua do que em choque de civilizações, a verdade é que este é um dos maiores problemas da actualidade. Quando um francesa muçulmana tenta banhar-se numa piscina com uma “burquíni”1, porque assim o exige a sua religião, e é impedida por questões de higiene existe um choque de culturas.

    A ideia de que muçulmanos e ocidentais devem colocar-se no lugar do outro, como defendem Ken Booth e Time Dunne, faz todo o sentido, sobretudo, quando alguns executivos falam em combater o terrorismo e usam-no dentro das próprias fronteiras, dado que, por exemplo, a tortura é uma forma de terror.

    Os autores chamam ainda a atenção para a perda de vidas humanas quando se luta contra terroristas. “Quando nos convencemos que a guerra é a única forma de prevalecer (como os jihadistas fizeram), tornamo-nos hipócritas em relação à nossa causa (tal como os islamistas) e arriscamo-nos a apagar a distinção entre guerreiros e não combatentes”, alertam (p. 13).

    “Se o primeiro passo é desafiar a noção de um mundo bifurcado, a segunda é aceitar” que existem outros terrores, como a pobreza (p. 8), defendem os autores de Mundos em Colisão. Se a pobreza aumenta também cresce a facilidade de acesso a armas de destruição maciça.

    Por tudo isto, os autores entendem que, ao contrário dos políticos, os líderes pensam que os problemas de hoje não são os verdadeiros problemas, mas apenas os sintomas.

    A par do terrorismo, Booth e Dunne lembram o fanatismo religioso dos talibãs, o hipernacionalismo nos Balcãs e o anti-semitismo na Europa do Leste, para defenderem a necessidade de ponderar as causas destes problemas actuais, num mundo em que as pessoas precisam de algo em que acreditar.

    Numa altura em que a Al-Qaeda está em pelo menos 40 países e potenciais terroristas nascem todos os dias, é preciso repensar o significado de vitória e apostar na construção de um mundo de comunidade, em que a globalização humanitária seja uma prioridade, advogam os autores de “Mundos em Colisão”.  

Referências bibliográficas:

- ALMEIDA, João Marques de, “O Choque das Civilizações e o 11 de Setembro”, in
http://www.ipri.pt/investigadores/artigo.php?idi=5&ida=31 (Consultado em Janeiro de 2011).
- BOOTH, Ken e DUNNE, Tim (2002), Mundos em colisão: terror e o futuro da ordem global, Nova Iorque, Palgrave Macmillan.
- BERTONHA, João Fábio, “O choque das civilizações e a composição da ordem Mundial” (resenha), in Contexto Internacional, vol. 19, nº 1, Jan/Jun 96, p. 175-179, Rio de Janeiro.
- COSTA, Helder Santos (2003), O Martírio no Islão, Lisboa, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.
- INNERARITY, Daniel (2004), A Sociedade Invisível, Lisboa, Teorema.
- SUNG, Jung Mo (2006), “Globalização e a 'batalha moral'”, in http://www.adital.com.br/site/noticia2.asp?lang=PT&cod=24457 (Consultado em Janeiro de 2011).

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