quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Poderá um só político mudar o rumo de um continente?


A história já mostrou que sim. Adolfo Hitler conseguiu usar uma humilhação recalcada como suporte de uma ideologia expansionista. Sem querer comparar o incomparável, vale a pena apontar os riscos – incalculados – que o primeiro-ministro grego está a correr ao convidar um povo humilhado a mudar a história.

George Papandreou decidiu perguntar aos cidadãos se querem um segundo pacote de ajuda externa e já fez saber que acredita no bom senso do povo. Saberá que está em causa o futuro da permanência da Grécia no euro e saberá também - ou não fosse filho e neto de políticos que também chegaram a chefes de governo – que não raras vezes os resultados dos referendos são apenas um voto de descrédito ou confiança no executivo.

Papandreu viu-se encostado à parede e com o futuro político condenado por medidas de austeridade, tal como o seu antecessor, e ter-se-á inspirado em dois dos grandes pilares do PASOK (o seu partido): a independência nacional e a soberania do povo.

Contudo, ter-se-á Papandreu recordado que o povo nestas coisas olha muito a curto prazo e para o umbigo, pensando mais nos preços que aumentaram exponencialmente desde a entrada no euro do que nos riscos para o país do regresso ao dracma? Poderá ele pôr de parte que muitos gregos consideram que a UE não é sinónimo de ajuda e que entendem que uma saída da Zona Euro pode traduzir-se em liberdade e oportunidades longe de uma longa dívida para pagar? Terá esquecido os meses de revolta e de violência no país contra as medidas de austeridade? Não terá lido as sondagens que revelam que 60 por cento dos gregos estão contra o novo capote de ajuda, que inclui um corte de 50 por cento da dívida do país? Ou terá estado na base deste referendo uma manobra política e um aproveitamento do sentimento de humilhação? 

                                                                   Legenda: George Papandreou (Créditos: http://hellasfrappe.blogspot.com)

Para esta decisão poderão também ter contribuído os rumores de que as forças armadas se preparavam para um golpe de Estado? Atenas lembrou que as substituições – inéditas – nas chefias militares já estavam previstas. Aparte rumores dessa natureza – que nascem em épocas de crise e em conversas de café entre militares de muitos países, incluindo Portugal - seria difícil ocorrer um golpe de Estado na Grécia, dado que acções dessa dimensão devem exigir um largo tempo de preparação. Independentemente das razões, Papandreou vai afastar das forças armadas pessoas escolhidas pelo seu antecessor, mas o timing não podia ter sido pior. Na minha óptica, também a ideia de um referendo terá surgido de um erro de cálculo envolto em algum desespero e inocência.

O general Loureiro dos Santos comentou a situação actual, em especial a crise grega, afirmando à Lusa: “Quando olhamos para os resultados da grande depressão dos anos 1920 do século XX houve uma série de movimentações, perturbações, golpes em toda a Europa. Foi uma vaga que implantou os nazismos, os fascismos e depois originou uma guerra mundial. Não estou a dizer que é assim ou que há condições para ser assim mas, não podemos pôr de parte as várias hipóteses possíveis".

Apenas a título de curiosidade: Hitler, após o abandono da Liga das Nações, precisava de garantir o apoio dos militares da Reicheswehr, que se mostraram reticentes em relação ao novo executivo, e conseguiu-o ao enfrentar uma tentativa de golpe de Estado.

Se os alemães não esqueceram a humilhação do Tratado de Versalhes, tampouco os gregos esquecem a humilhação de serem o patinho mais feio da Zona Euro nem a ocupação germânica há 65 anos atrás. Um deles é o próprio primeiro-ministro que respondeu às repreensões de Angela Merkel recordando que o ouro retirado ao país pela Alemanha nazi nunca foi devolvido.

                                                                   Legenda: Poster colocado em Atenas no final da semana passada (Créditos: rt.com)

O referendo poderá não se realizar. Afinal, Papandreou encontra-se numa situação muito frágil para ver aprovada a moção de confiança desta sexta-feira. O dito referendo já lhe retirou poder político, contando agora com uma maioria de apenas dois deputados.

É verdade que a história não se repete, mas é a partir dela que devemos encarar o futuro, mais que não seja para corrigirmos um passo em falso quando ainda vamos a tempo de colocar o pé onde estava.

2 comentários:

  1. Bom texto Andreia! Só não concordo com o que dizes no final, a História repete-se, mudam-se as personagens mas o resto mantêm-se... A Europa já devia estar familiarizada com aquilo que foi o nosso continente antes do projecto europeu, conflitos e guerras. O "orgulhosamente sós" já não adequa-se a nenhum Estado. Esta "brincadeira" de realizar um referendo coloca a UE em expectativa, porque afinal não é apenas a Grécia que está em causa, mas todo um projecto de unidade...

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  2. Teresa esse projecto de unidade não vingará enquanto a Europa não falar a uma só voz. É necessária liderança. Enquanto cada Estado lutar pelos interesses individuais o projecto Europeu está condenado.
    Pode ser que esta nova ideia franco-alemã de um governo económico unico ajude a unificar e a criar a tal liderança.

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